Prefeitura de São Paulo tem 2,22% das ações da Companhia do Metropolitano de São Paulo, mas pregoeiro não viu impedimento na participação do político, na época ainda sócio da Nikkey Controle de Pragas; confira o segundo vídeo da série Endereços, sobre o poder em SP
Por Alceu Luís Castilho e Bruno Stankevicius Bassi
Principal empresa da família de Ricardo Nunes, a Nikkey Controle de Pragas foi contratada pela Companhia do Metropolitano de São Paulo (CMSP) para dedetizar as estações de metrô da capital paulista. O valor? R$ 4,15 milhões. A licitação foi finalizada em dezembro de 2021, durante a gestão do tucano João Dória. Nunes já era prefeito e ainda era sócio da Nikkey — ele deixou a empresa em janeiro do ano seguinte.
A situação foi percebida pelas concorrentes, que pediram o impedimento da Nikkey. A resposta do pregoeiro foi categórica: “A empresa vencedora da licitação, bem como seus sócios não encontram-se listados no item 2 (Da Participação) do edital, de tal sorte que inexiste impedimento da participação e consequente contratação”.
O item mencionado na justificativa se refere às condições para o impedimento de participação na licitação, estabelecendo como inaptas as empresas cujo administrador ou sócio detentor de mais de 5% do capital social seja diretor ou empregado da CMSP. “Foi verificado que o prefeito não tem vinculação com a Cia do Metrô, pois não é Diretor e nem faz parte do Conselho de Administração”, afirmou o pregoeiro. “Nesse cenário, não há impedimento”.
Em 2022, a Nikkey passou para o nome de Ricardo Nunes Filho, primogênito do prefeito, e de sua esposa Amanda Zillig. Ricardo Nunes criou a empresa em 1997. Ela é tema do segundo episódio da série Endereços, em nosso canal no YouTube, sobre o poder em São Paulo.
Em resposta à reportagem, a assessoria de imprensa da CMSP informou não enxergar conflito de interesses. “A empresa vencedora do certame cumpriu os requisitos técnicos e de habilitação exigidos no edital, atendendo também ao regulamento interno do Metrô, que zela pela conformidade e integridade em seus contratos”, diz a nota.
Essa não foi a única situação envolvendo contratações públicas da Nikkey. O vídeo e as reportagens de apoio trazem mais informações sobre a empresa e sua história, desde sua origem humilde como uma dedetizadora na zona sul até os contratos com gigantes do agronegócio no Porto de Santos. Em destaque, a participação em licitações com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) e com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
O primeiro vídeo da série que inaugura a cobertura eleitoral do De Olho nos Ruralistas pode ser conferido aqui: “O Sítio de Nunes em Área de Nascente“.
PREFEITURA DE SÃO PAULO POSSUI PARTICIPAÇÃO NO METRÔ
A licitação do Metrô vencida pela Nikkey envolve o fornecimento e aplicação de produtos desinfestantes nas estações e dependências da companhia para controle integrado de pragas urbanas, com ênfase em ratos, cupins e insetos vetores da dengue, zikavirus, chikungunya e febre amarela. O edital inclui as linhas Azul, Verde, Vermelha e Prata, sob administração direta da Companhia do Metropolitano. O período do contrato é de 24 meses.
A proposta inicial da empresa de Ricardo Nunes para a licitação era de R$ 30 milhões. Diante de um pedido de reavaliação feita pelo Metrô aos participantes, a Nikkey chegou ao menor preço, de R$ 4.149.999,00 — superando em R$ 282 mil reais a segunda proposta mais baixa.
Apesar de ter como acionista controlador o governo do estado, o Metrô possui uma pequena participação da prefeitura de São Paulo. Segundo o relatório integrado de 2023, o poder municipal detém 2,22% das ações da companhia. Em sua origem, em 1968, a prefeitura era a controladora da operação, com 76,94% da composição acionária, tendo sua participação reduzida gradualmente nas décadas seguintes.
São várias as parcerias firmadas entre a CMSP e a prefeitura. De ações para o público idoso à obras de mobilidade na zona sul. A participação de Ricardo Nunes em inaugurações do Metrô é constante. Com o ex-governador João Dória (PSDB), ele prestigiou o início das operações da estação Vila Sônia, da linha 4 – Amarela, operada pelo consórcio ViaQuatro, da CCR. Foi durante a gestão do tucano que a Nikkey firmou o contrato de controle de pragas com o Metrô.
Nos últimos dois anos, durante o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), a colaboração entre os poderes aumentou. Cabo eleitoral da reeleição de Nunes, o ex-ministro de Bolsonaro não poupa elogios ao colega. “Uma pessoa que está sempre animada, uma pessoa que não se abate nunca, uma pessoa que está sempre com um sorriso no rosto, que está sempre ajudando a gente”, afirmou, durante o anúncio da construção de uma nova estação da CPTM.
Na sexta-feira (21), os dois assinaram um contrato de parceria com o consórcio ViaMobilidade, também da CCR, para a expansão da Linha 5 – Lilás até a região do Jardim Ângela, na zona sul da capital.
NIKKEY DIZ QUE CONTRATOS FORAM LEGAIS E REALIZADOS COM TRANSPARÊNCIA
Procurada pela reportagem, a Nikkey Controle de Pragas e Serviços Técnicos emitiu uma nota assinalando ser uma empresa “legalmente constituída, com mais de 25 anos de história e trajetória reconhecida pela seriedade no seu ramo de atuação”. “A Nikkey tem orgulho do que construiu e reitera que estará sempre vigilante”, diz o comunicado. “Diante de reportagens descontextualizadas e com objetivos eleitoreiros e escusos, a empresa irá recorrer ao Judiciário para defender a sua honra e legado diante de qualquer ameaça ou deturpação de sua história”.
A empresa informa que foi aberta em 1997 com capital social de R$ 20 mil. Os dados batem com os da Junta Comercial do Estado de São Paulo. Com “capital próprio de seus sócios”— Ricardo Nunes e José Sergio Silvestre — e valor “atualizado ao longo dos anos”, conforme o desenvolvimento da empresa. O nome Nikkey foi escolhido por significar perseverança, longevidade e prosperidade.
“Os contratos mencionados foram resultados de processo licitatório na modalidade pregão eletrônico e menor preço realizado dentro da legalidade, com toda a transparência devida e participação de diversas empresas”, responde a Nikkey. “Importante reiterar que nunca, em sua história, a Nikkey teve contratos com a Prefeitura de São Paulo”.
De Olho nos Ruralistas constatou que a empresa fez, em julho de 2020, uma ação de desinfecção e higienização “sem custos” da subprefeitura da Capela do Socorro, região onde fica a sede da empresa. A alguns meses da eleição, com divulgação da própria subprefeitura. O vídeo do observatório fala dos contratos da empresa com creches conveniadas da prefeitura, por meio da Associação da Criança e do Adolescente (Acria), conforme noticiado por Folha e Estadão.
Esses contratos foram assinados pela Nikkey Serviços, um desdobramento da empresa principal. Baixada em 2021, ela teve como sócias Mayara Nunes e Regina Carnovale, respectivamente filha e esposa do prefeito de São Paulo. Ao contrário do mencionado em nosso vídeo, Regina não foi sócia da Nikkey Controle de Pragas, apenas da unidade de serviços.
A empresa tem contratos com prefeituras pelo país, como a de Alfenas (MG). Com o governo federal, os principais contratos são com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e com o Ministério de Minas e Energia, em especial com a Petrobras.
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A cobertura eleitoral do De Olho nos Ruralistas começa com a série de vídeos sobre o poder em São Paulo em nosso canal no YouTube. Você pode se inscrever aqui. Com isso acompanhará semanalmente cada um dos doze episódios da série Endereços, que vão ao ar nas noites de quarta-feira. Nos dias seguintes o observatório faz neste site o detalhamento dos assuntos do vídeo, como feito no primeiro episódio, sobre o Sítio Vista Verde, imóvel do prefeito em Marsilac, extremo sul do município.
O canal tem mais de 350 vídeos e se aproxima de 1 milhão de views. Ele é uma das principais plataformas do De Olho, que surgiu como veículo jornalístico em 2016 e se afirma como observatório e produtor de conteúdo audiovisual — dos vídeos no canal a documentários, como o premiado “Elizabeth“, sobre a líder camponesa Elizabeth Teixeira, protagonista do clássico “Cabra Marcado Para Morrer”, de Eduardo Coutinho.
De Olho nos Ruralistas é um observatório sobre agronegócio e seus impactos sociais e ambientais. Sua interface no Congresso, a Frente Parlamentar da Agropecuária, é conhecida como bancada ruralista e inspira a série De Olho no Congresso. Um de nossos trabalhos mais importantes, o relatório “Os Invasores”, fala da sobreposição de fazendas em terras indígenas por empresas e por políticos. Outro dossiê importante divulgado pelo observatório, sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira, ganha também resumo em vídeos no canal.
A série Endereços marca o início de uma cobertura espacial sobre o poder municipal no Brasil. E não somente sobre eleições. O poder na maior metrópole do país está sendo esmiuçado também em suas relações com o ambiente. O sítio de Ricardo Nunes, por exemplo, fica em uma região de Mata Atlântica, perto da Serra do Mar, em área de mananciais e de proteção ambiental. Até outubro falaremos de prefeitos e agronegócio, secretários de Meio Ambiente e mineração, em uma lógica de expansão econômica, legal ou ilegal, e territorial.
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| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas. |
|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do observatório. ||
||| Colaborou Tonsk Fialho, pesquisador e repórter. |||
Imagem Principal (De Olho nos Ruralistas): empresa de Ricardo Nunes foi contratada pelo Metrô durante gestão de João Dória
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