Comparação entre bens atuais e os declarados em eleições anteriores mostra como os candidatos à prefeitura nos municípios que mais desmatam gostam de investir em bens agropecuários
Por Alceu Luís Castilho
Prefeitos eleitos nos municípios que mais desmatam no país tentam a reeleição sob uma lógica comum a quase todos eles: o enriquecimento. Outra característica recorrente é a aplicação desse dinheiro em fazendas e gado. Candidatos que ainda não foram prefeitos – e que concorreram em outras eleições – também têm essa preferência. Por outro lado, são poucos os casos contrários – aqueles de perda de patrimônio.
Vejamos inicialmente a evolução dos bens de candidatos a prefeito (este são os que mais enriqueceram) e vice-prefeito entre 2008 e 2012.
Dessa lista, Souza, Setter, Moura e Silva já foram prefeitos. Alencar e Faria são os atuais. O produtor agropecuário Bersajone Moura (PSB) já foi cassado, sob a acusação de crime eleitoral cometido em 2008 – quando ele tinha apenas R$ 374 mil de patrimônio. Hoje ele é milionário. Cleto Alves da Silva (PSD), que tinha somente R$ 52 mil e hoje declara R$ 680 mil, teve os bens bloqueados pela justiça em 2012, quando exercia o cargo de prefeito em Senador José Porfírio (PA), acusado de desvio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Quase a totalidade dos bens atuais desse candidato, R$ 600 mil, referem-se a um lote de 20 alqueires “de pasto”, conforme ele declarou à Justiça Eleitoral. Valores tímidos, claro, em relação a seus colegas. Em Nova Bandeirantes (MT), o madeireiro João Rogério Souza (PSDB) não declarou nenhuma fazenda em 2008, embora já tivesse seu milhão. Agora, com R$ 7 milhões, exibe uma chácara de R$ 3 milhões (com apenas 12 hectares) e uma fazenda de R$ 2,5 milhões (com 28 alqueires).
O caso de Erevaldo Carvalho, o Goiano (PMB), é peculiar. Candidato a vice-prefeito de Cotriguaçu (MT), ele é agente de saúde, funcionário público. Representa trabalhadores do SUS no sistema de saúde. Em 2012, já era pecuarista, com 300 cabeças de gado. Prosperou, agora tem 450. Declarou seus 326 por R$ 1,95 milhão – bem mais que o total de bens que tinha há quatro anos, R$ 628 mil. Ele tem agora R$ 2,5 milhões, quatro vezes mais que nas últimas eleições.
Candidato a vice-prefeito em Porto Velho, Edgar do Boi (PSDC) foi candidato a governador em 2006 – por isso não aparece nessa lista de 2008. Possuía apenas R$ 91 mil. Agora, com R$ 2,8 milhões, só não faz jus ao nome porque não declarou nenhuma cabeça de gado. Informou, porém, possuir uma fazenda de 6 mil hectares em Canutama, no Amazonas, por R$ 2 milhões. Ele também é madeireiro. Em 1995, criou uma empresa chamada América Agro-Florestal Ltda. Já foi denunciado por crime ambiental.
Vejamos agora uma evolução patrimonial mais recente:
O prefeito de Boca do Acre (AM), Iran Lima (PSD), se apresentava há quatro anos como servidor público estadual. Tinha apenas R$ 6 mil, em duas aplicações de renda fixa na Ourocap. Eleito prefeito, foi acusado de desviar recursos do Fundeb para pagar empregada doméstica. Chegou a ser preso. Presidente da Associação Amazonense dos Municípios, tenta a reeleição. Em 2016, com seu primeiro milhão (um aumento de 170 vezes em seu patrimônio), informou possuir 330 cabeças de boi para engorda.
Arnóbio Andrade (PSD), Toni Dubiella (PMDB) e Paulo Tocantins (PSDB) já foram mencionados nesta série de reportagens. Eles compõem o grupo de políticos madeireiros. Dubiella, denunciado por crime ambiental, saltou de um patrimônio de R$ 3,7 milhões para R$ 14,8 milhões, em quatro anos. É o atual prefeito de Feliz Natal (MT) e possui, hoje, mais de 9 mil hectares. Andrade é um dos reis do gado na região. A diferença entre o que ele tinha em 2012 e tem hoje – R$ 13 milhões – coincide exatamente com o que ele declarou em reses: 9 mil cabeças de gado.
E as reses vão se multiplicando. Em 2012, o candidato a vice-prefeito de Pacajá (PA) pelo PSC, José Moura dos Santos, tinha apenas 44 cabeças de gado. E um patrimônio de R$ 284 mil. Agora o pecuarista possui 300 cabeças de gado, diante de um patrimônio de R$ 1,2 milhão. Em Novo Repartimento (PA), Deusivaldo Silva (PMDB) saltou de R$ 23 mil, em 2012, para R$ 1 milhão, em 2016. Quase tudo por causa do gado: R$ 747 mil em reses, conforme as 440 unidades declaradas, e R$ 235 mil em dinheiro. Oriundo de quê? Da venda de gado.
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