Representantes de movimentos socias, da academia e do legislativo se articulam para barrar o PL do Veneno, derrubar incentivos fiscais aos agrotóxicos e fortalecer políticas públicas de incentivo à produção agroecológica e camponesa
Por Nanci Pittelkow
O projeto Brasil Sem Veneno – uma parceria entre De Olho nos Ruralistas e O Joio e o Trigo – identificou 542 iniciativas de combate aos agrotóxicos em todo o Brasil. O levantamento inédito mostra uma ampla gama de ações, com diferentes estratégias. De movimentos sociais a grupos de comunicação, passando por iniciativas legislativas, ações educativas e grupos acadêmicos. Em meio a essa diversidade, há uma perspectiva em comum entre elas: a urgência de criar pontes entre campo e cidade para reverter a agenda de retrocessos movida por Jair Bolsonaro e pela bancada ruralista no Congresso.
“A prioridade é barrar o Pacote do Veneno, que infelizmente parece estar próximo de ser aprovado, e avançar nas legislações de redução de uso de agrotóxicos”, explica Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e Pela Vida. “Estamos numa disputa de narrativas com o agronegócio, que tem muito poder e dinheiro e consegue influenciar meios de comunicação e a política”.
“Outra questão que está caindo de madura é a concessão de subsídios fiscais aos agrotóxicos”, afirma Neice Muller Faria, pesquisadora associada da Universidade Federal de Pelotas (RS), cujo grupo de pesquisa é um dos destaques do levantamento do Brasil Sem Veneno. “É um absurdo que um país em crise econômica conceda benefícios para grandes indústrias”. Para contestar esse incentivo, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) moveu a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.553 no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando os dispositivos tributários que concedem isenção parcial de ICMS e total de IPI para a produção e comercialização de pesticidas.
Segundo Tygel, a disputa por políticas públicas que viabilizem a produção sem veneno no orçamento federal continuará intensa. “Mesmo com a vitória de um governo progressista nossa luta continua árdua”, opina. “Sabemos que as alianças para a vitória contra o Bolsonaro incluem representantes do agronegócio”.
“Vai ser muito difícil a gente conseguir algo sem tirar o Bolsonaro do poder, ele é a peça-chave nessa engrenagem”, concorda Fernando Carneiro, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro do GT de Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). “Sobre os erros do passado, podíamos ter aprovado o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que está para ser votado. Os governo PT tiveram essa oportunidade e não fizeram por pressão do agronegócio”.
REVERSÃO DE SUBSÍDIOS PARA PESTICIDAS É PRIORITÁRIA
O julgamento da ADI 5.553 encontra-se suspenso desde novembro de 2020, após pedido de vistas de Gilmar Mendes. Em 2018, o ministro do Supremo foi alvo de duas ações do Ministério Público do Estado do Mato Grosso (MPMT) devido ao plantio irregular de transgênicos em área de preservação e uso abusivo de agrotóxicos em duas fazendas situadas no município de Diamantino, às margens do rio Paraguai. O ministro Edson Fachin, relator da ação, votou favoravelmente à ação.
“São produtos que podem matar e, ao invés de ter o uso restrito, recebem incentivos para venda”, avalia Beth Cardoso, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Para o deputado estadual Renato Roseno (PSOL-CE), autor da primeira lei contra a pulverização aérea de agrotóxicos aprovada no país, a isenção de impostos para agrotóxicos é inconstitucional. “O princípio da seletividade tributária é isentar o que se quer estimular, e a gente não deveria estimular veneno”, afirma.
O tema também tem impacto direto sobre o Sistema Público de Saúde (SUS). “A cada 1 dólar gasto com agrotóxicos, gasta-se 1,3 com intoxicações agudas”, ilustra Fernando Carneiro, da Fiocruz. “Capitaliza-se o lucro e socializa-se o prejuízo para saúde e ambiente”.
“O agronegócio tem todo o apoio do estado, recebe milhões em incentivos”, analisa Edivagno Rios, coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “No semiárido costumamos dizer que o problema não são as secas, são as cercas que concentram a terra e a falta de políticas públicas”.
POVOS DO CAMPO SE ARTICULAM POR MAIS POLÍTICAS PÚBLICAS
Para pressionar o poder público, os movimentos intensificaram a agenda de mobilizações, ocupando ministérios, câmaras municipais, unidades da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Congresso. “São ações em torno das políticas públicas, contra o pacote do veneno, pela agroecologia”, informa Jakeline Pivato, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integrante da Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e Pela Vida. “Nossa motivação é tirar os agricultores da dependência dos pacotes prontos, caros e muitas vezes inadequados às condições tropicais de produção”.
A sociedade civil busca se organizar para acumular força política e direcionar as ações para voltar ao rumo iniciado nos anos 1990 e 2000, com a criação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e de programas de compras públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e todo arcabouço criado pela Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO).
“Nossa proposta é a criação de um programa camponês a partir da criação de uma empresa brasileira de alimentos que possa garantir a sobrevivência de quem produz e de quem está com fome”, acrescenta Edivagno Rios, do MPA. “Outro desafio é o de distribuir para um mercado controlado pelo capital e as feiras e os mercados próprios são algumas das saídas”.
Para Beth Cardoso, do GT de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), produzir a mesma quantidade de comida para alimentar o país, ou até mais do que se produz hoje, por meio da agroecologia, é possível. “Pode-se usar a mesma extensão de terra, o que não pode é ter um dono só”, afirma. “A agricultura camponesa produz para o mercado e para o autoconsumo. O camponês não vai ter só café. Vai ter feijão, mandioca, galinha, porco”. Diversas metodologias, como as dos Sistemas Agrícolas Integrados (SAT) do Rio Negro e do Vale do Ribeira comprovam que as pequenas propriedades diversificadas mantêm o equilíbrio daquela propriedade, comunidade e região.
“Até os anos 40 nós produzíamos sem ‘pacote verde’, que de verde só tem o nome”, afirma o deputado Renato Roseno, candidato à reeleição para a Assembleia Legislativa do Ceará. “Esse pacote tecnológico é insustentável, pois ele é hidro intensivo, tem alta contaminação e é muito caro”, completa.
Imagem em destaque (Denise Matsumoto): projeto Brasil Sem Veneno mapeia resistências contra os agrotóxicos em todo o país
| Nanci Pittelkow é jornalista.|
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