Documento lista contratos de fornecimento com empresários que bloquearam rodovias e apoiaram acampamentos; banco de André Esteves empregou líderes do governo Bolsonaro; dossiê”Agrogolpistas” consolida 142 nomes do agronegócio ligados ao golpe inconcluso
Por Bruno Stankevicius Bassi e Tonsk Fialho

O BTG Pactual possui contratos de compra de soja— a vencer em 2034 — com dez fazendeiros implicados nas investigações de atos antidemocráticos. A informação está em um documento do próprio banco que, em 2024, emitiu R$ 8,5 bilhões em Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) junto a fornecedores. Controlado pelo investidor André Esteves, o BTG Pactual foi fundado também por Paulo Guedes, ministro da Economia durante o governo de Jair Bolsonaro. Com um valor de mercado estimado em R$ 181,7 bilhões, é o maior banco de investimentos da América Latina e a segunda maior instituição financeira do Brasil, atrás apenas do Itaú.
Um desses fornecedores é Argino Bedin, chamado de “pai da soja” em Sorriso (MT) e um dos personagens centrais do dossiê “Agrogolpistas“, lançado na última quarta-feira (25/06) por este observatório. Segundo um relatório da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), membros da família Bedin eram proprietários de quinze caminhões fichados no Quartel-General do Exército em Brasília — de onde saiu a passeata que culminou no quebra-quebra de 8 de janeiro.
De Olho nos Ruralistas identificou 142 empresários do agronegócio que atuaram no suporte logístico ou financeiro a atos golpistas entre o segundo semestre de 2022 e o dia 8 de janeiro de 2023.
Durante quatro meses, o núcleo de pesquisas do observatório percorreu listas de pessoas físicas e jurídicas investigadas por contratar a infraestrutura dos acampamentos golpistas — geradores, tendas, banheiros químicos, alimentos — e por viabilizar o trancamento de rodovias de norte a sul do país. Ao todo, foram analisados 1.452 nomes, em busca de conexões financeiras e políticas com o setor agropecuário.
A lista consolidada no relatório “Agrogolpistas” mostra um grupo de fazendeiros e empresários integrado em cadeias globais, envolvendo multinacionais como Syngenta, Santander, Rabobank e John Deere. O dado contraria uma narrativa disseminada pela mídia corporativa e pelo diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, a de que não existiriam “megafinanciadores” do 8 de janeiro.
Outros cinco nomes dessa lista estão ligados ao empresário mato-grossense Argino Bedin: seu sobrinho Luciano Bedin; Alexandro Lermen, cunhado de Evandro Bedin, outro sobrinho; Fabiano Rodrigo Fiut, sócio da filha de Argino; João Darci Giusti Junior, ex-sócio na Sociedade Aérea G5; e Edemar Potrich, sócio do primo Ary Pedro Bedin na Intervias Concessionária, que administra um trecho da Rodovia BR-242.
Completam a lista de fornecedores do BTG: Albino Perin, Alexandre Burin, Denis Ogliari e Lucas Costa Beber. Este último ocupa a vice-presidência da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e comanda a regional de Mato Grosso da organização ruralista.
BANCOS CONTINUAM CONCEDENDO CRÉDITO A AGROGOLPISTAS
Outro ministro da era Bolsonaro, o empresário Fábio Faria, das Comunicações, assumiu um cargo na equipe de Relações Institucionais do banco apenas três meses após deixar o governo. Durante as eleições de 2022, o genro do falecido empresário (apresentador, fazendeiro) Sílvio Santos disseminou notícias falsas sobre fraudes em estações de rádio, que estariam prejudicando a campanha de Jair Bolsonaro. Passadas as eleições, disse que se arrependeu.

No apagar das luzes do governo, Fábio Faria autorizou uma empresa do grupo BTG Pactual a captar R$ 2,5 bilhões para projetos de telecomunicações na modalidade incentivada, com redução na cobrança do imposto de renda para investidores. Além do ex-ministro, Bruno Bianco, chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) fez o mesmo trajeto, assumindo o cargo de Gerente de Relacionamento Sênior do BTG após o fim do governo.
O BTG não é o único ator da Faria Lima a colecionar laços com empresários que apoiaram atos antidemocráticos em 2022. No ano passado, o Grupo Lermen deu propriedades como garantia e levantou R$ 80 milhões em Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) no mercado financeiro, emitidos pela Virgo Securitizadora — que tem a XP Investimentos como acionista — e pelo banco Bocon BBM, ligado ao Bank of Communications da China. Comandada por Alexandro Lermen, a família enviou 20 caminhões para o QG do Exército.
Outro fazendeiro da região conhecida no Mato Grosso como Nortão, Valdocir Paulo Rovaris teve quatro caminhões flagrados entre bloqueios rodoviários e o pátio do Exército em Brasília. Ele é sócio da concessionária InterVias. Em 2022, o Grupo Valdocir Rovaris (GVR) declarou R$ 287 milhões em operações de crédito com o sistema financeiro. Entre as várias instituições que alavancaram as atividades do GVR destacam-se os bancos internacionais Rabobank, Santander e John Deere, que, juntos, injetaram R$ 50 milhões na empresa. O piloto de rally Atílio Rovaris, filho de Valdocir, doou R$ 500 mil para a campanha de Bolsonaro em 2022.
A reportagem procurou as empresas citadas, mas não obteve resposta.
FINANCIADOR DE ACAMPAMENTO GOLPISTA É PARCEIRO DE TRADER SUÍÇA
Saindo um pouco dos caminhões e passando para os financiadores da infraestrutura para os acampamentos, chegamos a Giancarlos Bavaresco, contratante de banheiro químico para o acampamento golpista de Brasília. Indiciado pela CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ele também tem laços multinacionais.

Sua empresa, a Beneficiadora de Algodão Cotton 163, foi fundada em parceria com a trader suíça Ecom, que afirma investir em projetos verdes ao redor do mundo. O nome do empreendimento é uma referência à BR-163, rodovia que liga Sorriso aos portos do Arco Norte, no Pará.
Embora a Cotton 163 se projete internacionalmente com um modelo de negócios sustentáveis, um relatório da Repórter Brasil apontou que a Fazenda Santo Antônio XVI, XVII e XVIII, em Nova Maringá (MT), possuía 1.096 hectares embargados, o equivalente a 70% do total da propriedade, pertencente a Giancarlos e Gentil Antônio Bavaresco. O embargo não impediu que a seguradora japonesa Tokio Marine firmasse um contrato de seguro rural para a cobertura de 954 hectares de plantio de milho entre fevereiro e novembro de 2020.
Giancarlos Bavaresco foi membro do Conselho Fiscal da Aprosoja-MT no biênio 2018/2020.
Os problemas na cadeia de suprimentos da Ecom não se restringem ao fazendeiro mato-grossense. Em 2021, 19 trabalhadores foram resgatados em condição análoga à escravidão em uma fazenda no interior de Minas Gerais que figurava no rol de fornecedores de café da trader suíça.
| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de pesquisa do De Olho nos Ruralistas. |
|| Tonsk Fialho é pesquisador e repórter. ||
Foto em destaque (Divulgação/Agro Fórum Cuiabá): banco de André Esteves mantém contratos de fornecimento com dez agrogolpistas
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