Advogado de bolsonaristas defende bananicultor do Vale do Ribeira preso em Brasília

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Jorge Ferreira é de Miracatu (SP), onde o irmão de Bolsonaro foi chefe de gabinete e o sobrinho possui terras; seu defensor, Thiago Righi Reis, atua no gabinete da policial Katia Sastre (PL-SP) e trabalhou com Alberto Fraga (PL-DF), amigo de Bolsonaro durante 40 anos

Por Tonsk Fialho, Bruno Stankevicius Bassi e Alceu Luís Castilho

Jorge Ferreira, preso em flagrante em Brasília. (Foto: Reprodução/Facebook)

Um dos 240 presos inicialmente pelos atos terroristas que devastaram a Praça dos Três Poderes no domingo (08) mora no Vale do Ribeira (SP), na região onde o ex-presidente Jair Bolsonaro cresceu e onde sua família tem vários tentáculos comerciais e políticos. Mais precisamente em Miracatu (SP), onde Renato Bolsonaro — irmão de Jair — era chefe de gabinete do prefeito até agosto de 2022. Jorge Ferreira é bananicultor, atividade que o político do PL protegeu na região, desde que assumiu o mandato, em janeiro de 2019.

Seu pai, Mauro Ferreira, é dono de dois imóveis rurais no município, conforme levantamento do De Olho nos Ruralistas: uma fazenda de 338,86 hectares, onde planta bananas, e uma pequena propriedade de 4,21 hectares, ambas na Estrada do Faú. Essa região ainda não tem seus lotes regularizados. E se trata de uma fazenda média, para os padrões paulistas.

Seriam os Ferreiras homens simples o suficiente para serem ignorados, em meio à multidão de presos em Brasília?

Mauro conseguiu uma defesa influente na capital. No auto de prisão em flagrante, realizado no dia 09 (segunda-feira), o fazendeiro — que informou ter curso superior — foi acompanhado pelo advogado Thiago Righi Reis. Dono de um escritório no Edifício JK, um dos principais endereços comerciais da capital federal, Reis tem conexão direta com dois deputados federais bolsonaristas.

ADVOGADO FEZ PETIÇÃO DO DEM PARA QUE LULA NÃO ASSUMISSE CASA CIVIL

Entre 2015 e 2016, ele foi secretário parlamentar do ex-policial militar Alberto Fraga (então no DEM-DF). Amigo íntimo de Bolsonaro durante 40 anos, Fraga rompeu com Jair após sua mulher morrer por Covid-19. Ele presidiu a Frente Parlamentar da Segurança Pública, a face institucional da “bancada da bala”. Foi cotado para assumir um ministério, mas foi impedido pela repercussão negativa de uma condenação de 2018 por cobrança de propina durante sua gestão na Secretaria de Transportes do Distrito Federal. Ele foi absolvido em segunda instância, em 2019.

Alberto Fraga alçou na política defendendo policiais militares. Durante o período em que Thiago Righi trabalhou com ele, o advogado de Jorge Ferreira assinou uma petição do DEM (hoje União Brasil) ao STF para que Luiz Inácio Lula da Silva não assumisse como ministro-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff. Dias depois, respondendo a outra petição, o ministro Gilmar Mendes suspenderia a nomeação. O episódio, ocorrido em março de 2016, foi decisivo para aquecer o clima político para o impeachment da presidente, efetivado pela Câmara no mês seguinte e ratificado no Senado em agosto.

Após a derrota de Fraga no pleito de 2018, Thiago Righi migrou para o gabinete de outra líder da bancada da bala, a deputada Katia Sastre (PL-SP). Policial militar, ela se notabilizou após reagir a um assalto em Suzano (SP), matando o criminoso com um tiro no peito. O vídeo do disparo foi utilizado em sua campanha política, sendo retirado do ar após decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). Inicialmente alocado como secretário parlamentar, Reis passou a atuar no gabinete de Sastre como terceirizado, tendo seu último contrato vigente até junho de 2022.

A reportagem buscou contato com a defesa de Jorge Ferreira, mas até o momento de fechamento da reportagem não obteve retorno.

 

Miracatu, no Vale do Ribeira, é foco de atuação política e econômica do clã Bolsonaro. (Mapa: Eduardo Luiz Carlini)

DOSSIÊ SOBRE GOVERNO BOLSONARO MOSTROU LOBBY A FAVOR DE BANANEIROS

Em seu depoimento à polícia, Jorge Ferreira informou o endereço da fazenda do pai em Miracatu e disse que estava passeando em Brasília com um amigo. Afirmou que acabara de comprar a camiseta verde e amarela de um vendedor ambulante e que entrou no Congresso impelido pela multidão; e que lá ficou porque as pessoas estavam rezando. Em seu Facebook, ele aparece com o pai Mauro e outros familiares, exaltando o trabalho no campo.

No dia 31 de outubro, um dia após a eleição de Lula, o golpista preso em flagrante no domingo postou uma convocação nacional para todas as capitais, “em especial Brasília”, “para exigir o cumprimento do artigo 142”. A Câmara já informou que esse artigo da Constituição não autoriza intervenção militar, ao contrário do que os golpistas — e terroristas — dizem. À polícia, Ferreira disse acreditar na democracia e não ter nada contra o governo Lula, a quem costuma chamar de “ladrão”.

Relatório mostra intervenção direta de Bolsonaro para favorecer bananicultores.

O fato de um dos terroristas presos em Brasília ser um bananicultor do Vale do Ribeira não é um mero detalhe. Até agosto de 2022, o irmão do ex-presidente, Renato Antônio Bolsonaro, ocupava a chefia de gabinete do prefeito Vinícius Brandão (PL). Foi ele o responsável por intermediar a liberação de R$ 10 milhões em verbas do “orçamento secreto” para o município. Miracatu também abriga parte das terras da família do capitão, registradas em nome do advogado e policial militar Luiz Paulo Leite Bolsonaro, filho de Renato e sobrinho de Jair.

O beneficiamento explícito aos produtores de banana do Vale do Ribeira foi uma faceta pouco explorada pela imprensa comercial durante os quatro anos de governo Bolsonaro. O silêncio sobre o assunto levou este observatório a dedicar o primeiro relatório da série Dossiê Bolsonaro à relação dele e do irmão Renato com a Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar).

O dossiê “O Presidente das Bananas” – disponível também em inglês – traz um histórico das articulações políticas de Jair Bolsonaro para beneficiar seus aliados do Vale do Ribeira. Elas vão da proibição da importação de bananas do Equador à ampliação da permissão da pulverização aérea de plantações de banana para até 250 metros de distância de bairros, cidades, vilas e povoados.

A publicação consolidou uma cobertura iniciada na corrida eleitoral de 2018, quando De Olho nos Ruralistas enviou uma equipe de jornalistas e profissionais de vídeo para verificar denúncias de crimes ambientais envolvendo familiares e aliados políticos de Bolsonaro, então candidato à Presidência da República. Naquele ano, o observatório revelou que o empresário Theodoro da Silva Konesuk — casado com Vânia, irmã caçula de Jair e Renato — foi condenado a devolver uma área invadida pertencente aos remanescentes do quilombo do Bairro Galvão, em Iporanga (SP).

Quatro anos depois, nossa equipe voltou à região e identificou que a situação dos quilombolas do Vale do Ribeira só deteriorou. Moradores relatam que, desde a publicação da Instrução Normativa nº 13, em 08 de abril de 2020, que flexibilizou a pulverização aérea sobre bananais, suas casas, lavouras e até eles próprios são atingidos pela chuva de venenos. Ainda em vigor no Brasil – apesar de proibida em diversos países –, a pulverização aérea de agrotóxicos é responsável pela contaminação do solo e do ar, além de atingir áreas vizinhas à sua aplicação em decorrência da deriva, dificultando o processo de certificação de produtos orgânicos.

FRAGA MANTEVE CONTATO COM ACAMPADOS EM QUARTÉIS

Entre idas e vindas, Fraga e Bolsonaro mantêm aliança política há 40 anos. (Foto: acervo pessoal)

A derrota de Alberto Fraga em 2018, após três reeleições consecutivas, deixou o aliado de Bolsonaro sem um cargo político pela primeira vez desde 1991. Nesse intervalo, ele se tornou, segundo o amigo, seu “ministro reserva“, desfrutando de acesso livre nos corredores do Planalto.

Fraga chegou a romper laços com Bolsonaro em 2021, após sua mulher morrer vítima de Covid-19. Nesse hiato, o coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal chegou a afirmar que o presidente não havia feito “absolutamente nada” pela categoria, que compõe seu principal nicho eleitoral. Os dois reataram durante a corrida eleitoral de 2022, quando Fraga foi eleito para um novo mandato, desta vez pelo PL de Bolsonaro.

A relação passou por um novo revés após a derrota do ex-presidente para Lula. O isolamento de Bolsonaro nos dois meses seguintes rendeu críticas públicas de Fraga. Em entrevista à Folha, ele afirmou que vinha recebendo pedidos de ajuda dos extremistas acampados nos quartéis. “O simples fato de ele apenas se omitir e se esconder tem criado uma série de transtornos”, afirmou. “Tenho recebido muitas ligações de pessoas me cobrando. Sinceramente, eu não tenho o que falar. É lamentável. Acho que essas pessoas que estão nas ruas mereciam ao menos uma palavra, e ele não fala absolutamente nada”.

Após os atos terroristas deste domingo histórico, 08 de janeiro de 2022, Fraga saiu em defesa da PMDF, alvo de intervenção federal assinada pelo presidente Lula no mesmo dia da invasão ao Palácio do Planalto, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal, no início sob o olhar complacente dos policiais militares do Distrito Federal.

| Tonsk Fialho é estudante de Direito na UFRJ e pesquisador, com foco em sindicatos e movimentos sociais. |

|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. ||

||| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do observatório. |||

Foto principal (Reprodução): terroristas destroem vidros do Palácio do Planalto no dia 08 de janeiro

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