Débora Lerrer: “Kátia Abreu e Blairo Maggi estão unidos pelos interesses de classe”

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(Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

Pesquisadora da UFRRJ diz que ausência de uma reforma agrária digna desse nome foi um “tiro no pé” dos governos petistas, ajudando a pautar a sociedade pelo agronegócio e a fortalecer a oligarquia ruralista

Em entrevista ao De Olho nos Ruralistas, Débora Lerrer diz que nos tornamos uma sociedade mais conservadora. “Politicamente pautada pelo agronegócio, e não pela reforma agrária”. Ela é professora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Débora é uma das autoras de um livro que está sendo editado – com previsão de lançamento em 2017 – pela Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul, sobre a política agrária nos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Com mestrado em Comunicação Social, na USP, e doutorado no próprio CPDA, ela diz que houve uma decisão política de não se dar visibilidade ao problema agrário brasileiro. Aqui ela fala do histórico de fraudes no campo brasileiro, da compra de terras por estrangeiros, da derrubada de Dilma Rousseff pelos ruralistas e do modelo do agronegócio (definido pelo professor Guilherme Delgado como um pacto político), apoiado por todos os últimos governos: “Kátia Abreu e Blairo Maggi disputam a representação do setor, mas vão se unir quando qualquer política agrária séria surgir para ameaçar os interesses de sua classe. E é só com esse tipo de política que o Ministério da Agricultura deixará de ser hegemonicamente o Ministério do Agronegócio”.

(Foto: Arli Pacheco)
Débora Lerrer, professora da UFRRJ (Foto: Arli Pacheco)

Por Alceu Luís Castilho

De Olho nos Ruralistas – Você está participando de um livro – que será lançado no ano que vem – com dezenas de artigos sobre a questão agrária em Lula e FHC. Fernando Henrique Cardoso fez mais assentamentos de reforma agrária, mas tinha oposição forte dos movimentos sociais. Lula aliou-se ao agronegócio, mas sem oposição dos movimentos. Quais as consequências disso que você define como um paradoxo?

Débora Lerrer – Importante frisar que se falava muito mais de reforma agrária nos governos do FHC do que nos governos de Lula justamente porque os movimentos sociais lhe faziam oposição e estavam obtendo grande visibilidade com suas lutas. Esperava-se que Lula fizesse alguma reforma agrária que pudesse ser digna desse nome. Acho que foi menos por falta de mobilização dos movimentos sociais – pois estes continuaram se mobilizando – que passamos, paradoxalmente, a presenciar o silenciamento deste tema e a diminuição do número de acampamentos sem-terra no Brasil. É mais pela falta de conquistas concretas e de uma decisão política de não dar visibilidade ao problema agrário brasileiro. Quando há conquistas sempre é mais fácil convencer alguém a ir acampar. Mas se o sujeito percebe que vai ter que ficar oito ou dez anos embaixo da lona preta para conseguir terra ele não vai.  Esse quadro foi uma decisão interna do governo petista. Um verdadeiro tiro no pé.

De Olho – Qual a consequência disso?

Débora Lerrer – A consequência principal é que nos tornamos uma sociedade mais conservadora, politicamente pautada não pela reforma agrária e sim pelo agronegócio. No início dos anos 2000 era absolutamente impossível imaginar que com a eleição do Lula figuras como os senadores Ronaldo Caiado e Katia Abreu teriam algum peso político. Crescer economicamente sem mexer no monopólio fundiário, ou seja, no caso do Brasil, sem ameaçar a expansão territorial do capitalismo no campo, regulando a forma seletiva como as classes dominantes se apropriam de vastas porções do território nacional para fazer o que bem entendem, através de informações privilegiadas ou por pura fraude, é fortalecer o poder político da oligarquia muito bem representada no nosso Congresso Nacional. Minha tese vem de uma leitura que considero clássica desse problema [“As origens sociais da democracia e da ditadura: o senhor e o camponês na formação do mundo moderno”, de Barrington Moore Jr.], que é como se fizeram as transições para o capitalismo em algumas sociedades. Onde o patronato rural não foi deslocado do poder político com algum tipo de reforma agrária, as sociedades tendem ao conservadorismo político, porque o poder político dessa oligarquia se fortalece com o crescimento econômico.

“Em 2000 era impossível
imaginar Ronaldo Caiado
com algum peso político”

De Olho – Como se traduziu tudo isso para a população?

Débora Lerrer – A camada mais pobre da população brasileira desfrutou de muitas políticas públicas fortalecidas e ampliadas pelo governo Lula, mas tinha de ter tido acesso ao ativo primordial: terra. Enquanto isso, os ricos desse país só ficaram ainda mais ricos e, portanto, mais poderosos politicamente. O governo Lula optou por fortalecer políticas públicas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), criados no governo FHC justamente por pressão das lutas dos movimentos sociais do campo, sobretudo a luta pela reforma agrária. Acontece que se não se luta por reforma agrária, todas essas políticas correm o risco de serem desmanteladas. Crescimento econômico no Brasil com esse tipo de agronegócio significa inserir uma região ainda não totalmente integrada ao capitalismo, ameaçando as populações que vivem nesses lugares. Com a frouxidão da política fundiária, as populações que estavam pelo caminho foram geralmente derrotadas, como no emblemático caso de Belo Monte. O governo do PT, ao não fortalecer uma política agrária consequente, tornou-se o pelego desses conflitos. Continuamos dominados por uma oligarquia rural, articulada internacionalmente e com negócios diversificados e, é claro, por uma oligarquia midiática que detém um patrimônio fundiário nada desprezível.

(Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)
(Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)

De Olho – Dilma Rousseff caiu com apoio explícito do agronegócio. Em seu artigo você conta que essa decisão ocorreu em 2014. Como foi isso? E por quê?

Débora Lerrer Eu tomei essa informação da coluna da Sonia Racy, no Estadão, publicada em 15 de junho de 2016, que descrevia o jantar de comemoração dos 97 anos da Sociedade Rural Brasileira. A informação é pública. É só espantoso ver como eles, que ganharam tudo desse governo – reforma do código florestal, planos safra, congelamento dos índices de produtividade – são politicamente “leais” a quem os ajudou tanto. Segundo a matéria, a Frente Parlamentar da Agropecuária garantiu 87 dos 92 votos do bloco em favor do impeachment.

“Sociedade normalizou
existência de um monopólio
fundiário absurdo”

De Olho – Metade do Congresso é ruralista. Mas se fala muito mais das bancadas evangélica (algumas dezenas de deputados) e da bala (bem menos). Por que essa minimização? E qual o papel dessa bancada na sustentação do governo Temer?

Débora Lerrer – Quem detém o poder político e econômico também impõe uma forma hegemônica de contar as histórias. Uma das formas que eles têm de manter o seu domínio sobre a população brasileira é compartilhada pela sociedade que normalizou a existência de um monopólio fundiário absurdo. Não tocar muito neste assunto é uma forma de mascarar cotidianamente o problema. Para eles, os anos do Governo FHC foram uma tormenta porque a crise agrícola provocada pelo Plano Real e pelo fim de várias políticas públicas que os fortaleciam como o Plano Safra, a política de garantia de preços, fez o preço da terra baixar. E, para piorar, falava-se muito de reforma agrária. Que não é só desapropriar terra. Para mim, é reconhecer áreas indígenas, territórios quilombolas e de populações tradicionais como os fundos de pasto na Bahia. Eles acham essas políticas de regularização fundiárias as mais ameaçadoras para seus interesses. Tanto é que entraram com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o reconhecimento de territórios quilombolas e inventaram essa PEC para passar a demarcação de terras indígenas para o Congresso. Com esse Congresso coalhado de senhores de terra e especuladores do mesmo calibre é o mesmo que dar a chave para a raposa cuidar de um galinheiro.

De Olho – O governo Temer demonstra estar pagando a fatura para essa bancada. Quais os maiores riscos de retrocesso, em relação aos direitos ambientais e dos povos do campo?

Débora Lerrer – A aprovação da PEC 215 e a paralisia de vários dos processos de reconhecimento de territórios tradicionais, junto com a permissão de vender terras aos estrangeiros. Na verdade, os gringos já estão comprando muita terra no Brasil.  As grandes empresas estrangeiras visíveis, sobretudo as papeleiras, como a Stora Enso, é que ficam meio inibidas de comprar. As outras estão comprando a rodo e o grande filão deles é o chamado Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), cujo plano de desenvolvimento foi lançado pela ministra da Agricultura de Dilma.

(Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)
(Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

De Olho – Kátia Abreu voltou ao Senado, após o afastamento de Dilma, sob elogios dos mesmos senadores que derrubaram a presidente. Por quê? O Ministério da Agricultura continuará sendo Ministério do Agronegócio, em qualquer governo? Com quais nuances? Qual a diferença entre Kátia Abreu e Blairo Maggi?

Débora Lerrer – A Katia Abreu garantiu muitas coisas que eles queriam. Ela influiu na Lei nº 13.001, de 2014, que aparentemente é boa para os assentados de reforma agrária, mas incentiva a titulação das terras daqueles que quitarem seus débitos e financiamentos, que serão emancipados. O Ipea estima que grandes extensões de terra públicas reformadas entrarão no mercado de terras. E podem se reconcentrar de novo. Ou seja, um presente e tanto para os ruralistas, que não apreciam que as terras sejam do Estado. Isso dificulta que ela possa ser usada como reserva de valor e garantia de financiamento, a especialidade econômica dessa turma. A Kátia Abreu foi extremamente eficiente. E a presença dela no governo criou um incrível mal-estar entre a base de apoio da Dilma. Ou seja, dificultou que a esquerda se sentisse confortável em defender seu governo, mesmo percebendo a injustiça do impeachment. Ela e Blairo Maggi disputam a representação do setor, mas vão se unir quando qualquer política agrária séria surgir para ameaçar os interesses de sua classe. E é só com esse tipo de política que o Ministério da Agricultura deixará de ser hegemonicamente o Ministério do Agronegócio.

dima-katia

De Olho – Você cita uma definição de agronegócio, feita pelo professor Guilherme Delgado, que encara a palavra não como um conceito, mas como um pacto político-econômico. Concorda com essa visão? O que é o agronegócio no Brasil? E como ele se consolida, hoje?

Débora Lerrer – Agronegócio é uma palavra que conseguiu sintetizar para seus asseclas uma nova imagem para o que já existia e que era visto com antipatia pela sociedade. Achei interessante que o Washington Post publicou, em 2012, informações sobre uma pesquisa encomendada pela CNA da Katia Abreu. Obviamente não teve manchetes na nossa grande mídia oligárquica. Na época, a população brasileira ainda os considerava “truculentos, violentos, muito poderosos” e que “só produzem para exportação”. Ou seja, eles estão sempre precisando melhorar sua imagem, pois a propaganda nem sempre funciona. Devem estar gastando rios de dinheiro com isso. De qualquer modo, o termo serviu muito bem aos propósitos de seu maior propagandista, o ex-ministro Roberto Rodrigues, para unificar o discurso deste setor que foi se tornando crescentemente rentável a partir da desvalorização do real em 1999 e da alta demanda por soja e demais commodities pela China. Quando ele chegou ao Ministério da Agricultura, em 2003, tratou de tornar essa palavra oficial e, pelo visto, conseguiu convencer muita gente dentro do governo do PT, e de lá ganhou o Brasil. Delgado não o considera um conceito teórico, por razões heurísticas, ou seja, não é uma palavra que sirva para investigar algo. É um termo técnico que descreve o que antes se chamava de “complexos agroindustriais”, ou seja, os negócios que se fazem no campo e nos ramos de produção a montante, como indústrias de fertilizantes e insumos, e à jusante, como uma fábrica de queijos. Por esta razão, ele define este termo como “pacto de economia política entre cadeias agroindustriais, grande propriedade fundiária e Estado”, que desde o segundo governo FHC até a Dilma vem impondo cada vez mais, diz ele, uma estratégia privada e estatal de perseguição da renda fundiária como diretriz principal de acumulação de capital para o conjunto da economia. Ou seja, o crescimento econômico do Brasil se pauta pelo financiamento da produção agrícola de larga escala para obter lucro para o conjunto da economia, as tais reservas que garantem a estabilidade econômica nestes tempos. Mas no caso brasileiro, isso envolve o mercado de terra, cujo valor aumenta se tem dinheiro sendo emprestado a juros interessantes e alta demanda pelos produtos que devem ser produzidos. Quem está envolvido nesse negócio se amplia amealhando mais terras para produzir ou investe dinheiro em terras com a expectativa de sua valorização. Nas regiões onde há agricultura capitalista em alta escala o valor do hectare é estimado em sacas de soja. O problema é que com um mercado de terras peculiar como o brasileiro, que funciona desde 1850 em cima de fraudes e que costuma brindar a classe dominante com informações privilegiadas e acesso a vastas porções, ter dinheiro no mercado para financiar este setor significa aumento do preço da terra e de expectativas de lucro, ou seja, pressão em cima daqueles que não usam a terra como uma mercadoria e sim como parte do seu modo de vida.  Há muita gente no Brasil que tem esse tipo de relação com a terra. Ela é território, morada, identidade, produção de alimento e, em último lugar, dinheiro, e só em cima daquilo que sobrar.

“Não dá para pensar
em agronegócio sem
dinheiro do Estado”

De Olho – E como o entra o Estado nessa história?

Débora Lerrer – No nosso caso, não dá para pensar em agronegócio sem dinheiro do Estado e esse vastíssimo mercado de terras que se desenvolve em cima da incapacidade das instituições públicas de fazerem valer as leis escritas para regular esse uso. Ou seja, a terra tem de ter, antes de mais nada, função social. Ter produção compatível com a tecnologia, respeitar legislação ambiental e trabalhista e, se for uma propriedade privada, ter uma papelada decente. Há pelo menos 86,4 milhões de hectares de terras devolutas, ou seja, públicas, ilegalmente apropriadas pela elite fundiária brasileira. Eu costumo dizer que só a classe média no Brasil vive no mundo das escrituras e certidões de compra e venda. Os pobres invadem e os ricos também. A diferença é que estes últimos legalizam sua invasão de um território muito maior com mais rapidez. A excelente dissertação de Lea Malina, defendida na USP, demonstra que a Veracel, que é metade brasileira e metade sueco-finlandesa, comprou várias posses no sul da Bahia, mas conseguiu que o Estado baiano as legalizasse apenas dois anos depois de comprada. Curiosamente, em nome do antigo vendedor, embora a posse já estivesse com a empresa papeleira. Já o MLT (Movimento de Luta pela Terra) está acampado na mesma região, em terra comprada pela Veracel e comprovadamente devoluta, esperando desde 2009 essa agilidade do Estado baiano. Para piorar, suas famílias são ameaçadas por uma quadrilha que se diz da Fetag (Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Estado da Bahia) que, estimulada pela empresa, resolveu disputar a terra com os sem-terra do MLT. Aquela terra, a Fazenda São Caetano, é por sinal um caso típico de como se dá a apropriação de terras no Brasil. Seu ex-dono comprou 300 hectares, mas resolveu cercar um pouquinho mais: 1.900 hectares. Ou seja, pegou mais uns 1600 hectares por sua conta. No final, fez um negócio da China. Comprou 300 e vendeu 1.900 hectaares. Nada mal, né?

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