Algozes de indígenas no MS tentam eleição no dia 2 de outubro

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Manifestação em Brasília (Foto: José Cruz/ Agência Brasil)

Candidatos a prefeito possuem terras em áreas Guarani Kaiowá ou Terena; outros são pecuaristas, latifundiários; alguns foram protagonistas diretos de episódios violentos nos últimos anos

Por Alceu Luís Castilho e Izabela Sanchez

Eles não são Guarani Kaiowá. E disputam as prefeituras do Mato Grosso do Sul do outro lado da trincheira: como pecuaristas, latifundiários, defensores da propriedade privada em áreas reivindicadas por povos indígenas. Alguns foram protagonistas diretos de episódios que figuram entre os mais violentos na mais concentrada disputa de terras do país. Casos de ameaças – e de mortes. Mortes de Guarani Kaiowá, mortes de Terena. O caldeirão de violência sul-mato-grossense tem neste domingo (02/10) um dos pontos estratégicos de sua fervura.

De Olho nos Ruralistas fez um levantamento dos candidatos a prefeito e vice-prefeito nos 79 municípios do estado. Identificou dezenas de milionários, muitos a ostentar fazendas e cabeças de gado. Não são os únicos, claro, entre os políticos. Há deputados estaduais, federais, senadores, com terras declaradas nos municípios onde há mais conflito de terras na região. Ou que participaram ativamente (a começar do governador, o tucano Reinaldo Azambuja), do Leilão “da Resistência”, em 2013 – destinado a armar os fazendeiros contra a resistência indígena.

Entre eles há casos como o do ex-deputado federal Pedro Pedrossian Filho, candidato pelo PMB em Campo Grande. Seu pai foi governador (1991-1995 e 1980-1982) e tem terras em áreas invocadas pelos Terena. Por ali já houve reintegração de posse, em 2010, de forma violenta. Ou o caso do prefeito de Antônio João, Dácio Queiroz (PSDB), candidato à reeleição. Membro de um clã familiar com interesse direto em um confronto violento. Onde o sangue despejado tem um só lado: o dos Guarani Kaiowá. Onde fazendeiros se unem em comboio para, armados, despejarem os povos originários. Como ocorreu em 29 de agosto de 2015, na Fazenda Fronteira, onde Semião Vilhalva foi assassinado.

Esta não é exatamente uma história republicana.

PEDROSSIAN: CHAMADO Á GUERRA

Uma das inúmeras reintegrações de posse em terras Terena nos últimos anos envolveu, em 2010, a propriedade reivindicada pelo ex-governador Pedro Pedrossian (PMDB), que também foi governador biônico do Mato Grosso (1966-1971) e senador (1979-1980). O episódio pode ser rememorado neste relato do Correio do Estado: “PM expulsa índios da terra de Pedrossian”. Na época o delegado Alcídio Araújo foi bem claro com os indígenas: “Temos duas opções. Ou vocês saem de forma pacífica ou haverá confronto, porque hoje nós vamos cumprir a determinação da Justiça”.

Houve confronto. Um Terena foi ferido na perna por uma bala de borracha. Uma criança machucou o joelho, durante o despejo no município de Miranda, autorizado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Frase da reportagem resume o desfecho: “Em quinze minutos os indígenas começaram a deixar o local sem levar nada, algumas mulheres saíram carregando as crianças e os cachorros”.

Terena ocuparam terras de Pedro Pedrossian (Foto: Ruy Sposati/ Cimi)

Pedro Pedrossian Filho (PMB) tenta a prefeitura de Campo Grande sem ter declarado nenhum bem. Mas como “pecuarista”. Em 2002 quando seu pai tentou o Senado, pelo PST, o ex-governador possuía 6.936 hectares e 3,568 cabeças de gado em sete fazendas. Deputado federal entre 1999 e 2003, pelo PFL, Pedrossian Filho defende essas propriedades como poucos. Nem que seja preciso convocar os fazendeiros para o confronto. Ele postou no ano passado, no Facebook, fotos de equipamento agrícolas destruídos – que boatos atribuíam, falsamente, a indígenas. Com o seguinte comentário:

– Não basta invadir, tem que destruir! Eu não quero comentar mais sobre isso porque todos já sabem a minha opinião e a partir da minha decisão é que nenhum índio vagabundo quis roubar minha propriedade. Agora se a decisão de vocês é esperar pelo Estado inexistente, o resultado é o previsto…

DÁCIO QUEIROZ: FACES DE UM MASSACRE

Em 2015, a fazenda Fronteira foi uma das cinco propriedades ocupadas como reivindicação da terra indígena Ñande Ru Marangatu. A terra homologada é disputada pela família do candidato tucano a prefeito em Antônio João, Dácio Queiroz. Três das fazendas – com 9.317 hectares – que ocupam o território são dos filhos de um fazendeiro chamado Pio Silva, entre eles Queiroz. Os Guarani Kaiowá alegam terem sido expulsos pelo patriarca e outros homens na década de 1950.

No dia 22 de agosto de 2015 a ocupação começou. Uma semana depois, cerca de 60 camionetes seguiram para o local, após reunião na sede do sindicato rural de Antônio João. Uma delas levava Rosely Ruiz, proprietária, presidente do sindicato rural e cunhada de Queiroz. A reunião teve presenças conhecidas no meio político, como o senador Waldemir Moka (PMDB), o deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM) e a deputada federal Tereza Cristina (PSB).

Mandetta e Queiroz seguiram o comboio. Dez minutos depois, os Kaiowá (munidos de paus e arco e flecha) foram atacados. Depois eles relatariam tiros para o alto, motos incendiadas, um indígena atingido na testa por um pedaço de pau – sua testa se abriu. Conforme relata reportagem do El País Brasil, o confronto se estendeu para a fazenda Fronteira, de Queiroz. Foi ali que o filho de Semião Vilhalva se perdeu. Ele procurava o filho quando foi assassinado.

Queiroz declarou este ano mais de R$ 23 milhões em bens. Entre as propriedades declaradas está a fazenda Fronteira, avaliada em R$21, 5 milhões. O produtor também participou do Leilão da Resistência (definido por alguns críticos como Leilão do Genocídio), em 2013. A iniciativa – transmitida ao vivo, pela internet – arrecadou R$ 640,5 mil com o arremate dos lotes de animais e cereais.

Leilão da Resistência, em 2013, reuniu políticos contra indígenas
Leilão da Resistência, em 2013, reuniu políticos contra indígenas

Estiveram presentes Moka, Mandetta, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS) e a senadora e ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu (PMDB). O governador Reinaldo Azambuja, à época deputado federal, também esteve na linha de frente. Azambuja apoia a candidatura de Dácio Queiroz. No dia 11, participou de uma carreata junto ao candidato.

No evento, o governador relembrou, ao microfone, a época em que era prefeito de Maracaju – quando Queiroz era prefeito em Antônio João. “A cidade começa a se tornar um polo da agricultura, com armazéns, geração de emprego, e precisa ter estrutura, melhorar a rodovia”, afirmou, ao anunciar obras de pavimentação asfáltica na cidade.

Inayê Gomes Lopes Guarani Kaiowá conheceu bem as promessas de campanha de Queiroz. Ela é filha de Hamilton Lopes, liderança Guarani Kaiowá morta em 2012. Vejamos este registro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), antes da outra passagem do candidato pela prefeitura:

– Dácio Queiroz, dono da fazenda Fronteira, é candidato a prefeito em Antônio João e prometeu pra gente que se ele for eleito tendo nossos votos vai deixar a fazenda pra gente. Primeiro que a terra é tradicional Guarani e Kaiowá. Ele não pode dar algo que é do povo. Segundo que eu não acredito nessas promessas ainda mais vindo de quem nos oprime. 

A lista das 17 fazendas mais valiosas, entre as declaradas pelos candidatos a prefeito no Mato Grosso do Sul, tem Queiroz na ponta. Nove são de políticos do PSDB, seis de políticos do PMDB:

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A POLÍTICA COMO ARMA

Mato Grosso do Sul tem hoje no governo um nome de peso da agropecuária. Reinaldo Azambuja é o governador mais rico do país, com R$ 38 milhões declarados. Foi na maior cidade produtora de soja do estado, Maracaju, que ele começou na política, como prefeito, em dois mandatos consecutivos (1996-2004). Em 2006, foi eleito deputado estadual; quatro anos depois, federal. Em 2014 ganhou as eleições para governador.

Desde então Maracaju permanece sob o comando dos Azambuja. Reinaldo foi sucedido pelo primo, Maurílio Ferreira Azambuja (PMDB), que governou a cidade até 2008. Em 2012 foi novamente eleito e agora tenta a reeleição. O médico acaba de declarar R$ 1,6 milhão em bens, entre eles duas propriedades rurais. O vice é o tucano Joares Aparecido Sanches, produtor rural, dono de R$ 8 milhões. Dobradinhas milionárias tornam-se cada vez mais comuns na política brasileira.

Em meio ao domínio dos ruralistas no Mato Grosso do Sul, a etnia Guarani Kaiowá busca seu espaço – literalmente – em meio a um conflito que apenas de vez quando ganha holofotes da imprensa do resto do país. Em Iguatemi, onde o prefeito já presidiu o Sindicato Rural, o tucano José Roberto Felippe Arcoverde está no segundo mandato. Declarou R$ 1 milhão em bens, entre eles uma propriedade rural. Sua família também tem histórico de conflito com o povo indígena.

O pai do candidato, José Mendes Arcoverde, é proprietário de duas fazendas incidentes no território Iguatemi-peguá  I, da comunidade Pyelito Kue e Mbarakay. A terra já foi delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Um relatório divulgado em janeiro de 2013 definiu 41.571 hectares como tradicionais e pertencentes aos indígenas. Eles ocupam, no entanto, apenas 98 hectares. É nesse espaço e em acampamentos à beira das rodovias que eles sofrem diversos ataques de pistoleiros.

No dia 18 de setembro de 2015 uma retomada da comunidade foi atacada por jagunços, conforme relata o Cimi. Antes do ataque, lideranças indígenas disseram que os homens foram ao local e avisaram que todos seriam mortos. Os Guarani Kaiowá estavam a cerca de 200 metros da sede da Fazenda Maringá, ocupada naquele mês. Durante o ataque, dez indígenas ficaram feridos, entre eles um rezador e uma gestante.

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Registro do Massacre de Caarapó (Foto: Cimi)

MAIS VIOLÊNCIA

O episódio mais recente da ofensiva contra os Guarani Kaiowá envolve o território Dourados Amambai Peguá I, que teve o relatório de identificação e delimitação aprovado no apagar das luzes do governo de Dilma Rousseff (PT). Foram reservados a eles 55.600 hectares em 87 fazendas com cultivos como soja, gado e cana de açúcar. As propriedades ficam no município de Caarapó – um dos polos da expansão sucroalcooleira -, onde a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) também possui uma propriedade rural, a Fazenda Santo Antônio da Matinha, avaliada em R$ 457 mil.

O relatório foi aprovado em maio. Eles ocuparam as terras. E, no dia 14 de junho, foram atacados. Foi parecido com o que ocorreu em Antônio João. Após se reunirem no Sindicato Rural, cerca de 300 homens armados entraram na fazenda Yvu montados em camionetes, levando uma pá escavadeira (para destruírem as casas dos indígenas), e atiraram a queima-roupa.

O agente de saúde Clodiode Aguile Rodrigues dos Santos, de 26 anos, foi morto com dois tiros. Desta vez, porém, houve uma novidade: cinco fazendeiros apontados no envolvimento do ataque foram presos em agosto pela Polícia Federal. Foram presos Jesus Camacho, proprietário da Fazenda Santa Luzia, Virgílio Mettifogo, proprietário da Fazenda Edurama, Eduardo Yoshio Tomonaga, dono da Fazenda Água Boa e Nelson Buainain Filho, dono da fazenda Yvu. As propriedades integram o relatório circunstanciado de delimitação e identificação da terra indígena.

As prisões foram preventivas – o MPF afirma que serviram para prevenir novos ataques – e fazem parte das investigações da Força Tarefa Ava Guarani – que apura há onze meses crimes contra comunidades indígenas em Mato Grosso do Sul. Um dos ruralistas presos, Virgílio Mettifogo, é apontado pelos Kaiowá como coordenador do ataque do dia 14 de junho. Os fazendeiros podem ser implicados no crime de formação de milícia privada.

No dia 17 de junho, o MPF ajuizou duas denúncias contra doze envolvidos em ataques contra os povos Guarani Kaiowá e Ñandeva na fronteira com o Paraguai. Eles são acusados de formação de milícia privada, constrangimento ilegal, incêndio, sequestro e disparo de arma de fogo. Jagunços teriam sido contratados para violentar as mulheres e ameaçar as comunidades. De acordo com o MPF, oitivas, diligências, fotos, vídeos, buscas e apreensões comprovam a atuação dos milicianos. As prisões não foram acatadas pela justiça.

PECUARISTAS, LATIFUNDIÁRIOS, MILIONÁRIOS

A disputa por terras é acompanhada de uma corrida entre milionários. Vejamos a lista de 15 candidatos a prefeito entre aqueles mais ricos – e que possuem mais propriedades rurais – nos 79 municípios do Mato Grosso do Sul:

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Entre os 30 candidatos a prefeito mais ricos, 29 possuem propriedades rurais. Somente o prefeito de Bodoquena fica de fora. A soma de bens desses 30 candidatos é de R$ 252 milhões. Eles possuem 162 propriedades rurais – que somam mais de 150 mil hectares. PSDB e PMDB lideram a lista – que inclui até um candidato do PSOL.

Em Anastácio, o tucano Nildo Alves lidera o ranking de bens, com R$ 48 milhões. O advogado possui tratores, equipamentos agrícolas e até avião. A fazenda São Marcos é avaliada em R$ 8,2 milhões. Outra delas, em Corumbá, foi declarada por R$ 9,4 milhões. Outras cinco fazendas totalizam R$ 15 milhões. Uma de suas fazendas motivou multa, em 2011, por extração ilegal de madeira.

O candidato também declarou 11.442 cabeças de gado, por R$14 milhões. Isso representa mais da metade do rebanho – de 21.387 cabeças – declarado pelos 30 candidatos mais ricos do estado.

Ainda pelo PSDB, a lista tem o empresário Delano Huber, com R$ 22 milhões. Candidato em Camapuã, ele tem seis propriedades, que somam mais de R$ 10,2 milhões – em 22 mil hectares – e compõem o complexo Fazenda Mutuca. Pecuarista, o candidato foi premiado este ano pela Associação Sul-Mato-Grossense de Produtores de Novilho Precoce. Em 2013, a estrada que dá nome ao complexo de fazendas passou por reforma que ganhou até festa na sede, com a presença do deputado estadual Júnior Mochi (PMDB) – outro presente no Leilão dos Ruralistas.

O tucano também possui R$3 milhões investidos em 1500 cabeças de gado. A casa do candidato foi alvo de um atentado no último domingo (25): um rojão foi lançado contra o local, enquanto ele fazia campanha em fazendas na região.

Em Chapadão do Sul, uma das dez maiores cidades produtoras de soja no estado, o PMDB tem como candidato um gigante local do agronegócio: Walter Schlatter, um dos filhos de Alberto Schlatter, considerado por seus pares um visionário. O patriarca ganhou em 1973 o certificado de “Rei da Soja”, pela Comissão Organizadora da Primeira Festa da Soja de Itambé (PR). Em 1980 o grupo chegou a Mato Grosso do Sul, a Chapadão.

(Foto: Grupo Schlatter)
(Foto: Grupo Schlatter)

Somente Schlatter declarou 90 mil hectares. É um dos políticos com mais terras no Brasil. A família tem hoje fazendas e empresas em Chapadão do Sul, Chapadão do Céu (GO), São Félix do Araguaia (MT), Costa Rica (MS), Alto do Araguaia (MT), Vila Rica (MT) e Santa Cruz do Xingu (MT). Schlatter declarou R$ 33 milhões, distribuídos em 47 propriedades, sítios e fazendas espalhados por Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.

O PMDB tem como candidato à reeleição em Alcinópolis o pecuarista Ildomar Fernandes. Ele é dono de uma fazenda de quase mil hectares no município, com valor de R$ 7,6 milhões, além de 902 cabeças de gado. Ele é primo do ex-vereador Carlos Antônio Carneiro Costa, assassinado em 2010 em frente de um hotel na Avenida Afonso Pena, principal via de Campo Grande. O ex-prefeito de Alcinópolis, Manoel Nunes, chegou a ser preso, acusado de ser o mandante da emboscada.

DETALHES

Em Aquidauana, outro tucano, Odilon Ribeiro, declarou-se pecuarista. E possui uma fazenda com mais de 8 mil hectares. Mas não registrou nenhuma cabeça de gado. O mesmo ocorre com o produtor agropecuário Alvaro Urt (DEM), candidato em Bandeirantes.

Em Ribas do Rio Pardo, o candidato João Alfredo Danieze (PSOL), um advogado com R$ 5 milhões em bens, declarou 500 hectares em um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), destinado à reforma agrária: o assentamento Mutum.

LEIA MAIS:
Políticos declaram e exploram terras em áreas indígenas, na Amazônia e no MS

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