Empresas que assinam documento entregue ao governo, como Vale e Santander, estão na lista dos maiores multados pelo Ibama nos últimos 25 anos por crimes contra a flora; elas somam mais de R$ 95 milhões em autuações desde 1995, sem correção monetária
Por Leonardo Fuhrmann
Executivos de 38 empresas e quatro entidades de classes empresariais divulgaram uma carta aberta pedindo providências ao vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia Legal, pelo fim do desmatamento. A notícia sobre a carta foi manchete do jornal Valor Econômico, publicação das Organizações Globo e maior jornal especializado em negócios do País, nesta terça-feira (07).
A carta busca demonstrar um desconforto do ramo empresarial com o aumento do desmatamento durante o governo Bolsonaro. Só que entre as signatárias da carta estão empresas que constam da relação dos maiores multados por desmatamento pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos últimos 25 anos, conforme levantamento feito pelo De Olho nos Ruralistas, divulgado em janeiro: “Mapa mostra, por município, os maiores multados por desmatamento nos últimos 25 anos“.
O documento divulgado em primeira mão pelo Valor foi enviado também para os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), para o procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli.
Outros signatários da carta estão envolvidos em crimes ambientais de grandes proporções. Entre eles, uma das empresas que estão na lista dos 4.600 maiores desmatadores desde 1995: a Vale. Algumas multas da empresa por desmatamento — fora aquelas por outros crimes ambientais, como o de Brumadinho — são relativamente recentes, como aquelas em Açailândia, no Maranhão, em 2018.
EMPRESAS TEMEM BOICOTES INTERNACIONAIS
No texto, o grupo de executivos afirma que “acompanha com atenção e preocupação o impacto nos negócios da atual percepção negativa da imagem do Brasil no exterior em relação às questões socioambientais na Amazônia”. “Essa percepção negativa tem um enorme potencial de prejuízo para o Brasil, não apenas do ponto de vista reputacional, mas de forma efetiva para o desenvolvimento de negócios e projetos fundamentais para o país”, dizem eles.
A preocupação ambiental tem um motivo prático: o medo de boicotes internacionais aos produtos brasileiros. Um dos impactos imediatos seria a não-assinatura do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Em carta divulgada há três semanas, 29 instituições financeiras que gerenciam US$ 3,7 trilhões em ativos alertaram o Brasil sobre possíveis perdas em investimentos por causa da política antiambiental. Outras três instituições financeiras aderiram depois ao manifesto: já são 32 investidores, portanto, com patrimônio de US$ 4,5 trilhões.
Apesar do discurso contra o desmatamento, algumas das empresas dos signatários da carta são responsáveis pela destruição da flora e constam na lista de maiores desmatadores do Brasil, elaborada pelo observatório. A lista deixou de ser atualizada em novembro do ano passado porque o instituto, por ordem do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deixou de publicar as novas autuações e embargos. A decisão foi tomada depois de os dados apontarem uma queda histórica na atuação do Ibama nos primeiros anos do governo.
EXECUTIVO PRESIDIA SANTANDER NA ÉPOCA DA MULTA
A multa mais valiosa entre os signatários da carta foi dada ao Santander. Em 2016, o banco foi multado em R$ 47,5 milhões por financiar plantios de soja e milho em áreas embargadas por serem de proteção ambiental dentro da Amazônia. A ação, no Mato Grosso, foi desenvolvida em parceria entre o Ibama e o Ministério Público Federal. O entendimento para a punição foi que o banco se favorecia do desmatamento, por lucrar com ele, além de favorecer os infratores, que recebiam recursos para continuar com suas atividades ilegais. Na época, o Santander no Brasil já era presidido por Sergio Rial, que assina a carta.
A multinacional Cargill, outra signatária da carta, foi multada em mais de R$ 5 milhões pelo Ibama em 2018. O motivo foi a compra de soja de áreas embargadas por desmatamento. Mais uma vez, em parceria com o Ministério Público Federal, os fiscais do Ibama entenderam que a empresa lucrava com o desmatamento e favorecia a continuidade das ilegalidades. No caso da Cargill, a atuação foi pelo desmatamento em regiões do Matopiba, a fronteira agropecuária nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
A Bunge, outra multinacional multada no mesmo caso da Cargill, não participa do manifesto. Seu executivo, no entanto, assina a carta como presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Além da multa de 2018, a Bunge foi punida pelo Ibama em 2004 e 2007. Ao todo, são mais de R$ 8,8 milhões em autuações. Signatária da carta e integrante da Abiove, a Amaggi, do ex-ministro da Agricultura e ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi, também tem histórico de multa por desmatamento. A autuação é de 2005, no valor de R$ 1,254 milhão.
ALÉM DO DESMATAMENTO
O desmatamento não é a única maneira que os signatários da carta ameaçam o meio ambiente. É o caso da Vale, outra signatária da carta, privatizada nos anos 1990 e responsável por alguns dos maiores desastres ambientais do Brasil nos últimos anos, como o rompimento de uma barragem em Mariana (MG) em 2015 e outra em Brumadinho (MG) em 2019. Além do desastre ambiental, com impacto na vida de comunidades tradicionais do campo até hoje, os dois rompimentos de barragens provocaram mais de 270 mortes diretas.
Por desmatamento, a Vale acumula R$ 20,9 milhões em multas do Ibama, por autuações em 2006, 2008, 2009 e 2018. Outras empresas do grupo também estão na lista. A Docegeo foi multada em 5,6 milhões em 2004; a Biopalma em R$ 5,44 milhões, em 2014. O Bradesco, outro signatário da carta, é um dos sócios da Vale: “Bradesco, Mitsui, BNDES, fundos de pensão: saiba quem são os donos da Vale“.
Outra signatária citada em irregularidades ambientais é a Agropalma, uma das responsáveis pela expansão dos cultivos de dendê no Pará. As empresas são apontadas pela contaminação de igarapés e rios pelo agrotóxico utilizado na monocultura. O veneno na água ameaça diretamente populações indígenas e quilombolas na região. A Agropalma é acusada de adquirir produtos de um acusado de explorar trabalho escravo e de grilagem de terras públicas.
A Marfrig também está na lista. A empresa é acusada de comprar gado de áreas de desmatamento no Mato Grosso. A aquisição, entre janeiro de 2018 e julho de 2019, segundo o Greenpeace, foi feita graças à lavagem de bois, quando o gado é retirado de uma fazenda dentro de uma área de desmatamento ilegal e levada para outra regularizada. Um levantamento feito pela Repórter Brasil no ano anterior já apontava a Marfrig como compradora de gado de desmatamento no Pará.
A construção da usina de Belo Monte fez a Eletrobras, outra signatária, ser responsabilizada por crimes ambientais e contra a sobrevivência de povos indígenas, devido aos impactos da hidrelétrica. Irregularidades nas linhas de transmissão, construída sem estudo de impacto ambiental, levaram a estatal e o Ibama a serem multados juntos, em R$ 500 mil, em uma ação do MPF.
A Justiça entendeu que o empreendimento afeta a Terra Indígena Krikati, na divisa do maranhão com o Piauí. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) denunciou a estatal por desmatamento na Reserva Florestal Adolpho Ducke, em Manaus.
| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Ditec_Ibama/AM): operação do Ibama no Amazonas, em 2015