FHC, o Fazendeiro – Em Buritis (MG), Fernando Henrique criou gado e despejou MST com Exército

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Sede da fazenda em Buritis. (Foto: Reprodução/Gaudenzi)

Confira as fotos da Fazenda Córrego da Ponte, vendida em 2003; conflito com sem-terra foi uma das marcas do governo do sociólogo; governo mineiro tinha negociado terras devolutas

Por Alceu Luís Castilho

Contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Exército. Essa situação ocorreu entre 1999 e 2002, na Fazenda Córrego da Ponte, em Buritis (MG). O interessado era o presidente da República. A antiga sociedade entre Fernando Henrique Cardoso e Sérgio Motta tinha se transformado, um ano após a morte do ministro, em uma sociedade entre Jovelino Mineiro – amigo de ambos – e os filhos de FHC.

Confira aqui a história relacionada a Motta: “FHC, o Fazendeiro – Entenda como Sérgio Motta transformou Fernando Henrique em pecuarista”. Aqui, a série completa: “FHC, o Fazendeiro”.

Diante do acampamento com 200 sem-terra, em 1999, o Exército foi mobilizado para fazer a segurança da fazenda de 1.046 hectares, comprada dez anos antes. No ano seguinte, em setembro, eram 300 camponeses acampados em frente do portão principal. Eles queriam ocupá-la. Mas 300 soldados e policiais federais estavam de prontidão, conforme ordem do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Alberto Cardoso.

Em entrevista à revista IstoÉ (“A reeleição foi comprada”), em setembro de 2000, o governador e ex-presidente Itamar Franco rejeitou uma acusação de FHC – a de que o governo mineiro não dera proteção à fazenda. “Não é verdade”, disse ele. “O MST não invadiu a fazenda”. Ele ressaltou que a propriedade nem era do presidente: “Essa fazenda tem algum mistério. Muito complicada essa transação imobiliária”.

Ele considerou misterioso não se pedir proteção a prédios públicos ocupados pelo movimento:

–  Por que apenas essa fazenda tem que ser protegida pelas Forças Armadas? Aquilo de repente virou símbolo nacional. Desde quando essa fazenda, Córrego da Ponte, só porque o presidente eventualmente lá está, vira símbolo nacional?

ARQUITETO CONSTRUIU CASA DE JOVELINO MINEIRO

Sede da fazenda foi reconstruída em 2000. (Fotos: Gaudenzi/Reprodução)

A instalação da fazenda em Buritis, município a 240 quilômetros de Brasília, “a rainha do Vale do Urucuia”, não ocorreu de forma improvisada. Ao contrário do que dizem os biógrafos de Sérgio Motta, que o engenheiro teria cuidado de tudo, Fernando Henrique Cardoso deu seu toque pessoal: ele convidou um arquiteto carioca, Luiz Américo Gaudenzi, para projetar a nova sede da fazenda, em 2000, durante o segundo mandato presidencial.

São de Gaudenzi as fotos desta reportagem. Estão em seu site, o gaudenzi.com.br, como um dos exemplos de seu trabalho. A obra foi construída pela empresa Construções, Engenharia e Planejamento Ltda (Cenpla), de Osmar Penteado de Souza e Silva. O engenheiro foi colega de FHC na segunda metade do ensino básico, no Ginásio Perdizes, na Avenida Francisco Matarazzo.

O arquiteto Gaudenzi trabalhara para Jovelino Mineiro em 1991, construindo a sede da Fazenda Bela Vista, em Pardinho (SP) – onde FHC passou o réveillon de 2012. As sedes da Bela Vista e da “fazenda FHC” compõem 2 dos 24 trabalhos de concepção de uma casa – o portfólio traz também seis apartamentos – selecionados pelo arquiteto. O primeiro na lista é o da Bela Vista, premiada pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).

O arquiteto conta no site que a sede anterior da Fazenda Córrego da Ponte precisou ser demolida, pois a anterior tinha problemas estruturais. O sociólogo Fernando Henrique e a antropóloga Ruth Cardoso, “por serem um casal de intelectuais”, pediram um interior muito bem iluminado, “preferencialmente por luz natural, para poderem ler ou escrever com conforto”.

A casa anterior, em estilo colonial, de madeira, era escura. Para isso foram criadas janelas. A ventilação passou a ocorrer dos três lados da área social. Gaudenzi concebeu um telhado – feito com telhas de cimento, duráveis – que “flutuasse sobre as paredes”, integrado à cozinha e às “largas varandas”. Foi ele também que desenhou a estante principal, que pode ser vista em vários ângulos – 5 das 15 fotos mostram o salão.

COMPRA DA FAZENDA TEM HISTÓRIA CONTROVERSA

Em pronunciamento no Senado, em outubro de 2000, o senador Roberto Requião (MDB-PR) contou ter obtido a cadeia dominial do imóvel, que ele aponta como Fazenda Pontes. Em 1978, o governador mineiro, Aureliano Chaves (Arena), vendeu a terra devoluta – pública – para Wandir Galetti – que, em 1979, a vendeu para César Pedro Hartmann, que a vendeu (em 1989) para Sérgio Motta e Fernando Henrique Cardoso.

O preço era de NCz$ 6 mil. A Prefeitura de Buritis não concordou e a avaliou em NCz$ 131 mil.  Dois anos depois, em 1991, Motta e FHC vendem o imóvel para a Agropecuária Córrego da Ponte, deles mesmos, por US$ 20. Para Requião, “uma reincidência na sonegação”. Ele menciona uma avaliação publicada pela revista IstoÉ, no ano da compra, de que a fazenda valia US$ 500 mil.

Os sócios na Córrego da Ponte eram os próprios políticos. O interesse de Sérgio Motta por agropecuária não chega a contaminar Fernando Henrique com entusiasmo proporcional, mas ele entra no barco.  O contrato social foi alterado em 1999, um ano após a morte do ex-ministro as Comunicações. Saiu o espólio de Motta (representado pela viúva Wilma), entrou Jovelino Mineiro. Sai Fernando Henrique, entram os filhos, Luciana e Paulo Henrique Cardoso.

A Tribuna de Imprensa daquele outubro de 2000 trazia mais detalhes sobre o imóvel. A propriedade de 1.046 hectares – “746 de campos, 300 de cerrados” – pertencia nos anos 70 à Ruralminas, do governo mineiro. Três anos após a compra da fazenda, em 1992, Motta e Fernando Henrique (a rigor, era o engenheiro que administrava o empreendimento) plantaram arroz nas terras – como mostra uma hipoteca para o Banco do Brasil.

A biografia “Sérgio Motta, o Trator em Ação” (Geração Editorial, 1999) traz uma foto – do arquivo pessoal do engenheiro – com os dois políticos na fazenda, ao lado de um administrador chamado Wander. Ambos estão no meio do pasto. Motta, de chapéu. FHC, vestido socialmente. A foto ao lado mostra a sede da fazenda, em estilo colonial, bem mais rústica que a concebida pelo arquiteto Gaudenzi.

EM 1995, FERNANDO HENRIQUE VIA ‘BAZÓFIA’ DO MST

Fernando Henrique Cardoso comprou a fazenda um ano após a promulgação da Constituição de 1988 – ele era senador, eleito com 6,2 milhões de votos – e um ano após fundar o PSDB. No primeiro volume do livro “Diários da Presidência”, de 1995-96, presidente da República, ele faz várias referências à fazenda. Ora indo com a família, ora com integrantes do governo. (A jornalista Mirian Dutra diz que ele ia passar fins de semana com ela.)

No dia 6 de setembro de 1995, em conversa com sindicalistas, ele definiu como “bazófia” a declaração de um sem-terra de que invadiriam a fazenda caso ela fosse improdutiva. Em janeiro de 1996, o presidente recebeu Jovelino Mineiro, “que está cuidando das coisas da fazenda com Sérgio Motta”.

Somente três anos depois o pecuarista teria a propriedade em seu nome. Em setembro de 1998, Fernando Henrique jantou com Jovelino e com a filha, Luciana. “Para discutir as coisas da nossa fazenda”, disse ele, na primeira pessoa do plural.

Em junho de 1996, FHC relatou uma das viagens:

– Fui sozinho, sozinho é modo de dizer, sempre vão vinte pessoas para me cercar, seguranças, essa coisa toda. Fiquei lendo, fui dormir às nove da noite e no dia seguinte, hoje, acordei às oito. Percorri um pouco a fazenda, como já tinha feito ontem, só para rever um pouco os touros que estão por lá, ver a plantação, me distrair um pouco.

Foi quando ele disse que não tinha “nenhuma ingerência na fazenda”, conduzida por Motta e por seu compadre Jovelino, padrinho de dois de seus netos, que ele chama de Nê. “Eu estou perdendo a proporção dos recursos que tinha lá”, continuou, “porque não tenho conseguido botar dinheiro para expansão, e o Sérgio, proporcionalmente, tem mais do que eu”.

JOVELINO: ‘O PRESIDENTE GOSTA DE GADO’

Em 1995, um ano antes, em declaração à Folha, Jovelino Mineiro – e não Sérgio Motta – informou que a propriedade em Minhas tinha poucos recursos. “Mas o presidente gosta de gado, e uma de suas paixões é a conquista dos cerrados”, afirmou o pecuarista, dono de terras no Paraná, em São Paulo e em Minas: “FHC, o Fazendeiro – De Buritis (MG) a Botucatu (SP), saiba por que Jovelino Mineiro é o braço agrário da família Cardoso”.

FHC em raro traje rural. (Foto: Reprodução)

Uma reportagem da Veja em 1996 dizia que 2 mil homens do Exército estavam preparados para defender a fazenda de ataque do MST. “Não há nada de verdadeiro”, afirmou FHC. “Saiu uma fotografia minha a cavalo, como se as Forças Armadas fossem defender uma propriedade privada. Impressionante como se consegue confundir a opinião pública”.

Anos depois, o Exército foi deslocado para proteger a propriedade do amigo e dos filhos. A fazenda se tornou famosa – muito mais do que as terras atuais da família, arrendadas, em Botucatu. Em protesto contra a repressão em Minas, o MST ocupou terras de Jovelino Mineiro no Pontal do Paranapanema: “FHC, o Fazendeiro – Em Teodoro Sampaio (SP), Jovelino Mineiro arrenda fazenda para Odebrecht”. Com pronta desaprovação do general Alberto Cardoso, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional.

Perto da fazenda, a pista de pouso da Camargo Corrêa. (Imagem: Google Earth/Tijolaço)

Uma das polêmicas relativas à fazenda em Buritis foi sua proximidade com a pista de pouso da Camargo Corrêa. A empreiteira tinha terras contíguas, como demonstrou o site Tijolaço. Só que muito mais gente utilizava a pista para ir à Córrego da Ponte do que para a Fazenda Pontezinha. “Nunca vi avião nenhum da Camargo Corrêa pousando ali”, contou o fazendeiro Celito Kock à IstoÉ. “Mas da família de Fernando Henrique não para de descer gente”.

FAZENDA FOI VENDIDA HÁ 15 ANOS

Em 2003, parou. A Fazenda Córrego da Ponte foi vendida naquele ano (já, portanto, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva) para o empresário paranaense Luiz Carlos Figueiredo. Em entrevista à Folha, o fazendeiro declarou que não temia “invasões”. Ele contou ter comprado o imóvel por R$ 3,5 milhões. “Esse pessoal do MST só entra em terra com problemas”, alegou, “Vamos produzir com tecnologia”.

Quinze anos depois da venda da propriedade em Buritis, Fernando Henrique Cardoso ainda tem fazendas em nome dos filhos, em Botucatu (SP). Mas sob outra lógica, a do arrendamento. Confira aqui a reportagem sobre as terras no interior paulista: “FHC, o Fazendeiro – Fazenda da família de Fernando Henrique em Botucatu (SP) é um canavial sem casa e sem cercas”. Parte dessas terras foi desapropriada pela prefeitura de Botucatu para a construção de uma represa: “FHC, o Fazendeiro – Luciana Cardoso assinou em abril doação de áreas em fazendas para prefeitura de Botucatu ”.

LEIA A SÉRIE COMPLETA:
“FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht”.

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