Ação de despejo contra assentamento do MST em Campo do Meio (MG) pode interromper duas décadas de produção agroecológica; terras são disputadas por João Faria da Silva, considerado o maior produtor individual de café no mundo
Por Bruno Stankevicius Bassi
Na última semana, uma liminar de despejo assinada pelo juiz Walter Zwicker Esbaille Junior, da Vara Agrária de Minas Gerais, colocou em alerta o assentamento Quilombo Campo Grande, no município de Campo do Meio (MG). Conhecida como Fazenda Ariadnópolis, a área é disputada desde 1998 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que defende sua destinação para a reforma agrária. De acordo com a decisão, os camponeses têm até amanhã, quarta-feira (14), para sair do local.
A Ação Reintegratória de Posse nº 0024.11.188.917-6 foi requerida em 2011 pela massa falida da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), antiga administradora da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A. Parado na Justiça por cinco anos, o processo ganhou força após a homologação, em 2016, do plano de recuperação judicial da Capia, dezesseis anos após a falência da empresa ter sido decretada.
O plano trouxe para a mesa novos interesses. A minuta entregue pela massa falida da Capia incluía o arrendamento de parte dos 3.195 hectares da Fazenda Ariadnópolis para a Jodil Agropecuária e Participações Ltda, cujo proprietário é ninguém menos que João Faria da Silva, um dos principais nomes da cafeicultura no Brasil. O contrato de parceria para exploração agropecuária firmado em 2016 entre a massa falida da Capia e a Jodil Agropecuária é válido por 7 anos.
BARÃO DO CAFÉ TAMBÉM NEGOCIA PNEUS E AERONAVES
O império cafeeiro de João Faria é administrado de Campinas (SP), onde mora. O empresário paulista possui vinte empresas em seu nome, incluindo armazéns, transportadoras, comercializadoras e sete fazendas de café. Uma delas, a Fazenda Campo Verde, com 1.056 hectares, é vizinha das terras hoje ocupadas pelas famílias do Quilombo Campo Grande. Ao todo, Faria detém 5.779 hectares, divididos entre o sul de Minas Gerais e o noroeste de São Paulo. Em 2008, alcançou o título de maior produtor individual de café do mundo.
Para escoar uma produção superlativa, ele fundou a Terra Forte Importação e Exportação, uma das maiores comercializadoras de café no Brasil, exportando 2,5 milhões de sacas por ano, equivalentes a 6,5% de todo o café exportado pelo Brasil. Entre seus clientes estão gigantes multinacionais como Nestlé e a holandesa Jacobs Douwe Egberts, dona das marcas Pilão, Café do Ponto, Cacique, Café Pelé e Damasco. Faria também é dono da Campneus, maior revendedora brasileira da Pirelli.
Reservado, João Faria dá poucas entrevistas. Em janeiro, seu nome e o da Jodil Agropecuária foram mencionados no relatório complementar da Operação Rosa dos Ventos, da Polícia Federal, que investigava um megaesquema de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em Campinas, orquestrado pelo empresário Miceno Rossi Neto.
Faria é citado no relatório devido à sociedade que detém, junto à Jodil Agropecuária, na empresa Voar Participações, criada em 2014 para operacionalizar a compra de um jato executivo pertencente a Rossi Neto. Em troca de 40% da aeronave, Faria cedeu ao empresário um helicóptero Helibrás.
O nome de Miceno, no entanto, não aparece entre os sócios. Em seu depoimento à PF, Faria diz que foi usada uma offshore, a Victory Ltd, registrada em nome do piloto da aeronave, Marcos Antonio Lauria. O piloto era funcionário de Miceno, com quem Faria entabulou toda a negociação. Ligado ao setor de combustíveis, Miceno Rossi Neto é dono de usinas sucroalcooleiras no interior paulista.
No campo político, João Faria também tem atuação destacada. Em 2014, a Terra Forte doou R$ 412,5 mil para a campanha do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Como pessoa física, o cafeicultor financiou a campanha de Jarbas Corrêa Filho (PSDB), eleito, em 2016, prefeito de Guaxupé (MG), município onde a Terra Forte possui operações. No mesmo ano, o promotor eleitoral Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira entrou com uma ação na Justiça Eleitoral para apurar supostas irregularidades nas doações ao prefeito tucano. De acordo com a denúncia, a Terra Forte havia recebido R$ 4,2 milhões em recursos públicos da Prefeitura de Guaxupé.
UMA DISPUTA EXTRA: AGROECOLOGIA VERSUS MONOCULTURA
Caso seja executada, a ordem de despejo assinada no dia 7 de novembro pode pôr fim a uma das experiências mais reconhecidas de transição agroecológica no Brasil. O processo iniciado há oito anos, abolindo o uso de insumos químicos, agrotóxicos e sementes transgênicas, resultou no café orgânico Guaií (“semente boa”, no idioma guarani).
Resultado da produção cooperativa de vinte famílias, em sistema de mutirão, o café Guaií vem ganhando mercado e possibilitando uma maior autonomia econômica para os camponeses assentados. Segundo Tuira Tule, coordenadora do MST na regional do Sul de Minas Gerais, o processo também permite a emancipação financeira das mulheres: “Das nossas famílias que nós organizamos, a relação da mulher com a produção de café tem outro tipo de ação. As mulheres estão envolvidas desde o plantio, nos tratos culturais, na colheita e tem mulheres que produzem sozinhas essa cultura”.
Esses resultados, comprovados pela safra recorde prevista para 2018, de 10 mil sacas motivaram o governo do estado a emitir, em 25 de setembro de 2015, o Decreto nº 365, declarando de interesse social, para desapropriação de pleno domínio, a Fazenda Ariadnópolis.
O decreto serviu de sustento para uma ação do Ministério Público do Estado de Minas Gerais pedindo efeito suspensivo do contrato de arrendamento celebrado entre a massa falida da Capia e a Jodil Agropecuária. Segundo o agravo de instrumento apresentado à Vara Única da Comarca de Campos Gerais, seria necessário “aguardar a solução de uma lide na vara de conflitos agrários para evitar conflito de consequências imprevisíveis”. A ação – bem como o recurso apresentado em seguida – foi indeferida pelo relator do processo, o desembargador Belizário de Lacerda.
CAMPONESES VIVEM COTIDIANO DE AMEAÇAS
Além da ação de despejo, os camponeses que vivem no Quilombo Campo Grande enfrentam outro tipo de ameaças. Considerados “terroristas” pelo presidente eleito Jair Bolsonaro e por seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que afirmou não ver problema em prender 100 mil membros do MST, eles vêm sofrendo com a ação de pistoleiros desde 2011.
Segundo relatos, os jagunços estariam agindo à mando do diretor da Capia, Jovane de Souza Moreira. Acusado pelo vereador Camilo de Lelis Fernandes (PCdoB), de Campo do Meio (MG), de tê-lo ameaçado de morte com uma arma de fogo, Jovane é o principal interessado na remoção das famílias da Fazenda Ariadnópolis.
No auto de inspeção judicial de 6 de novembro, ao qual a reportagem do De Olho nos Ruralistas teve acesso, é mencionado um depoimento de Jovane onde afirma que, no dia anterior, ele teve acesso à fazenda e encontrou apenas oito famílias vivendo no local, contrariando a versão do MST de que o assentamento é ocupado por centenas de famílias. No mesmo documento, um sargento da Polícia Militar de Minas Gerais, ex-funcionário da antiga usina, relata conhecer bem a região. Segundo ele, pelo menos 200 pessoas vivem na área da Fazenda Ariadnópolis.
Em outra parte do auto de inspeção, Jovane confirma o acordo com João Faria: “Uma boa parte da área já está pronta para plantio, em razão do contrato de parceria comercial celebrado com a Jodil Agropecuária e Participações Ltda”. No entanto, a decisão sobre o acordo, em tese, deveria pertencer ao síndico da massa falida da Capia, o advogado Samuel Magid Barouche, que não se pronunciou sobre o arrendamento.
De Olho nos Ruralistas procurou a assessoria da Jodil Agropecuária que, até o momento do fechamento da reportagem, não encaminhou resposta sobre o despejo. O diretor da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo, Jovane de Souza Moreira, não foi localizado para dar entrevista.