Presidente confirma promessa de campanha de não demarcar “nem mais um centímetro” para os povos originários; “a perspectiva é de mais mortes”, diz membro da Associação Juízes para a Democracia
Por Leonardo Fuhrmann
A decisão do governo Jair Bolsonaro de colocar as demarcações de terras sob o comando do Ministério da Agricultura coloca em risco o reconhecimento de 232 territórios indígenas. São áreas que estavam com estudos em andamento pela Fundação Nacional do Índio (Funai). As demarcações passarão para as mãos do ministério controlado pela ruralista Tereza Cristina (DEM-MS), ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que representa os interesses do setor no Congresso. Também faz parte da pasta, como secretário especial de Assuntos Fundiários, o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia.
A medida provisória que transfere a demarcação de terras foi publicada na noite de terça-feira, primeiro dia do ano. A identificação de terras quilombolas, a regularização fundiária na Amazônia, a reforma agrária e o Serviço Florestal Brasileiro, responsável pela recomposição florestal, proposição de planos de manejo e dos processos de concessão florestal também ficarão subordinados a este ministério.
A coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sonia Guajajara, comentou a decisão em suas redes sociais: “Já viram? O desmanche já começou. A Funai não é mais responsável pela identificação, delimitação, demarcação e registro de terras indígenas”. A Funai ficará sob o comando do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
O presidente já havia anunciado, durante a campanha e antes de tomar posse, que não pretendia demarcar um único centímetro de terra para os indígenas durante os quatro anos de seu governo. Confira aqui algumas de suas promessas.
Para André Bezerra, membro da Associação Juízes para a Democracia e doutor pelo Programa em Humanidades e Direitos da USP, a medida vai reduzir a autonomia da Funai, responsável pela elaboração dos laudos antropológicos dos territórios. “Jogar a questão para o Ministério da Agricultura significa que há uma visão governamental de analisar a questão indígena pela ótica produtivista, que é diferente da visão das populações originárias”, afirma. “A terra, para eles, não é a propriedade individual”
A medida aumenta a vulnerabilidade das populações indígenas. ”Eles já são alvos de milícias privadas, capangas e pistoleiros”, avalia Bezerra. “Na medida em que a entidade que deveria protegê-los é enfraquecida, se tornam alvos mais fáceis. A perspectiva é de mais mortes. A expansão – ou invasão – para as áreas indígenas parece estar fortalecida agora”.
MEDIDA AFETA 10 MILHÕES DE HECTARES
Segundo levantamentos da própria Funai, 44 áreas já estão delimitadas, ou seja, tiveram os estudos aprovados pela Presidência da Funai, com a sua conclusão publicada no Diário Oficial da União e do Estado. Estes territórios somam mais de 2,243 milhões de hectares. Outras 73 áreas já foram declaradas, com portaria assinada pelo ministro da Justiça para o processo de demarcação.
Esses territórios totalizam mais de 7,602 milhões de hectares e ainda dependem da assinatura do presidente para serem homologadas. A homologação é o último passo para que a terra seja regularizada como território indígena. Ao todo, são 117 territórios, com mais de 9,845 milhões de hectares nesta situação.
As terras declaradas estão espalhadas por 18 estados da federação, com destaque para Amazonas (11), Santa Catarina (10), Mato Grosso do Sul (9) e Mato Grosso (8) territórios cada. As terras em Santa Catarina e no Mato Grosso do Sul estiveram entre os principais alvos da CPI da Funai e do Incra, no Congresso, comissão parlamentar deflagrada pela bancada ruralista, com Tereza Cristina como uma das líderes. A CPI buscou criminalizar lideranças indígenas, antropólogos e até procuradores.
Entre as etnias com terras já declaradas, à espera de demarcação, estão os Pataxó, Tupinambá, Kaingang, Terena e Guarani Kaiowá, alvos de diversos episódios recentes de violência. Entre as delimitadas, 11 ficam em São Paulo, 5 na Bahia, 4 no Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Algumas delas ficam em regiões urbanas e no litoral, em locais com grande especulação imobiliária.
A Funai coloca ainda 115 áreas como em fase de estudo antropológico para o reconhecimento como territórios indígenas. Nesse total estão pouco mais de 1 milhão de hectares interditados para o ingresso de outras pessoas por conta de seis comunidades indígenas isoladas. Os estados com maior número de processos nesta fase são o Rio Grande do Sul, com 20 casos, Mato Grosso do Sul, 16, Amazonas, 15, e Mato Grosso, com 14.
Confira abaixo a nota divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib):