Violentos, bolsonaristas e armamentistas: dois candidatos na bucólica Caldas Novas (GO)

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Estância climática está com economia em crise; Flávio Canedo (PL) tem um dos maiores rebanhos do país e foi condenado por tortura; Coronel Belelli (PSL) ficou preso por três meses, acusado de liderar grupo de extermínio e cobrar propina de produtores rurais

Por Luís Indriuinas

A estância climática de Caldas Novas (GO) tornou-se palco da disputa de dois bolsonaristas defensores de armar “os cidadãos de bem” e com a mesma vontade de fazer Justiça com as próprias mãos. O perfil de ambos vai frontalmente contra a imagem idílica que se tem do município, conhecido pelas centenas de piscinas de águas quentes. Por ali a temperatura política anda alta, de mãos dadas com a violência.

O candidato do PL, Flávio Canedo, foi condenado a seis anos de prisão por torturar, em um parque público, um suspeito de roubar uma espingarda. Ele está entre os 25 candidatos pecuaristas com o maior valor em gado no país, conforme pesquisa que abriu a série “O Voto que Devasta“, no dia 28 de outubro. Coronel Belelli (PSL) ficou preso por três meses acusado de liderar um grupo de extermínio que atuou forjando provas, ameaçando a população e cobrando propina de produtores rurais,

Ambos são armamentistas. A esposa e madrinha política de Flávio, Magda Mofatto (PL), é a grande representante feminina na Bancada da Bala e coleciona armas. Belelli tem um canal no YouTube com vários vídeos sobre o assunto e a defesa de armar o cidadão está em todos os discursos do policial reformado, dentro e fora da campanha.

Ambos têm no programa de governo a criação de uma guarda municipal armada. Belelli defende que todas as escolas do município sejam militares. Canedo sugere que boa parte esteja sob comando do Exército ou da Polícia. Ambos são bolsonaristas.

Belelli tem publicado nas suas redes um vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro o parabeniza pelo trabalho em Goiás e deseja boa sorte aos seus “novos rumos” em Caldas Novas. Flávio Canedo aproveita a ligação de Magda Mofatto com o presidente e sempre fala em liberação de verbas federais. Em setembro, Bolsonaro esteve sem máscara na inauguração em Caldas Novas da usina de energia fotovoltaica do grupo Di Roma, um império hoteleiro, mineral, de comunicação e agropecuário que pertence a Magda.

Ambos se dizem inocentes dos crimes que cometeram. Belelli tem um longo vídeo no YouTube gravado um pouco antes de ser preso, em 2018, “explicando” sua versão dos fatos. Canedo nega as acusações e diz que vai se defender na Justiça. Sua madrinha Magda é mais incisiva: ela chama a denúncia de “perseguição política”. De Olho dos Ruralistas entrou em contato com a campanha dos dois candidatos, mas eles não responderam às solicitações.

PECUARISTA FOI SENTENCIADO POR TORTURA EM PARQUE PÚBLICO

A deputada federal e esposa Magda Mofatto é a principal cabo eleitoral de Flávio Canedo. (Foto: Facebook)

Em outubro de 2002, o fazendeiro Flávio Canedo e dois outros amigos, conhecidos como “Cigano” e “Morcegão”, armaram uma emboscada para o cidadão Frederico Daniel de Carvalho, suspeito de furtar uma espingarda. O grupo levou-o ao Jardim Japonês, ponto turístico de Caldas Novas, enquanto havia uma festa em outro ponto da cidade. Frederico foi atingido com um golpe de madeira nas costas e caiu no chão.

Depois de negar o furto, Frederico continuou a ser espancado e teve sua cabeça submersa em uma bacia com água; a língua foi amarrada e puxada com um cordão fino. Coube ao hoje candidato a prefeito Flávio Canedo amarrar os braços e pernas da vítima pelas costas, passando a corda também pelo seu pescoço. De tanto apanhar, Frederico desmaiou.

Após a tortura, relatada pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO), o grupo conseguiu “negociar” pela espingarda roubada uma moto no valor de R$ 3,5 mil e mais R$ 5 mil.

Em 2013, Flavio Canedo foi condenado pelo crime, mas recorre em liberdade. Em razão dessa denúncia sua candidatura está indeferida, aguardando recurso.

Para a esposa, principal e poderosa aliada, a acusação não passa de “perseguição política”. Com bom trânsito no governo federal, Magda aposta no marido para recuperar o poder local, depois de ter sido cassada da prefeitura em 2007. Canedo é articulador político da deputada e foi presidente do Departamento de Águas e Esgotos (Demae) de Caldas Novas quando ela era prefeita. Seus adversários o acusam de corrupção, inclusive subfaturando as contas de água dos hotéis da rede de Magda. Canedo se defende listando obras da sua gestão.

DEPUTADA MAGDA MOFATTO COLECIONA ARMAS COM O MARIDO

Mesmo fora da prefeitura, Magda Mofatto é poderosa no município, onde tem um verdadeiro império. A deputada federal mais rica do Brasil, com R$ 28.192.320,76 declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, ela tem onze condomínios, participações em parques temáticos, dois hotéis, uma construtora, uma empresa que explora água mineral e duas aeronaves.

Flávio é mais modesto: R$ 6.859.267,28 de patrimônio, em 2020, incluindo uma fazenda que já pertenceu à deputada. O candidato é o vigésimo pecuarista mais rico a disputar o cargo de prefeito em 2020. Ele tem 1.571 cabeças de gado, que somam R$ 4.713.000. A diferença de patrimônio entre Magda e Flávio vem da fortuna que a deputada recebeu de antigo “namorido”, Rodolfo Rohr, pioneiro no turismo em Caldas Novas. Rodolfo ergueu um complexo hoteleiro na cidade.

Magda Mofatto: carona na popularidade do presidente. (Foto: Reprodução)

A ideia de erguer um parque que se tornou o Jardim Japonês, onde Canedo torturou aquele cidadão, foi do ex-marido de Magda. Após a separação, ela tomou as rédeas do grupo Di Roma (cujo nome é a junção de Rodolfo e Magda). E a fortuna da deputada só cresceu. Em 2008, Magda declarou R$ 9.924.379,45 em bens. Dez anos depois, essa fortuna triplicou.

Mesmo sem comandar a administração local, Magda sente-se à vontade em colecionar privilégios para seus negócios. O pórtico de seu majestoso Hotel DiRoma invadiu a estrada estadual que corta o município, além de, pelos fundos, passar os limites do empreendimento, tomando um pedaço do famoso Jardim Japonês. O MP-GO também a denunciou por cobrar a taxa de turismo em seus empreendimentos, mesmo quando a cobrança criada em lei municipal foi considerada inconstitucional. Em 2015, os promotores cobravam R$ 14,9 milhões pelo desvio.

Enquanto isso, Flávio e Magda aumentam suas coleções de armas. As preferidas da deputada são a pistola alemã Walther .22 e a austríaca Glock .380. Embora seja a maior representante feminina da Bancada da Bala, Magda evita ser fotografada com os mimos. Ao contrário do antigo aliado Belelli, novo adversário político, que passou a campanha toda com o indicador em riste e o polegar levantado, Magda prefere a discrição.

CORONEL REFORMADO É ACUSADO DE  COBRAR DE FAZENDEIROS POR PROTEÇÃO 

Coronel Belelli é um típico bolsonarista. A favor da intervenção militar, pela pena de morte, defensor de armar a população, o candidato tem dezenas de fotos com os gestos que lembram revólver apontado, até mesmo na direção de seus apoiadores. Ele foi preso por liderar um grupo de extermínio atuante no interior de Goiás e por cobrar propina de produtores rurais em troca de proteção contra supostos invasores. Mas insiste no discurso belicoso.

Durante dois anos, Belelli e outros cinco policiais sob seu comando atuavam em Caldas Novas, Santo Antônio do Descoberto e Alto Paraíso. O grupo é acusado de simular confronto com as vítimas, ocultar cadáveres e cobrar propina de produtores rurais, alegando ameaça de invasões. Além das denúncias do MP/GO, as atividades da milícia  mobilizaram os movimentos sociais locais, que pressionaram para que ele saísse do comando em Alto Paraíso.

Símbolo de sua campanha, coronel Belelli faz o gesto de uma arma com um bebê no colo. (Foto: Facebook)

Um pouco antes de ser preso, Belelli fez um longo vídeo para legitimar suas ações e refutar várias das denúncias. As acusações surtiram pouquíssimo efeito. Após cumprir menos de três meses de prisão e sair em janeiro de 2019, o então tenente-coronel Belelli virou coronel, assim que foi reformado da corporação em dezembro.

“Vagabundo” é o adjetivo mais usado por Belelli para qualificar qualquer pessoa ou grupo que pensa diferente dele. “Essa conversa de ONU, direito dos manos, isso é coisa de gente vagabunda que não tem o que fazer”, disse ele, entre tantas outras ofensas, impropérios e preconceitos, durante uma entrevista ao programa de youtubers goianos Papo de Garagem, acompanhado das risadas dos apresentadores.

Sua lógica é a do confronto. Ao ser preso, Belelli ameaçou as autoridades presentes: “Vocês vão ter o monstro que estão criando; eu vou desgraçar a vida de cada um de vocês”. A atitude do coronel causou o repúdio dos promotores e magistrados.

Ele se considera um outsider nas eleições. Como seu presidente, o coronel fugiu do único debate programado pela TV Caldas (que pertence ao grupo Di Roma). Ele também agrediu pesquisadores que coletavam opiniões sobre as eleições nas ruas de Caldas Novas. E tem orgulho de dizer que não tem rabo preso.

Mas não é bem assim: sua campanha atual, que já custou R$ 350 mil, está sendo totalmente financiada pelo fundo partidário destinado ao PSL. Historicamente, Belelli não tem preconceitos com as doações. Em 2018, quando tentou ser deputado estadual, recebeu de Magda Moffato R$ 19.599; do seu partido na época, o PR, R$ 250 mil. Seu vice, Maurinho Palmerston, é ex-secretário do atual prefeito, Evandro Magal (PP).

CRISE ECONÔMICA DO COVID PASSA AO LARGO DA CAMPANHA NO BALNEÁRIO

A estância hídrica de Caldas Novas (GO) nunca esteve tão vazia. Em julho, cerca de 15 mil turistas foram se banhar nas águas quentes do município. Num ano normal, as autoridades locais contabilizam 700 mil turistas mergulhados nos tanques e piscinas, que podem chegar a 70º Celsius.

Um dos hotéis do grupo DiRoma, que despediu cerca de 500 funcionários, por causa da pandemia. (Foto: Divulgação)

Com 51% do seu PIB (R$ 2.221.574,13 em 2018) concentrados em serviços, principalmente hoteleiros,  Caldas Novas teve um ano desastroso economicamente, com reflexos sociais. Magda Mofatto, por exemplo, demitiu mais de 500 funcionários.

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) 2020, Goiás registrou  a perda de 9.514 postos formais de trabalho, entre janeiro e agosto de 2020. A imensa maioria no setor de turismo. Foram 4.546 empregos nos serviços de alimentação, 2.927 no setor de alojamento e 1.115 no setor de transporte rodoviário.

De 100 empresas do ramo, mais de 60 tiveram 100% do faturamento afetado pela crise em maio e abril, segundo a Goiás Turismo, agência oficial do Estado de Goiás. O prefeito Magal, que diz estar se despedindo da política, foi contrário às medidas sanitárias e mandou reabrir os hotéis em julho.

Em novembro, a cinco dias da eleição, a prefeitura anunciou a abertura de todas as atividades. Segundo o boletim da Secretaria Municipal de Saúde, no dia 03, Caldas Novas somava 2.101 casos de coronavírus, 50 mortes e 3 suspeitas.

Com o vírus afetando seriamente os moradores do município, os candidatos evitam o tema em suas campanhas. Belelli anda o tempo todo sem máscara e prefere falar de violência. Canedo defende a criação de um parque agropecuário e não usa máscaras. Os trabalhadores do setor hoteleiro, maiores afetados por essa crise, foram lembrados pela efeméride do Dia do Profissional Hoteleiro, na segunda-feira (09), por meio do Facebook de campanha de Canedo. Mas sem nenhuma referência à crise do setor ou à Covid-19.

Apenas Marra usou a doença em seu favor: alegando suspeita de ter sido infectado pelo coronavírus, ele deixou de participar do debate. Poucos dias depois, ele postava nas redes sociais, aliviado, que não está com a doença.

FAZENDEIROS E COMERCIANTE TAMBÉM DISPUTAM A ELEIÇÃO

Além dos dois bolsonaristas, outros três candidatos disputam as eleições de Caldas Novas. Ligado aos evangélicos, o comerciante Kleber Marra (Republicanos) disputa o primeiro lugar com Canedo e Belelli. É ligado ao atual prefeito Evandro Magal, mas tenta se descolar da sua imagem, já que o político foi acusado de corrupção e quase perdeu o mandato. Na prefeitura, atuou como secretário de Saúde e acabou sendo condenado em R$ 100 mil por atraso no pagamento de funcionários.

Um velho adversário de Magda Mofatto, Zé Araújo (PDT) substituiu a deputada quando ela foi cassada, em 2007. Como empresário, ele atua nos mesmos ramos: é hoteleiro, fazendeiro, minerador, construtor e dono de rádio. Araújo declarou um patrimônio de R$ 4.762.500,00, bem menor que os  R$ 102.250.000,00 de 2010, quando foi candidato a deputado estadual. Ele enfrenta problemas com a Justiça, por não ter pago a previdência de seus funcionários. Por isso, sua candidatura está em análise. O político já foi acusado de usar sua rádio, a Tropical FM, para propaganda eleitoral irregular.

O candidato do PROS, Evandro da Cruz, é fazendeiro, construtor e dono de imobiliária. Foi vereador pelo PT em 2008, quando declarou R$ 836.000,00. Sua fortuna mais que quadruplicou em doze anos. Hoje está em R$ 3.755.823,60.

| Luís Indriunas é jornalista. |

Imagem principal (Montagem/Facebook): Belelli e Canedo, bolsonaristas de primeira ordem, disputam poder em Caldas Novas 

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