Beneficiado em Nova Bandeirantes (MT), no caso Dallagnol, invadiu parque nacional no Paraguai

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Em 2017, fiscais constatam desmatamento na fazenda de Gradela. (Foto: Divulgação)

Cássio Roberto Gradela faz parte de um segundo núcleo de fazendeiros que tiveram suas terras no Mato Grosso desapropriadas pelo Incra para reforma agrária, em ação movida pela família do procurador Deltan; pecuarista e parentes têm terras no Mato Grosso do Sul

Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho

O que tem a ver Nova Bandeirantes, no noroeste do Mato Grosso, com o avanço do latifundiários brasileiros no Paraguai? A principal ação que coloca em disputa 14 membros da família Dallagnol com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) traz também 6 integrantes de uma família com interesses diretos do outro lado da fronteira. Assim como o “núcleo Dallagnol”, essa disputa tem o “núcleo Fabris”, de uma família radicada no Mato Grosso do Sul – e que estende seus tentáculos para o Paraguai. Um dos membros desse clã, o paulista Cássio Roberto Gradela, já marcou presença em jornais paraguaios por ter invadido – segundo a Secretaria do Ambiente do governo vizinho – um parque nacional.

Observatório lança em SP mapa De Olho na Fronteira. (Imagem: De Olho nos Ruralistas)

De Olho nos Ruralistas lança nesta quinta-feira (25), em São Paulo, o mapa De Olho na Fronteira, com histórias de latifundiários brasileiros com terras tanto no Mato Grosso do Sul como no Paraguai. É um desenvolvimento da série De Olho no Paraguai, que já trazia familiares de Gradela como personagens, diante da atuação deles do outro lado da fronteira. O observatório começou a publicar no domingo uma série de reportagens sobre o avanço da família Dallagnol no Mato Grosso durante a ditadura, quando foram obtidos 400 mil hectares em Nova Bandeirantes. São dois avanços similares, rumo às fronteiras agropecuárias, em uma lógica latifundiária e em contexto de desmatamento.

Todos os membros do “núcleo Fabris” presentes na ação dos Dallagnol estão mencionados em reportagem da série De Olho no Paraguai. São eles o próprio Gradela, seu concunhado José Otilio Mota Albuquerque e seu sogro, Euclides Antônio Fabris, ex-prefeito de Naviraí (MS), já falecido. Além das respectivas esposas. Albuquerque cria gado em Corumbá, na fronteira com o Paraguai – e com o município onde, em fazenda de Gradela, foi constatado desmatamento. Ambos são casados com herdeiras de Fabris. E possuem terras dos dois lados da fronteira. A base empresarial no Mato Grosso do Sul é o município de Naviraí.

É em Naviraí, por meio de videoconferência, que Gradela precisa responder a um processo sobre desmatamento em Cotriguaçu (MT) movido pelo Ministério Público Federal. Cotriguaçu é um município vizinho de Nova Bandeirantes, território dos Dallagnol, onde os Fabris também possuem fazendas. Gradela também responde a processo em Naviraí por destruição de área de preservação permanente. O processo tramita desde 2015 e ainda não tem decisão. Entre os outros réus na mesma ação, proposta pelo Ministério Público sul-mato-grossense, está Beatris Tormena Fabris Gradela, filha de Fabris.

O “núcleo Dallagnol” e o “núcleo Fabris” são os principais interessados numa desapropriação levada adiante pelo Incra, mas contestada, em maio, pelo próprio órgão: “Desmatamento, disputa por terras, desapropriação ilegal: o que está por trás dos latifúndios dos Dallagnol na Amazônia?” Outros dois moradores de Naviraí – o falecido Antonio Maurílio Pires de Campos e sua mulher – também aparecem na lista de 25 nomes, encabeçados pelos Dallagnol, que reivindicam indenização no Mato Grosso.

BRASILEIRO DESMATA EM ÁREA DE 10 MIL HECTARES

As duas famílias – Dallagnol e Fabris – têm interesses em terras no MT. (Imagem: Reprodução/DeOlhoNosRuralistas)

O Parque Nacional Río Negro fica a 810 quilômetros de Assunção, nos departamento de Boquerón e Alto Paraguai. Segundo o governo paraguaio, essa área protegida tem como objetivo “proteger e conservar uma porção do ecossistema Pantanal”. Fica exatamente no parque a sede administrativa da Diretoria de Áreas Silvestres Protegidas da Secretaria do Ambiente, um órgão agora vinculado ao Ministério do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Foi nessa área de proteção, dentro da Reserva da Biosfera do Chaco, que Cássio Gradela instalou uma de suas fazendas, em nome da empresa agropecuária 3G.

O jornal paraguaio Última Hora noticiou em 2011 que fiscais dessa diretoria de áreas protegidas constataram várias irregularidades, como desmatamento e construção de barragem, com a utilização de tratores e escavadeiras. Gradela estava lá. Sem licença ambiental e sem plano de gestão ambiental. De acordo com a  Seam, a propriedade de 10.179 hectares no município de Bahia Negra, na divisa com Corumbá (MS), fica numa área de amortecimento, na fronteira com a área externa ao parque, no Alto Paraguai.

Em setembro de 2017, sem menção ao nome de Gradela, o jornal ABC Color – outro entre os principais do Paraguai – noticiou que uma comitiva de funcionários da Seam e policiais do Agrupamento Ecológico e Rural constataram desmatamento e construção de postes e cercas pela Agroganadera 3G. Segundo a servidora Isabel Díaz, a empresa desmatou 3.900 hectares na região do parque nacional. E construiu duas represas com capacidade de 4 milhões de litros.

A agropecuária 3G entregou à própria Seam, em 2014 (entre uma fiscalização e outra, portanto), um Relatório de Impacto Ambiental relativo à propriedade em Bahia Negra. Por esse relatório o parque fica “a dez metros” da fazenda. O projeto previa investimento de US$ 700 mil na pecuária, em uma área de 4.100 hectares, e US$ 400 mil no cultivo de cana-de-açúcar, numa área de 200 hectares, para alimentar o gado. Era solicitada autorização para o desmatamento por meio de máquinas. Outro relatório pedia autorização similar, na mesma região da colônia de São Gabriel Arcanjo, para uma propriedade de 2.887 hectares. Um terceiro relatório, aprovado pelo governo, autoriza atividade pecuária, ainda naquela região, em área de 5.529 hectares.

FAMÍLIA TEM PODER POLÍTICO NO MATO GROSSO DO SUL

A expansão do sogro de Gradela no Paraguai, o pecuarista Euclides Antônio Fabris, ficou a cargo de suas filhas. Reportagem de Bruno Stankevicius Bassi na série De Olho no Paraguai conta que ele se tornou prefeito de Naviraí em 2000, pelo PFL (hoje DEM), após ter sido diretor-presidente da Cooperativa de Cana-de-Açúcar de Naviraí, dona de uma das maiores usinas do Mato Grosso do Sul, com 25 mil hectares de cana. Ele  possuía três madeireiras, uma empresa exportadora, o Frigorífico Amambai S/A e o Frigorífico Naviraí Ltda. Os dois foram incorporados pelo Grupo Torlim e estiveram entre as empresas investigadas na Operação Garrote, da Polícia Federal, em 2013. Ele e sua mulher foram arrolados como testemunhas no caso.

Fabris virou nome de praça em Naviraí. (Foto: Reprodução)

Em 2004, no último ano de seu mandato, Fabris faleceu. Seu nome passou a batizar a principal praça de Naviraí. As fazendas no Brasil e no Paraguai ficaram com as filhas Beatriz (casada com Cássio Gradela) e Elizabete Tormena Fabris (casada com José Otílio Albuquerque). Gradela aparece como proprietário de 1.637 hectares em Ypehú, no departamento de Canindeyú, já na região oriental do Paraguai. A propriedade é arrendada da sogra Iolanda Tormenan Fabris – outra que aparece na ação de desapropriação movida pela família Dallagnol no Mato Grossso.

Albuquerque e Elizabete são donos da Estancia Ñu Vera, localizada a apenas 500 metros da fronteira com o Brasil, em Capitán Bado, Amambay. Ali, o casal possui 3.800 cabeças de gado e 4.066 hectares. No Chaco, onde se estendem as propriedades de Gradela, eles são donos da Ganadera San José del Chaco S.A., empresa citada em escândalo que envolveu um avião do Partido Colorado e o narcotraficante Chicharõ. Contamos essa história na série sobre o Paraguai: “Última fronteira, Chaco tem desmatamento e ataque a índios isolados“.

Em Corumbá (MS), o casal Albuquerque cria touros zebu na Fazenda Eldorado da Formosa, em Corumbá, e possui fazendas em Sete Quedas e Naviraí. No Mato Grosso, os dois foram multados em 2011, por infração ambiental na Fazenda Campo Júlia, em Cotriguaçu, município vizinho de Nova Bandeirantes. Foi assinado um termo de ajustamento de conduta onde os dois comprometiam-se a doar ao órgão ambiental uma área de 126 hectares em unidade de conservação.

Uma das empresas que pertenciam a Euclides Fabris, a madeireira Renascença Woods Importação e Exportação Ltda, tinha uma de suas sedes em Cotriguaçu. A outra, em Naviraí. Está desativada. Um relatório do Instituto Centro de Vida (ICV), de 2010, apontava Cássio Gradela como o responsável pela empresa. De fato, ele já figurou nela como sócio-administrador, ao lado de Euclides Fabris.

Nas eleições de 2014, José Otilio Albuquerque – candidato a vereador em Naviraí pelo DEM, em 2004 – declarou apoio da família a Reinaldo Azambuja (PSDB) e Henrique Mandetta (DEM), então candidatos a governador e a deputado federal. Ambos foram eleitos. Azambuja foi reeleito em 2018. Mandetta é o atual ministro da Saúde.

Foto principal: desmatamento em fazenda da 3G, de Gradela. (Divulgação/Seam)

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