Com teto de gastos, direitos indígenas retrocederão 30 anos, aponta estudo

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Fotos: João Miranda/Revista Vaidapé
Fotos: João Miranda/Revista Vaidapé

Com orçamento estrangulado, Funai ficará brutalmente debilitada com congelamento; órgão já planeja cortar, este ano, até 130 das 260 unidades existentes

Por Cauê Seignemartin Ameni

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou um estudo calculando o impacto que a PEC do teto dos gastos públicos — PEC 241 na Câmara e agora PEC 55 no Senado — terá no orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai). O resultado é alarmante. O órgão, que já tem dificuldades para relacionar-se com os 817.963 indígenas de 305 etnias, ficará debilmente fragilizado se os gastos primários do governo forem congelados nos próximos 20 anos, aponta o documento intitulado “Nota Técnica Orçamento e Direitos Indígenas na Encruzilhada da PEC 55”.

O enxuto orçamento atual da Funai, autorizado para 2016, de R$ 502,8 milhões, representa 0,018% do Orçamento Geral da União. Em termos reais, tem um valor equivalente ao orçamento de dez anos atrás – dos valores autorizados entre 2007 e 2008, como mostra o gráfico 1. O retrocesso representado pela PEC será tanto que “em 20 anos teremos, na melhor das hipóteses, um orçamento equivalente ao valor, em termos reais, de 30 anos atrás”, calcula a pesquisa.

gráfico 1 / Dados e fonte: Valores Nominais (SIOPE-Planejamento). Valores Reais atualizados pelo IPC – A (IBGE) – Base em Janeiro 2016.
gráfico 1 / Dados e fonte: Valores Nominais (SIOPE-Planejamento). Valores Reais atualizados pelo IPC – A (IBGE) – Base em Janeiro 2016.

ORÇAMENTO ATUAL

A fragilidade institucional – reflexo da influência de grupos economicamente poderosos de olho no controle de terras e recursos naturais – dificultará que a política indigenista saia do papel como foi concebida na Constituição de 88. Os pesquisadores lembram que 89% dos recursos da pasta já estão comprometidos com a manutenção do órgão, debilitando as chamadas atividades-fim, centrais para a política indigenista. Para as despesas relativas a essas ações foram pagos, este ano, somente R$ 21 milhões. Ou seja, apenas R$ 25 por indígena.

De acordo com a pesquisa, o orçamento de 2016 começou a deteriorar-se por dois motivos: 1) corte em termos nominais que retirou R$ 137 milhões; 2) redução em termos reais provocada pela inflação de 2015, de 10,67%, sem reajuste. A situação se agravou com um memorando interno, recentemente divulgado pelo órgão, alertando que, se mantida a precária situação financeira, serão fechadas de 70 a 130 unidades administrativas das 260 existentes. Entre elas, 6 das 12 Frentes de Proteção Etnoambientais, responsáveis por atividades de proteção, monitoramento e fiscalização de territórios indígenas.

Em manifestação contra a PEC, que reuniu no fim de outubro diversas etnias indígenas no Mato Grosso, Erivam Moraivam, da etnia Apiaká, disse à Revista Vaidapé: “Não vão acabar com nós. Não acabaram com nós em 500 anos, não vão acabar com a gente agora. Agora nós temos estudos, temos parceiros, temos várias entidades que lutam junto com a gente”.

Leia abaixo alguns trechos importantes da Nota Técnica Orçamento e Direitos Indígenas na Encruzilhada da PEC 55. Para ler a pesquisa na integra clique aqui.

***

Essa PEC cortará brutalmente os gastos primários, que são todos os gastos do governo com políticas públicas, com o único propósito de liberar espaço no orçamento público para o pagamento dos juros da dívida pública federal. Ou seja: na sua essência, a PEC 55 tem a intenção de garantir que aqueles que de fato têm poder no Brasil – os grandes bancos e investidores que ganham dinheiro com a dívida pública -, possam dormir tranquilos com a certeza constitucional de que seus rendimentos “a preço de ouro” estarão seguros e protegidos acima dos direitos de toda a sociedade, incluindo os direitos dos povos indígenas.

O que podemos esperar, no caso da Funai, se a PEC 55 for aprovada?

1) Que os recursos do órgão, que representa 0,018% do Oamento Geral da União, serão congelados juntamente com dos demais gastos primários no nível de 2016.

2) Que o órgão, que já está institucionalmente debilitado graças ao insignificante orçamento que detêm, cujo valor está 90% comprometido com a manutenção da instituição, estará fadado ou à extinção ou a ocupar um título meramente figurativo no governo federal;

3) Que para reverter esse quadro de crise orçamentária e institucional, seria preciso retirar dinheiro de outra política pública ou de outro órgão executor do governo federal;

4) O que, então, nos coloca a seguinte questão: qual poder e prioridade tem, hoje e nos anos que virão, a Funai e a questão indígena no Brasil para disputar recursos com outros órgãos e políticas públicas para conseguir ampliar seu orçamento?

Essas questões evidenciam o desastre que a PEC 55 representa à sociedade como um todo e aos povos indígenas especificamente. Ela submeterá as políticas, os órgãos públicos e a sociedade a uma disputa fratricida por recursos que estarão congelados no tempo. Mas é bom sempre lembrar que a política e os interesses não estarão congelados como os recursos. Na prática, isso significa que os órgãos que têm menos poder são os que mais sairão perdendo nessa briga – justamente os órgãos que representam os interesses e direitos de quem mais precisa do Estado.

E não precisamos esperar 20 anos para ter certeza disso. Se olharmos o orçamento da Funai de 2016 e 2017, já teremos um boa visão da encruzilhada.

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