Dossiê “As Origens Agrárias do Terror” revela ligação entre Wellington Macedo, responsável por transportar o artefato explosivo, e o irmão do terrorista George Washington de Sousa, mentor do atentado; foragido desde janeiro, Macedo mantinha blog jornalístico em Sobral (CE)
Por Alceu Luís Castilho e Bruno Stankevicius Bassi
George Washington de Oliveira Sousa, mentor da tentativa frustrada de atentado a bomba no aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro de 2022, não é apenas um fanático político e um mero empresário do setor de combustíveis. Por trás dele há uma cadeia de relações que recai em atores importantes do agronegócio brasileiro e da expansão econômica nos arcos de desmatamento e destruição do ambiente.
As informações fazem parte do dossiê “As Origens Agrárias do Terror“, publicado na última semana, que explicita as relações — ignoradas ou minimizadas pela imprensa comercial brasileira — entre o agronegócio e a tentativa de golpe à democracia perpetrada em Brasília. Um das revelações trazidas pelo documento é a relação prévia existente entre George Washington e um de seus cúmplices no atentado, o jornalista cearense Wellington Macedo.
Assessor de comunicação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos entre fevereiro e outubro de 2019, à época comandado pela atual senadora Damares Alves (Republicanos-DF), Macedo é, assim como George Washington, natural de Sobral (CE), cidade conhecida nacionalmente como berço político da família Gomes — cujo principal representante, o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), disputou (e perdeu) a corrida pela presidência em 2022.
Antes de se lançar na militância e ser candidato a deputado federal pelo PTB de São Paulo, Macedo se dividia entre a cobertura de eventos em Sobral e um projeto de recuperação de dependentes químicos chamado Instituto Filadélfia, ligado a igrejas evangélicas. Como jornalista, em 2016, Macedo chegou a fazer imagens de drone de um incêndio que atingiu um galpão da empresa Cidade Limpa Ambiental, onde o irmão do terrorista George Washington, Ítalo Carlos de Oliveira Sousa, atua como diretor executivo.
A empresa, também conhecida como Transcidade Serviços Ambientais Eireli, possui atuação justamente na região metropolitana de Belém e em cidades do Ceará como Sobral e Caucaia. Segundo dados do Portal da Transparência, foram firmados R$ 9.494.536,99 em contratos entre governo federal e Cidade Limpa Ambiental ao longo dos anos. Em Ananindeua (PA), sede da empresa, Ítalo é conhecido por ser o dono do trio elétrico Faraó, que já foi alugado para manifestações em apoio ao governo Bolsonaro, conforme mostra o perfil do empresário no Instagram.
Assim como o irmão George Washington, visto frequentando uma audiência pública no Senado em 30 de novembro, Ítalo Sousa, que foi filiado ao MDB de Marituba (PA), goza de prestígio junto a figuras políticas relevantes. Durante um evento evangélico em seu trio elétrico, ele aparece posando ao lado de Paulo Bengtson (PTB-PA), deputado federal — e membro da Frente Parlamentar da Agropecuária — pelo mesmo partido pelo qual Wellington Macedo tentou se candidatar.
Confira aqui o dossiê na íntegra.
FORAGIDO, TERRORISTA SE ESCONDEU EM FAZENDA
A participação de Wellington Macedo de Souza no atentado foi confirmada por um terceiro terrorista, Alan Diego dos Santos Rodrigues, responsável por depositar a bomba no estacionamento do aeroporto. Preso no dia 19 de janeiro, ele confirmou à Polícia Civil do Distrito Federal que era Macedo quem dirigia o carro que levou os terroristas até o aeroporto. O atentado foi frustrado após o motorista do caminhão-tanque perceber a presença do explosivo e acionar as autoridades.
Foragido desde janeiro, Wellington Macedo contou no dia 26 de abril, em entrevista à Folha de S. Paulo, que está escondido em uma fazenda pertencente a um dos bolsonaristas que conheceu no acampamento golpista. Afirmou que não sabia da existência do artefato explosivo, disse que é perseguido pelo STF e que não se entregará à Justiça. “Estou bem isolado, estou longe”, afirmou.
O youtuber bolsonarista já havia sido preso em 2021 por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news.
Identificado pela imprensa como eletricista e taxista, Alan Diego foi candidato a vereador de Comodoro (MT) em 2016 pelo PSD, sendo expulso do partido após seu envolvimento no atentado. Nas redes sociais, Alan afirmava ser funcionário do Grupo Bom Futuro, da família Maggi Scheffer, latifundiários donos de milhares de hectares de plantação de soja no Mato Grosso.
DOSSIÊ MOSTRA AS ORIGENS HISTÓRICAS DO TERRORISMO DE 2023
Ao longo das décadas, foram múltiplas ações violentas encabeçadas por atores do agronegócio que podem ser enquadradas como precursoras do terrorismo agrário. Um desses episódios foi o “Leilão da Resistência”: em 7 de dezembro de 2013, em Campo Grande, produtores sul-mato-grossenses arrecadaram R$ 640,5 mil para resistir, com armas, contra as retomadas Guarani Kaiowá no Sul do estado, emulando as táticas de arrecadação adotadas nos anos 1980 pela União Democrática Ruralista (UDR), também destacadas no dossiê “As Origens Agrárias do Terror“.
A temática indígena foi o principal motivo da ruptura da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) com Dilma Rousseff (PT), após o governo autorizar, em 2012, uma inédita ação de desintrusão, na Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso. Líderes do setor promoveram um estardalhaço midiático, condenando a política fundiária do governo. Insatisfeitos com a petista, os ruralistas se fixaram como oposição dentro e fora do Congresso. Dos 367 votos favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, como mostrou o De Olho nos Ruralistas, fundado naquele ano, metade saiu de deputados filiados à frente da agropecuária.
Com a ascensão de Michel Temer (MDB) ao poder, o alinhamento entre ruralistas e governo foi automático. Durante seu governo, o Brasil saltou à primeira posição no ranking mundial de países mais perigosos para atuar em defesa da terra, das florestas e rios. Segundo a ONG Global Witness, um quarto (57) dos assassinatos por conflitos no campo registrados em 2017 ocorreu no Brasil. O período teve um recorde histórico de conflitos no campo — 1.547 registros em 2018, segundo o relatório Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Esse número seria ultrapassado durante o governo de Jair Bolsonaro, em 2020, com 2.054 conflitos.
Esses casos incluíram uma proliferação inédita de atentados cometidos contra o patrimônio e os servidores de órgãos ambientais e indigenistas. Em julho de 2017, madeireiros atacaram uma carreta que transportava caminhonetes do Ibama em Novo Progresso (PA), para impedir que os veículos fossem usados em ações de fiscalização. Três meses depois, em 27 de outubro de 2017, criminosos incendiaram as sedes do Ibama e do Instituto Chico Mendes em Humaitá (AM), em represália a uma operação de combate ao garimpo ilegal no Rio Madeira.
Ainda em 2018, pouco tempo após a vitória eleitoral de Bolsonaro, em 22 de dezembro, foi a vez da Funai — que já tinha sido alvo, em dezembro de 2013, de ataques com coquetel molotov, em Humaitá.
Conheça o histórico completo do terrorismo agrário no Brasil lendo o dossiê. Clique aqui para baixar.
| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas. |
|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do observatório. ||
Imagem principal (Caio de Freitas Paes): dossiê mostra a faceta agrária por trás da tentativa de golpe de 8 de janeiro.
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