Comunidades tradicionais de Sergipe enfrentam petrolífera ExxonMobil

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Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do estado busca mobilizar grupos e organizações do Rio Grande do Norte ao Rio de Janeiro para evitar desastres por vazamento de petróleo; em uma audiência de sete horas, pescador teve só três minutos para falar

Por Nanci Pittelkow

Quando a ExxonMobil anunciou a intenção de iniciar a perfuração de um poço na Bacia Sergipe-Alagoas ainda em 2021, as comunidades lançaram o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe. O estado vem se consolidando como estado promissor à exploração do petróleo, ao mesmo tempo em que todo o litoral do Nordeste sofreu no segundo semestre de 2019 com um vazamento de óleo que afetou 130 municípios e 250 praias, comprometendo os biomas, a fauna, o turismo e, principalmente, a renda e o modo de vida das populações costeiras.

O embrião do Fórum foi o Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras, da Petrobras (Peac), que permite aos líderes locais se reunirem e trocarem informações. Em meados de 2021 representantes da Exxon Mobil começaram a ligar para algumas comunidades como parte do processo para obter a licença ambiental para perfuração de poços, o que chamou a atenção das populações costeiras. Ao se aprofundarem no assunto, descobriram que o EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental) já estava pronto sem nenhuma visita ou consulta prévia.

Vazamento de óleo em praia da foz do Rio São Francisco (Foto: Projeto Praia Limpa/Simone Santos)

A empresa utiliza um estudo realizado pela Petrobras em 2017, desatualizado, inexato e ignorando a tragédia do derramamento de óleo de 2019, que afetou todo o litoral da região. Segundo Ana Elísia Pereira Costa, do Fórum e do Movimento das Marisqueiras de Sergipe (MMS), o relatório (EIA/Rima) traz diversas incorreções, como números da população afetada, tipos de atividades e pesca realizadas e empresas que já fecharam. “Por exemplo, o meu município é Indiaroba”, relata Ana Elísia. “No EIA/Rima deles, dizem que fica na Bahia. Mas é em Sergipe.” Um erro básico. Há o caso de comunidades que estão fora da área de impacto prevista no relatório, mas que podem ser atingidos, conforme estudos mais completos de correntes e marés.

A primeira grande mobilização do Fórum foi tentar evitar a Audiência Pública Virtual que aconteceu em 14 de setembro sobre a “Atividade de Perfuração Marítima na Bacia de Sergipe-Alagoas”. A falta de respostas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aos questionamentos das comunidades levou à procura do Ministério Público Federal (MPF), que suspendeu a realização da audiência como medida de “garantir consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais e quilombolas afetadas pelo empreendimento”. A Justiça Federal do Sergipe não acatou o pedido do MPF e manteve a audiência pública virtual na data prevista. Em resposta, entidades realizaram um debate virtual transmitido no mesmo horário.

‘NÃO QUEREMOS AUDIÊNCIA VIRTUAL, QUEREMOS CONSULTA’, DIZ QUILOMBOLA

Notícias da mídia especializada confirmam o interesse da ExxonMobil em perfurar em Sergipe-Alagoas ainda em 2021. “Estamos trabalhando em colaboração muito próxima com os reguladores, navegando o processo de permissões de forma transparente e eficiente”, diz Alberto Ferrin, vice-presidente da petroleira no Brasil. “Obviamente Exxon tem muito interesse no play”.

O poço mais perto da costa está a 67 quilômetros do município de Brejo Grande, em Sergipe, na foz do Rio São Francisco. Foi lá que representantes da ExxonMobil estiveram para entregar folhetos sobre a audiência, uma semana antes de sua realização. “Enquanto vocês não chegarem na comunidade para nos consultar nós não vamos querer saber de participar de nada de vocês”, respondeu Maria Izaltina da Silva Santos, quilombola de Brejão dos Negros. “E, principalmente, não queremos audiência virtual; a gente quer consulta”.

Há vários argumentos para a recusa da audiência pública de forma virtual. “Tem lugar que não tem conexão boa”, conta Quitéria Gomes Pereira, do Fórum e do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). “Tem lugar que nem tem internet. E muitos que têm acesso à tecnologia não tem familiaridade com o formato de reunião virtual”. Para tentar dar acesso, representantes do Ibama se comprometeram a colocar à disposição dois pontos de conexão à rede e ônibus para levar os representantes das comunidade.

“Já havíamos participado de audiência públicas com a Petrobras, quando íamos de manhã, recebíamos suporte de transporte, café, almoço, lanche”, recorda Ana Elísia. “Dessa vez, iriam nos buscar às 15 horas de uma terça-feira, para começar uma audiência às 18 horas com previsão de acabar às 3 horas da manhã. Para acompanharmos tudo por telão em Aracaju, sem poder participar. Imagine isso para um pescador?”.

Pescadores na Foz do Rio São Francisco. (Foto: João Zinclar)

Mesmo assim, o Fórum inscreveu o pescador Alexandre Anderson de Souza, da Associação dos Homens do Mar (Ahomar) do Rio de Janeiro. Ele leu a carta redigida pelos integrantes do Fórum e assinada por mais de 120 grupos nacionais e mais de 20 internacionais. Em meio a uma audiência virtual que durou mais de sete horas, Alexandre foi pressionado para terminar sua fala em três minutos. Deixou metade da carta para um companheiro ler depois, o que não aconteceu.

“A nossa proposta é deixar passar um pouco a pandemia enquanto a ExxonMobil faz as consultas prévias em todas as comunidades, corrige o EIA/Rima e, então, realiza uma Audiência Pública presencial”, pede Ana Elísia. “Mas as respostas que obtivemos do Ibama é como se fossem da própria ExxonMobil”, conta Quitéria. “Que estava tudo certo; que se houvesse impacto, a gente sabia onde procurar, em que porta bater e que não ia acontecer nada”.

EXXON MOBIL DIZ QUE SEGUE AS RECOMENDAÇÕES DO IBAMA

Ainda que não tenha feito as consultas de praxe para obter o licenciamento ambiental, a ExxonMobil distribuiu cestas básicas para algumas comunidades, em ação assistencial. Mas o histórico da petrolífera não ajuda a tranquilizar as populações depois do desastre que aconteceu no Alasca (EUA) em 1989. E no EIA/Rima apresentado não há compensação ou garantia para as comunidades. “Se tiver vazamento, para voltar atrás é muito difícil”, diz Ana Elísia. “Mesmo que o Ibama conceda o direito de perfurar, deveria haver uma segurança para o pescador, uma lei que cobrisse as condições de vida em caso de derramamento de óleo”.

Ao De Olho no Ruralistas, a ExxonMobil enviou uma nota em que afirma seguir as exigências do Ibama e ter consultado mais de 560 partes envolvidas. Abaixo a íntegra da nota:

“Com relação ao licenciamento dos poços marítimos na Bacia de Sergipe-Alagoas, a ExxonMobil está seguindo as recomendações e protocolos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama). Nossa prioridade é preservar a saúde e a segurança da comunidade e do meio ambiente. Reforçamos que foram realizadas inúmeras reuniões com representantes das comunidades na área de abrangência do projeto, envolvendo mais de 560 partes interessadas, e audiência pública com o Ibama, no último dia 14 de setembro. A audiência foi aberta a todos e transmitida pelo site www.audienciapublicaExxonMobil.com.br/seal, pelo Youtube, por rádios locais e está disponível para acesso e manifestações por meio do link www.youtube.com/watch?v=7DdaZuvDZhI“.

AGRONEGÓCIO PRESSIONA POR TERRAS QUILOMBOLAS E INDÍGENAS

As comunidades já estavam no processo de organização interna do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe quando ficaram sabendo do interesse da ExxonMobil na perfuração de poços de petróleo na Bacia de Sergipe-Alagoas. “Aproveitamos para tratar exclusivamente desse assunto, pois as pessoas não tinham informação sobre a empresa e suas intenções”, informa Quitéria Gomes Pereira, do CCP e do Fórum.

As ações do Fórum irão além da preocupação com as empresa de óleo e gás. As questões ambientais são uma constante, como a flexibilização das leis ambientais em âmbito federal e estadual, como no caso do novo plano de Gerenciamento Costeiro de Sergipe. “Temos nosso modo de vida e uma gerência que venha de fora pode não ser boa para nós”, alerta a quilombola Izaltina da Silva Santos, do Fórum.

Marisqueiras da foz do Rio São Francisco (Foto: João Zinclar)

A carcinicultura (criação de camarões em viveiros) tem impactado negativamente a vida das comunidades a partir da invasão de áreas, desmatamento dos manguezais e áreas de apicum, despejo de dejetos, cercas ilegais e restrição de acesso aos territórios pesqueiros. Izaltina completa:

Nosso ambiente está degradado, os mangues estão sendo derrubados para criar camarão, praias desertas usadas para criar camarão, tudo irregular. Derrubam o mangue e fazem cercas que impedem os pescadores de chegar com o barco ao caranguejo uçá, que é o que coloca comida na nossa mesa. Nós queremos ser ouvidos.

O agronegócio também invade e pressiona para tomar áreas de quilombolas e indígenas. “Sofrem com ameaças, muitas pessoas têm medo”, ressalta Ana Elísia Pereira Costa, do MMA e do Fórum. “Os agressores compram um pedaço de terra e chegam querendo sempre mais”.

Além das questões ambientais, direitos estão sendo retirados dos trabalhadores. “Cada vez mais pescadores têm suas carteiras canceladas e ficam sem acesso ao seguro defeso”, conta Quitéria. “Alguns estão há três, quatro anos sem receber. Entendem que não podem pescar para preservar as espécies, mas ficam sem alternativa de renda.”

O Fórum surge como uma corrente de entidades que atua em conjunto e já conta com assessoria jurídica. “Uma entidade sozinha não faz nada”, diz Ana Elísia. “O Fórum é de Sergipe, mas pode atuar para defender outras causas necessárias, de outros estados”.

A tentativa da ExxonMobil para chegar ao petróleo já engajou outros grupos para a luta do Fórum, como a organização Canoa de Tolda, que denuncia que o EIA/Rima não considera a atual vazão do Rio São Francisco; um eventual derramamento avançaria continente adentro. A campanha Nem um poço à mais busca garantir áreas livres de petróleo, protegendo populações atingidas por injustiças ambientais. Foi também criada a campanha No tempo da maré, como forma de cobrar respeito ao ritmo das comunidades que vivenciam outros tempos, os tempos da natureza.

As líderes do Fórum ensinam que as preocupações da comunidade vão além do impacto direto no cotidiano e na renda, e projetam uma visão mundo mais abrangente e consciente. Ana Elísia reflete:

— Tem gente que pergunta, “você vive sem petróleo, sem o gás?”. O mundo ficou restrito só a isso [petróleo]… Que a gente possa viver em comunhão, em um espaço de segurança. Não é só retirar, retirar, retirar. E se um dia acabar? O que fazer?

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A editoria De Olho na Resistência foi criada no dia 1º de janeiro de 2019, no início do governo Bolsonaro. O objetivo, evadir a luta dos povos do campo — camponeses, indígenas, quilombolas — por território e as diversas formas de expressão dos modos de vida tradicionais. Da relação mais saudável com o ambiente à produção agroecológica, com preservação da biodiversidade, em oposição ao modelo do agronegócio.

Desde aquela época o observatório produz, todas as quintas-feiras, um boletim semanal com uma síntese dessas lutas. Ele pode ser assinado gratuitamente, aqui.

No mês passado o canal do De Olho no YouTube passou a ter um programa audiovisual, também às quintas-feiras, com o mesmo nome da editoria, De Olho na Resistência. Quatro edições já foram ao ar. Além de um giro com as principais notícias da semana, o programa apresentado pela historiadora Luma Prado possui duas editorias adicionais: De Olho na História e De Olho na Cultura.

Amanhã irá ao ar a quinta edição. Confira o programa veiculado no dia 07.

| Nanci Pittelkow é jornalista. |

Foto principal (Thaís Moura dos Santos): comunidades protestam contra descaso no derramamento de óleo de 2019 

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