Esplanada da Morte (VI) — Onyx Lorenzoni tem trajetória anti-indígena e pró-frigoríficos

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Onyx Lorenzoni, ministro da Cidadania. (Foto: Agência Brasil)

Perdoado duas vezes após receber dinheiro ilegal da JBS, ministro da Cidadania teve atuação na Câmara e no governo marcada por políticas contrárias aos povos do campo, agravadas pela pandemia; setor que ele beneficiou é responsável por transmissão do coronavírus

Por Leonardo Fuhrmann

Com um forte discurso anticorrupção durante os governos petistas, quando era deputado federal, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), foi flagrado em atividade que cansou de denunciar: caixa dois de campanha. No ano passado, após ser citado em uma delação, ele admitiu ter recebido dinheiro de forma irregular da JBS, gigante do ramo frigorífico nacional, em sua campanha de 2014. Segundo a delação, foram R$ 200 mil. O político fala em R$ 100 mil.

O dinheiro foi entregue, segundo o ministro, por Antônio Jorge Camardelli, presidente da Associação das Empresas Exportadoras de Carne (Apiec), um executivo que havia sido funcionário do Ministério da Agricultura e Pecuária e trabalhado na própria JBS antes de chegar à associação empresarial.

Em 2016, dois anos depois de receber o dinheiro “não contabilizado”, Onyx defendeu a criminalização do caixa dois, quando foi relator do projeto Dez Medidas Contra a Corrupção. Em 2008, o deputado já havia recebido, de forma declarada, recursos da empresa para sua campanha a prefeito de Porto Alegre. A fase também marcou um crescimento do interesse dele pelo setor. E ele não se cansou de fazer projetos de lei e emendas que beneficiavam essa cadeia produtiva.

Anos depois, agora durante o governo Bolsonaro, os frigoríficos estão entre os principais responsáveis pela contaminação de trabalhadores pela Covid-19, apesar da pressão do Ministério Público do Trabalho para o fechamento de unidades onde foram relatados casos da doença: “Agronegócio pode ter infectado 400 mil trabalhadores no Brasil por Covid-19“.

Onyx é o sexto personagem principal da série Esplanada da Morte, que descreve, desde o dia 28 de julho, o papel de cada ministro (entre outros executivos importantes) do governo Bolsonaro na ampliação da pandemia no Brasil e na proliferação de uma cultura do ódio — e da morte.

COMO DEPUTADO, COLECIONOU MEDIDAS A FAVOR DO SETOR

Na Câmara, medidas favoráveis a frigoríficos. (Foto: Reprodução)

Desde a primeira aproximação com a JBS, Onyx passou a ter uma atuação destacada no setor de carnes e frigoríficos. Em 2010, passou a participar da análise das fusões dos grandes frigoríficos. No caso da aquisição da Seara pela Marfrig, por exemplo, considerou a união positiva; apenas apontou um risco de concentração excessiva do mercado no Rio Grande do Sul. Muito embora ele tenha proposto a criação de uma subcomissão permanente para discutir a cartelização agrícola no país. Em 2011 e 2013, pediu audiências públicas para discutir embargos russos à carne brasileira.

Em outra frente, Onyx tem, desde a época de Câmara, uma atuação contrária aos povos do campo: indígenas, quilombolas e camponeses. Ele foi autor de pedidos para a convocação dos ministros Tarso Genro, titular da Justiça durante o governo Lula e seu concorrente político no Rio Grande do Sul; e Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff — que ele ajudou a derrubar, em 2016.

Isto para que eles explicassem os critérios de demarcação de terras indígenas e de reconhecimento de áreas de remanescentes de quilombos. Onyx foi ainda relator de um projeto de decreto legislativo para sustar a declaração de interesse social de um imóvel para reforma agrária em Sousa, na Paraíba, além de fazer parte do grupo de parlamentares que pedia uma audiência pública para discutir produção agrícola em terras indígenas.

Em 2020, já durante a pandemia, o ministro tentou mais uma vez prejudicar os pequenos produtores e favorecer o agronegócio. Ele propôs retirar a exclusividade da agricultura familiar para as compras de alimentos do governo para o combate de situações emergenciais: “Onyx tenta reduzir participação camponesa no Programa de Aquisição de Alimentos“. A ideia acabou sendo rejeitada dentro do próprio governo.

ONYX ALIOU-SE A OSMAR TERRA PARA DERRUBAR MANDETTA

Onyx e Terra aliaram-se para derrrubar Mandetta. (Imagem: Reprodução)

O ministro também fez parte das ações para derrubar seu colega de partido Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) do Ministério da Saúde. Mandetta vinha resistindo à pressão interna do governo contra uma gestão técnica da crise. Em uma conversa com o deputado gaúcho Osmar Terra, seu antecessor no Ministério da Cidadania, Onyx defendeu “cortar a cabeça” de Mandetta por ele continuar defendendo o isolamento social e não se adaptar ao discurso de Bolsonaro.

Terra, que manteve um discurso negacionista, subestimando o número de mortes ao longo da crise, se oferecia para ajudar na substituição de Mandetta. O ex-deputado caiu, assim como seu sucessor, o também médico Nelson Teich. Ambos resistiam à obsessão do presidente por indicar cloroquina para o tratamento da Covid-19, um medicamento que já se mostrava ineficiente e perigoso.

Com o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, a relação é mais amistosa. Uma ideia de ambos foi incorporada em um dos vetos de Bolsonaro ao projeto que criou o auxílio emergencial para os povos do campo: a obrigatoriedade de deslocamento deles para as cidades, para receber o dinheiro, o que potencializa os riscos de contágio do novo coronavírus: “Veto de Bolsonaro obriga povos do campo a se arriscar nas cidades por auxílio emergencial“.

CAMPANHAS FORAM FINANCIADAS POR GIGANTES DO AGRONEGÓCIO

Onyx na sede da Taurus, em Porto Alegre. (Foto: Divulgação)

Desde sua chegada a Brasília, em 2003, Onyx recebeu um apoio intenso da indústria de armas e do agronegócio, principalmente de grandes corporações. Gerdau, Votorantim, Taurus, CBC e Aracruz estão entre seus financiadores à reeleição, em 2006. Na campanha de 2008, além da JBS, ele recebeu recursos da Braskem, Bunge, CBC, Gerdau e Taurus. Em 2010, Fibria, Gerdau, Klabin, Taurus e a Associação da Indústria de Armas e Munições. Em 2014, CBC, Copersucar e Taurus, além do dinheiro não-declarado da JBS.

Em 2018, com o fim do financiamento por empresas, três grandes empresários se destacam nas doações para sua campanha: Carlos Jereissati, Rubens Ometto — presidente do Conselho de Administração da Cosan, a gigante do setor sucroalcooleiro — e Salim Mattar, secretário de Desestatização do Ministério da Economia.

Com tantos aliados econômicos em comum com Bolsonaro, então no PSL, Onyx traiu seu partido para se tornar um aliado de primeira hora do presidente ainda em 2018 e coordenar sua campanha. A recompensa chegou após a vitória do aliado: o deputado foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil, um dos cargos mais próximos do presidente.

Prestigiado, ele recebeu declaração de apoio do então ministro da Justiça, Sergio Moro, ainda um símbolo máximo do combate à corrupção nas hostes bolsonaristas. Moro defendeu o perdão a Onyx porque ele havia pedido desculpas.

QUEM ENTREGOU DINHEIRO REPRESENTAVA EXPORTADORAS DE CARNE

Ministro durante evento do agronegócio em sua base eleitoral. (Foto: Reprodução)

Quando admitiu o recebimento ilegal de recursos, Onyx apontou Antônio Jorge Camardelli, presidente da Associação das Empresas Exportadoras de Carne, como responsável pela entrega do dinheiro a ele. O executivo, que havia sido dirigente da JBS antes de trabalhar na associação, ameaçou revelar novas informações sobre o assunto, que contrariavam a versão do ministro. A denúncia que poderia acabar complicando ainda mais a situação de Onyx acabou não sendo levada adiante.

A associação reúne 32 das principais indústrias da carne, entre elas, as gigantes do setor, como JBS, Marfrig e Minerva. As três fazem parte do conselho de administração. Juntas, as empresas do setor exportaram 177 mil toneladas de carne em junho, em plena pandemia, no mês em que o Brasil registrava 30 mil mortes.

Gaúcho e veterinário de formação, assim como Onyx, Camardelli já havia trabalhado em cargos de confiança dentro do Ministério da Agricultura quando a pasta era comandada por outro gaúcho, Pratini de Moraes, durante o governo FHC. Pratini também foi dirigente da Abiec e trabalhou na JBS depois de largar o ministério.

De lá para cá, o prestígio de Onyx e Moro caiu. O ministro da Justiça rompeu com o presidente e se demitiu do cargo. Sem conseguir fazer a articulação política, Onyx foi para um ministério de menor destaque, o da Cidadania. Ainda assim, a ideia do acordo de perdão prosperou. E veio pela Procuradoria-Geral da República, comandada por Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro mesmo não estando na lista tríplice escolhida pelos procuradores da República.

O ministro pagará uma multa e se livrará da acusação criminal.

Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal: Agência Brasil

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