Família do empresário bolsonarista Winston Ling, que chamou deputada federal de “cão de guarda contra retrocessos”, tem histórico de crime ambiental e dívida com o INSS; clã doou para campanhas do ministro do Meio Ambiente e de outros candidatos do Novo
Por Mariana Franco Ramos
O empresário bolsonarista Winston Ling apareceu nos últimos dias na mídia comercial para enaltecer a posse de Bia Kicis (PSL-DF) na presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Ele pertence a um dos maiores grupos econômicos do Rio Grande do Sul, com histórico de crime ambiental e dívida com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A Terramar Florestal, cuja sociedade é dividida entre os irmãos William e Wilson Ling, foi multada pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do Rio Grande do Sul por danificar florestas em área de preservação permanente (APP). A Petropar Riograndense, atualmente parte da holding Évora, também do clã e de negócios diversificados, figurou na lista dos dez maiores devedores da Previdência.
Em dezembro de 2011, o Consema constatou supressão de vegetação em mata ciliar do Rio Rolante, na Estrada do Sumidouro, em São Francisco de Paula (RS), onde a família possui ao menos dois terrenos rurais. Foram cem metros quadrados de intervenção, sem autorização de órgão ambiental competente.
A Terramar justificou que estava colhendo pinus em local licenciado e informou que “apenas nivelou a estrada que dá acesso ao passo, melhorando as condições de travessia para veículos”. Admitiu, porém, ser responsável pela irregularidade e manifestou o desejo de solução, “a fim de mitigar e recuperar os danos ao meio ambiente”. A multa aplicada foi de R$ 5 mil.
A empresa controla os negócios agrícolas dos Ling e é dona de duas fazendas no município: a Violeta, de 2.473 hectares, que fica em área de Mata Atlântica, e a Rincão, de 330 hectares. A companhia possui terras em Itiquira (MT) e dez granjas no Ceará: quatro em Aquiraz, duas em Eusébio, uma em Pindoretama, duas em Cascavel e uma em Horizonte.
Um levantamento feito pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a pedido do Valor Econômico em março de 2016 listou os cem maiores devedores da Previdência. A Petropar aparecia em sétimo lugar no ranking, com R$ 1,058 bilhão. Ela declarou à época não possuir passivo em aberto e desconhecer a existência de qualquer processo de cobrança pela via judicial ou por qualquer outra via.
PATRIARCA INTRODUZIU A SOJA NO BRASIL
Os Ling começaram a fazer fortuna na década de 1950, quando o patriarca, Sheun Ming Ling, chegou ao Rio Grande do Sul, “fugindo da China comunista”. Em Santa Rosa, ele se destacou no plantio de soja, com a Olvebra – Óleos Vegetais Brasileiros S.A, em sociedade com Charles Tsé. Depois, se afastou de Tsé e da Olvebra, enveredou para outros ramos do setor alimentício e diversificou seu império para áreas como a petroquímica e o comércio exterior.
EMPRESÁRIO DEFENDE CLOROQUINA E É CONTRA LOCKDOWN
O empresário sino-brasileiro é contrário ao isolamento na pandemia e a favor da prescrição de hidroxicloroquina e ivermectina, medicamentos que, além de serem ineficazes contra o coronavírus, podem provocar uma série de efeitos colaterais — são venenos, portanto, no que se refere a esse combate específico.
No ambiente, seus posicionamentos vão ao encontro do que defendem Ricardo Salles e demais ministros de Bolsonaro. “Desmatamento na Amazônia é conto do vigário em escala planetária”, reproduziu, em setembro, no Twitter.
“O agronegócio não devasta a floresta”, completou, antes de publicar artigo de J.R. Guzzo na Jovem Pan. “O Brasil, sozinho, tem mais vegetação nativa que a Rússia, cujo território é duas vezes maior, e mais que Estados Unidos e Canadá”,.
Ele é pai de Anthony Ling, ligado ao grupo Estudantes pela Liberdade, que está na origem do Movimento Brasil Livre (MBL), conforme lembrou a Agência Pública.
William é um dos criadores do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), que organiza o “Fórum da Liberdade”, e é considerado sucessor de Sheun. Os outros herdeiros são Rosa e Wilson. Todos, de alguma forma, participam dos negócios. O patriarca morreu em março de 2020, aos 99 anos.
GRUPO TEVE LUCRO RECORDE EM ANO DE PANDEMIA
A Évora S.A, que controla a Fitesa, a Crown Embalagens, a América Tampas e a Rio Novo Florestal (antiga Petropar Agroflorestal), possui hje 31 unidades industriais, distribuídas por 14 países. É uma empresa de capital aberto, listada na BM&F Bovespa com o símbolo PTPA4.
O grupo é dono do segundo maior fabricante mundial de mantas de polipropileno para descartáveis higiênicos e médico-hospitalares e da segunda maior fábrica de latas de alumínio para bebida do país.
A crise econômica e a pandemia não afetaram os negócios. Pelo contrário. Em 2020, a Época Negócios destacou que a holding gaúcha registrou uma receita líquida de R$ 5,8 bilhões — crescimento de quase 50% frente ao ano anterior.
A Rio Novo Florestal conseguiu sustar, em março de 2019, a licença ambiental para a abertura e pavimentação de ruas num loteamento no Balneário Gaivota (SC), onde fica sua sede.
A alegação era de que o terreno pertencia à empresa e que estaria em área de preservação. O presidente da Câmara Municipal, Anderson Joaquim dos Santos, contudo, pediu a suspensão da licença, argumentando justamente o contrário.
Segundo ele, o loteamento estava regular, “sendo inclusive registrado no Cartório de Registro de Imóveis”, e a área não era de propriedade da companhia. Localizada em uma fazenda de mesmo nome, a Rio Novo atua na área de extração de madeira em florestas plantadas.
FAMÍLIA FINANCIOU ELEIÇÕES DE SALLES, ZEMA E VAN HATTEM
Nas eleições de 2018, o clã gastou ao menos R$ 550 mil para financiar políticos e diretórios partidários. Wilson Ling fez onze doações, que somaram R$ 250 mil. William Ling, por sua vez, desembolsou R$ 300 mil, em dezesseis campanhas. Os dados são públicos e constam da base do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Entre os beneficiados estão o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema Neto. Ambos angariaram R$ 15 mil de cada irmão (R$ 30 mil no total).
Quem mais recebeu dos empresários foi o deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS), com R$ 70 mil (R$ 35 mil de Wilson e R$ 35 mil de William). Houve doações diretas, ainda, para as direções do Novo e do PSD no Rio Grande do Sul, de R$ 50 mil e R$ 70 mil, respectivamente.
Os agradecimentos vieram depois, em forma de elogios públicos. Em agosto de 2019, quando o Novo publicou nota afirmando que Salles não foi indicação do partido e, portanto, não o representava no governo, Winston Ling escreveu, no Twitter: “Tem a minha confiança”. Os posts sobre Salles, aliás, são frequentes.
Em janeiro de 2020, depois de jantar na casa de Winston Ling, foi a vez de Van Hattem fazer um post no Facebook enaltecendo a “agradabilíssima conversa” que tiveram. “Admiro MUITO e sou muito agradecido por tudo que já fizeram e continuam fazendo no Brasil”, escreveu. As letras maiúsculas são da lavra do deputado.
Salles e van Hattem estiveram juntos, em outubro de 2019, no jantar de lançamento da Croplife Brasil — organização que representa empresas ligadas a agrotóxicos e transgênicos. Quando visitou o Rio Grande do Sul, para propagandear seu projeto de concessão das florestas nacionais, o ministro foi ciceroneado pelo colega.
O parlamentar defendeu as ações de Salles na Amazônia e criticou o pedido de expulsão dele por parte da legenda: “Acredito que as propostas dele são inovadoras e por isso ele tem enfrentado contrapontos em alguns setores”.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Foto principal (Reprodução/Facebook): Winston Ling e Bia Kicis aproximaram Paulo Guedes de Bolsonaro