Questão agrária: movimentos sociais apontam ofensiva do governo Temer

In De Olho nos Conflitos, Sem-Terra

Greenpeace diz que bancada ruralista esperava um “padrinho” para emplacar agenda de retrocessos; ONG aponta 20 projetos prontos para aprovação no Congresso

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Trezentos projetos de lei que atingem diretamente o ambiente e os povos do campo aguardam na fila do Congresso, em uma agenda do retrocessos. Desses, 20 estão prontos para a aprovação. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (06/07) por Marcio Astrini, diretor de políticas públicas do Greenpeace, durante um debate em São Paulo sobre questão agrária e o governo de Michel Temer.

O evento foi organizado por um observatório do agronegócio chamado De Olho nos Ruralistas. Contou também com representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Eles foram unânimes em criticar as políticas agrárias e socioambientais dos governos anteriores, mas destacaram a ofensiva do governo interino.

“Esse governo não vai ser o inventor da pauta ruralista”, apontou Astrini. “Ela está há muito tempo escrita. Eles procuram não o arquiteto, mas o padrinho”. Ele se refere também à maciça votação pelo impeachment de Dilma Rousseff entre os membros da bancada ruralista. “O governo chegou com a votação dessa bancada. Agora vem a cobrança desses votos”.

Uma dessas faturas já teria sido cobrada: a prorrogação do Cadastro Ambiental Rural. Entre as próximas estão a adaptação da legislação trabalhista para o campo (uma “CLT paralela”), a facilitação do licenciamento ambiental, a regulamentação de agrotóxicos, a ofensiva sobre as terras indígenas e a aprovação da compra de terras por estrangeiros. “Vão acabar com o estoque de terras para a reforma agrária”, afirma o diretor do Greenpeace.

Márcio Santos, da coordenação estadual do MST em São Paulo, observou que houve uma tentativa de Dilma Rousseff, dias antes do impeachment, de destinar à reforma agrária 3 mil latifúndios que têm uma dívida bilionária. Ela não conseguiu. “E esse projeto de lei no Congresso sobre terras estrangeiras diz respeito exatamente a essas 3 mil áreas”.

Ele também disse que há uma ofensiva armada no campo e uma ofensiva criminal. Dois militantes do movimento estão presos e dois estão com prisão preventiva decretada. Segundo ele, a ofensiva do governo golpista começou com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, uma conquista dos anos 80. Continuou com a suspensão do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e com a destinação de 30% do Programa Nacional de Alimentação Escolar para a agricultura familiar.

A ofensiva armada atinge os indígenas. Aleandro Laurindo dos Santos, do Cimi, lembrou das ações paramilitares no Mato Grosso do Sul. Ele destacou várias vezes que se trata de um governo “golpista e ilegítimo”. “Esse governo não tem a mínima preocupação com a causa indígena”, afirmou. Para Marcio Astrini, do Greenpeace, “questão indígena é a bola da vez” dos ruralistas.

Santos informou que na próxima quarta-feira (13/06) os povos indígenas farão uma ocupação de sedes da Fundação Nacional do Índio (Funai) em todo o país. “Os povos indígenas continuarão resistindo. Não há muito o que fazer a não ser nos mobilizarmos”. A palavra resistência, por sinal, foi destacada por Márcio Astrini. Ele disse não haver espaço hoje para uma contraofensiva, e sim para a resistência.

O ambientalista Benjamin Prizendt, da Campanha Contra Agrotóxicos, falou da lei que prevê pulverização aérea nas cidade, sancionada por Temer na semana passada a partir de emenda proposta pelo deputado ruralista Valdir Colatto (PMDB-SC), conforme demanda do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola. Ele contou que os ruralistas tentam emplacar a medida desde os anos 80.

É exatamente a implosão de direitos garantidos pela Constituição de 1988 uma das principais preocupações dos debatedores. O representante do MST definiu essa ofensiva como uma “revolução liberal ultrassônica”. Que não se restringe ao governo federal, como evidenciaria a lei estadual em São Paulo que prevê a privatização de parques estaduais e de terras pertencentes a centros de pesquisa. “Essas terras ficam em Jundiaí, Ribeirão Preto, São Paulo, são supervalorizadas. E serão destinadas à especulação imobiliária”.

Segundo Marcio Astrini, do Greenpeace, está clara a estratégia do governo Temer. Definir um “mal maior”, um inimigo capaz de justificar, junto á opinião pública, quaisquer ações que restrinjam direitos sociais e ambientais. E esse inimigo seria a economia, ou, mais especificamente, o desemprego. A partir daí viria – ou está vindo – a desregulamentação (direitos trabalhistas, legislação ambiental) e a retirada da sociedade civil da esfera das decisões.

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