Mulheres de cem etnias se reúnem em Brasília para defender seus direitos

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Primeira caminhada das Marcha das Mulheres Indígenas, com cerca de 300 mulheres, em Brasília. (Foto: Mídia Índia)

Representantes de 113 povos marcam presença na capital para a primeira Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece de 9 a 14 de agosto; objetivo é fortalecer a resistência ao governo Bolsonaro, contrário à demarcação de territórios

Por Priscilla Arroyo, em Brasília

O gramado da Fundação Nacional das Artes (Funarte), em Brasília, está ocupado por mais de mil e quinhentas indígenas. Elas vieram de 21 estados do País e representam 113 povos. Marcam presença na capital Federal para participar da primeira Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece de 9 a 14 de agosto com o tema “Território, nosso corpo, nosso espírito”.

Mulheres acompanham discurso de parentes durante o Fórum da Marcha das Mulheres Indígenas. (Foto: Priscilla Arroyo/ De Olho nos Ruralistas)

Com a palavra, Mariana Macuxi:

– Quando os brancos cortam a madeira, arrancam uma perna nossa. Quando sujam a água, nos poluem e acabam com a saúde.

Ela é pajé da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no nordeste de Roraima. Com 1,7 milhão de hectares, essa TI é uma das maiores do Brasil. Por ter o solo  rico em recursos hídricos e minerais, se tornou também um dos principais alvos do governo Bolsonaro, que ameaça rever a homologação das terras promulgada em 2005.

A insegurança dos Macuxi, Uapixanas, Ingaricós, Taurepangues e Patamonas – povos que habitam a Raposa Serra do Sol – é compartilhada com dezenas de etnias. Os Awá-Guajá, da TI Caru, do Maranhão, são um dos últimos povos caçadores e coletores do País. Vivem isolados, e dificilmente deixam a floresta. Mas abriram uma exceção e rumaram para Brasília.

É a primeira vez que as mulheres do grupo saem da aldeia. Kiripi Awá-Guajá, uma jovem de 25 anos, conta em tupi-guarani as primeiras impressões da cidade. “Não tem floresta, o sol é quente e tem muito barulho”, afirma. A sua fala é traduzida por um parente que acompanha o grupo.“A gente gosta de estar na floresta, colher fruta e pescar. Mas o governo quer retomar as nossas terras e acabar com a natureza. Por isso estamos aqui”. 

Kiripi Awá-Guajá, da Terra Indígena Caru, no Maranhão, deixou sua aldeia pela primeira vez para participar do encontro. (Foto: Priscilla Arroyo/De Olho nos Ruralistas)

Kiripi acompanhava as apresentações de dança e os discursos que aconteciam no palco durante o Fórum Nacional das Mulheres Indígenas, que aconteceu durante todo o domingo (11) no gramado da Funarte. “Vamos lutar pela garantia de nossos direitos, da nossa vida”, diz Sonia Guajajara, presidente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entidade organizadora do ato. A programação também inclui uma audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), marcada para a tarde de segunda-feira. As ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber recebem uma delegação de dez mulheres.

A marcha principal irá se formar na manhã de terça-feira 13, quando as indígenas caminharão da Funarte até o Congresso. No dia 14, o grupo se unirá à Marcha das Margaridas, maior ação conjunta de trabalhadoras da América Latina, que deve reunir mais de 100 mil mulheres do campo e das florestas na capital federal. 

PREPARAÇÃO PARA A MARCHA INCLUI RODAS DE DEBATE

A preparação do ato das indígenas inclui a troca de ideias sobre temas imprescindíveis para o fortalecimento da luta, como a responsabilidade de discutir os próprios direitos, o significado da perda do território e a inclusão em atos políticos. Em uma das rodas de conversa, foi discutida a importância de exercitar liderança nas bases. Isso se traduz no fato de as mulheres assumirem a posição de caciques das comunidades.    

Edna Shahenawa, primeira cacique mulher da aldeia Ahanakaya, uma das 11 comunidades da TI Katukina Kaxinawá, no Acre. (Foto: Priscilla Arroyo/De Olho nos Ruralistas)

Um exemplo vem do Acre, onde Edna Shahenawa e suas cinco irmãs formaram – e lideram – a própria comunidadr há quatro anos. Trata-se da aldeia de Ahanakaya, umas das 11 que fazem parte da TI de Katukina Kaxinawá, localizada no município de Feijó. O grupo, que tem 80% da população feminina, é uma dissidência da aldeia Morada Nova, onde as mulheres tiveram a voz abafada ao tentar implementar mudanças. 

“O nosso objetivo era promover a autossustentabilidade em relação aos alimentos”, diz Edna. “Mas os homens consumiam muito álcool e não queriam plantar”. Ela lamenta o fato de o machismo ter abafado as suas ideias. Edna se tornou a primeira cacique de Ahanakaya, posição que usou para colocar os seus planos em prática. “Conseguimos promover o cultivo de alimentos orgânicos e sem agrotóxicos, base das nossas refeições”. Hoje a comunidade complementa a produção de banana, mandioca, arroz e feijão com a venda de artesanatos.

ELAS QUEREM AUMENTAR A PRESENÇA DE INDÍGENAS NO CONGRESSO

As indígenas lamentam o comportamento dos políticos, por quem se sentem ameaçadas. “Tem um grupo de deputados e senadores que coloca os parentes contra nós”, diz Mariana Macuxi, da TI Raposa Serra do Sol. “Nunca acreditei que político é bom, por isso é importante eleger parentes para nos representar”. 

Deputada Joênia Wapichana (Rede) reitera a preocupação com a presença de mineradores nas Terras Indígenas. (Foto: Victor Moreira/De Olho nos Ruralistas)

Mariana cita como exemplo a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena a ser eleita para o Congresso, no ano passado, com 8.491 votos. Uma das principais missões de Joênia no Legislativo é impedir o avanço de matérias que retiram os direitos dos indígenas. As mais nocivas são a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 215/2000 , que dificulta a demarcação de territórios e o Projeto de Lei (PL) n° 1.610/1996, cujo objetivo é regulamentar o “aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas”.

Durante a sua participação no Fórum, Joênia reiterou os perigos da mineração. “É uma prática que só traz morte”, diz. “Por isso, temos que manter o pensamento e as ações fortes contra essa exploração”. Ela falou também sobre a pressão política que enfrenta para mudar os seus pontos de vista, o que demanda uma dose diária redobrada de resistência. “Vivemos um momento no qual precisamos mostrar força”.

Confira mais fotos relacionadas à Marcha das Mulheres Indígenas:

Mulheres seguram fotos das principais líderes indígenas do País. (Foto: Priscilla Arroyo/De Olho nos Ruralistas)
Marcha das Mulheres Indígenas conta com o apoio da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). (Foto: Victor Moreira/De Olho nos Ruralistas)
Cerca de 1.500 mulheres indígenas acampam no gramado da Funarte, em Brasília. (Foto: Victor Moreira/De Olho nos Ruralistas)

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