Presidente do Incra que abriu investigações contra a família Dallagnol foi demitido por Bolsonaro

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General Jesus Corrêa desagradou o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, por defender critérios mais rigorosos para a concessão de títulos de posse, ação estratégica do governo Bolsonaro contra a reforma agrária

Por Leonardo Fuhrmann

General Jesus Corrêa abriu as investigações contra o clã Dallagnol. (Foto: Elza Fiúza/ABr)

As possíveis irregularidades no pagamento das indenizações dos imóveis da Gleba Japuranã motivaram a abertura de uma investigação durante o governo Jair Bolsonaro. Entre os proprietários estão mais de uma dezena de familiares do ex-procurador da República Deltan Dallagnol, uma das faces mais conhecidas da Operação Lava Jato, pré-candidato ao Senado.

O responsável pela apuração foi o então presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o general João Carlos de Jesus Corrêa, demitido cinco meses depois em um racha entre dois dos grupos mais poderosos no governo na época: os militares e os ruralistas.

Bolsonaro preferiu desagradar os militares. Poucos dias antes de decidir pela demissão do general, o presidente chegou a dizer que Corrêa era um “excelente jogador de basquete”, mas que estava “jogando vôlei”. O general preferiu não atacar o governo em sua saída, mas deixou claro o nome do responsável por sua queda: o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Luiz Antônio Nabhan Garcia.

“Não quero comentar”, afirmou o general ao ser questionado sobre o presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR). “Não vai ajudar em nada”, completou. “Não podemos ser destrutivos”.

MILITAR DEMITIDO VIU INDÍCIOS DE CORRUPÇÃO

Por orientação de Jesus Corrêa, o Conselho Diretor do Incra abriu a investigação em maio de 2019, baseada nos indícios de irregularidades na desapropriação dos imóveis que constituem a Fazenda Japuranã, beneficiando, além de Agenor, pelo menos outros treze parentes de Deltan.

Somente a família do ex-procurador recebeu R$ 36,9 milhões em dezembro de 2016, durante o governo Temer, diante da desapropriação de pelo menos 37 mil hectares. Foram R$ 41 milhões no total.

Reavaliação do valor pago pelas desapropriações apontou sobrepreço de R$ 147 milhões. (Imagem: Incra/De Olho nos Ruralistas)

Ainda no cargo, o general determinou ainda “tornar insubsistentes todos os atos administrativos realizados após o ajuizamento das ações de desapropriação” relativas aos imóveis da gleba Japuranã. Ele solicitou à Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra o peticionamento, em juízo, “pela suspensão de todas as ações de desapropriação dos imóveis Japuranã”.

Solicitou ainda o bloqueio do que já foi depositado, “até que o Incra conclua os levantamentos necessários para fins de apuração do justo preço de cada imóvel”. O documento solicita ainda à Corregedoria Geral do Incra que “instaure os procedimentos cabíveis, considerando a existência de indícios de irregularidades nos atos praticados por servidores públicos”.

SUCESSOR DO MILITAR É DONO DE FAZENDAS E SÓCIO DE EMPRESA AGROPECUÁRIA

Próximo a Nabhan, Melo Filho substituiu general no Incra. (Imagem: Reprodução/YouTube)

De Olho nos Ruralistas revelou em 2019 a existência de latifúndios do clã Dallagnol no noroeste do Mato Grosso. Nesta nova série de reportagens, o observatório mostra que, em dezessete desapropriações, divididas em catorze processos judiciais, a União, representada pelo Incra, pagou um total de R$ 159 milhões pela gleba: “Incra diz que pagou R$ 147 milhões a mais ao desapropriar gleba dos Dallagnol“.

Em nova avaliação, que levou em conta os critérios de unicidade do imóvel e descontou valores pela ocupação e devastação ambientais presentes na gleba, os peritos concluíram que o valor a ser pago é inferior a R$ 12 milhões, a ser rateado por todos os proprietários da área. Ou seja, apontaram um sobrepreço superior a R$ 147 milhões.

Um dos beneficiados pelas desapropriações foi o pai de Deltan, Agenor Dallagnol: “Incra cobra de pai de Dallagnol a devolução de R$ 8 milhões aos cofres públicos“.

Jesus Corrêa foi demitido do Incra em outubro daquele ano, depois de uma disputa com secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia. O militar desagradou Nabhan porque tinha procedimentos mais rigorosos para emitir os títulos, o que impedia sua concessão em massa em pouco tempo.

Para substituí-lo, o governo nomeou o pecuarista Geraldo Melo Filho. Filho do ex-senador Geraldo Melo, ex-governador do Rio Grande do Norte, ele é sócio da Guzerá Agropecuária, dona de fazendas em Minas Gerais. O atual presidente foi conselheiro da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu e superintendente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Antes de ser deslocado para o Incra, era secretário adjunto de Relacionamento Externo da Casa Civil.

Confira as propriedades da família Dallagnol em Mato Grosso. (Imagem: Eduardo Luiz D. G. Carlini/De Olho nos Ruralistas)

INVESTIGAÇÃO EMBASOU AÇÕES JUDICIAIS CONTRA O CLÃ

Aliado de primeira hora de Bolsonaro, Nabhan tem uma longa história com o Mato Grosso e com o desrespeito aos indígenas. Seu sogro, Alcides Parzianello, comprou 67 mil hectares dentro de terras indígenas na região de Tangará da Serra (MT) nos anos 80. Agora, no Ministério da Agricultura, Nabhan multiplica seu poder: ele foi responsável por excluir do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) 237 Terras Indígenas que ainda passam por processo de demarcação, tornando possível sua ocupação, venda e loteamento.

Embora o militar não tenha resistido no cargo, a investigação determinada por ele serviu de base para que o Incra entrasse com a ação na Justiça Federal em maio do ano seguinte. A existência do processo foi citada pela primeira vez pelo jornalista Luis Nassif, do GGN, na reportagem “A expansão repentina dos negócios da família Dallagnol”, publicada em novembro do ano passado. Essa foi a pista para que procurássemos esse e outros processos relativos ao clã — cada um com centenas de páginas.

O processo está em fase de citação dos acusados, depois de quase dois anos. Sobre o processo de desapropriação, o Ministério Público Federal tem se manifestado desde 2017 pela revisão do posicionamento anteriormente favorável à homologação.

Deltan Dallagnol não quis falar sobre o tema. De Olho nos Ruralistas continuará a falar das investigações em outras reportagens da série. Um dos temas será o desmatamento em terras dos Dallagnol, em plena Amazônia.

Imagem principal (Divulgação/Governo do Amapá): general à frente do Incra atribuiu sua queda a Nabhan Garcia

Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

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