Vale apoiou projeto de agrofloresta em comunidade soterrada

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Empresa responsável pelo soterramento apoiou projeto "sustentável". (Foto: Instituto Kairós)

Camponeses do Córrego do Feijão produziam alimentos orgânicos em área agora tomada pela lama; relatório de sustentabilidade da empresa mostra que Secretaria do Ambiente de Minas barrou atividades em 2016, mas mineradora obteve liminar

Por Júlia Dolce

A comunidade do Córrego do Feijão, composta por camponeses e por trabalhadores da mineração, foi a atingida mais direta pelo rompimento de barragem da Vale em Brumadinho (MG). Dez famílias tiravam seu sustento de um projeto de agrofloresta bancado pela própria empresa, por meio da Incubadora Social Kairós. Os camponeses produziam comida orgânica. Diante do crime ambiental, nesta sexta-feira, a região ficou coberta de lama.

O projeto Novo Rumo foi criado na comunidade em 2016 e chegou a atender a rede estadual e municipal de ensino de Minas Gerais, com produção de hortaliças, frutas e verduras 100% orgânicas, conforme informação da prefeitura de Serra Azul de Minas.

Marketing da empresa destacou produção de orgânicos pela comunidade. (Foto: Instituto Kairós)

Naquele mesmo ano, o relatório de sustentabilidade da empresa informava que, em junho, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais ordenara a suspensão de parte das atividades das minas de Jangada e Feijão, “em razão de alegados impactos em cavidades localizadas na área”. A própria mineradora relata o desfecho: “Contra a medida, a Vale obteve decisão liminar que autorizou as atividades das minas”.

A multinacional informa nesse relatório que a maioria dos agricultores do projeto aumentou a produção “significativamente”, passando a destiná-la a pousadas, restaurantes e feiras orgânicas da região.

Para a Vale, o projeto exemplificava seu compromisso com o apoio social e respeito à cultura local das comunidades diretamente impactadas pelas operações da empresa: “Um legado social, econômico e ambiental positivo”.

LIDERANÇAS ALERTARAM PARA RISCO DE ROMPIMENTO

Lideranças de movimentos sociais, moradores da região e políticos denunciavam há anos a probabilidade de um novo crime ambiental. Uma das integrantes do Movimento Águas e Serras de Casa Branca, bairro vizinho do Córrego do Feijão, Maíra do Nascimento conta que desde 2011 o movimento alerta para o impacto da extração de minério de ferro nos recursos hídricos da região:

– É uma água subterrânea, puríssima, e dependemos dela. Essa barragem já estava no mapa de barragens em risco de Minas Gerais, então isso é um desrespeito absurdo aos direitos humanos, ao meio ambiente e à diversidade. Já tínhamos a expectativa de que ela romperia.

O movimento estava ainda mais ativo nos últimos dois meses, diante da aprovação da ampliação de duas minas na região do Parque Estadual da Serra do Rola Moça. Antes, a Vale tinha duas minas separadas na região, a do Córrego do Feijão e a Mina da Jangada, localizada no próprio bairro de Casa Branca. No dia 11 de dezembro, o Conselho Estadual de Política Ambiental avalizou o aumento da exploração, com a junção das minas.

“Entraram com um novo licenciamento, desrespeitando a lei e realizando as três fases de licenciamento ao mesmo tempo, a licença prévia, a de instalação e a de operação”, descreve Maíra, em entrevista ao De Olho nos Ruralistas. “Disseram que isso não afetaria a nossa região”.

Em 2018, o Movimento Águas e Serras de Casa Branca e os habitantes dos bairros participaram de audiências públicas, manifestações, e criaram um abaixo-assinado contra a reativação das minas. No ano passado, lideranças também participaram de reuniões com os atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco S.A, controlada por Vale e BHP, em Mariana.

Segundo a militante, o movimento buscava a adesão de moradores da comunidade Córrego do Feijão, mas tinha dificuldades, pois a maioria deles trabalhava na mineradora:

– Eles são dependentes da mineração, grande parte da população trabalha direta ou indiretamente em função disso. Lá havia um córrego que abastecia a região, o córrego Ferro-Carvão, ele secou em função da atividade minerária e a Vale precisava manter sua vazão para garantir água na comunidade. Tentávamos auxiliar os moradores com essas questões. Alguns grupos de camponeses tentavam resistir e mudar a forma de economia da localidade, trabalhando com agricultura sustentável. Para eles, a única fonte de renda e sobrevivência era a produção da terra.

Em uma imagem compartilhada pelas redes sociais, o movimento denuncia: “Falamos e não nos deram ouvidos. Gritamos e fomos ignorados”.

Antes e depois: a área de mineração soterrada em Minas. (Imagem: Reprodução)

EMPRESA SIMULOU EMERGÊNCIA EM JUNHO

Em junho de 2018, a Vale realizou um simulado de emergência de barragem com os moradores das comunidades da região, testando recursos, rotas de fuga e pontos de encontro das localidades definidas em seus Planos de Ação de Emergência de Barragens de Mineração.

“Exercícios são de suma importância para a Vale”, afirmou na época o coordenador do complexo Paraopeba, Marco Conegundes, no site da empresa. “Com esse processo estamos fortalecendo nossa proximidade com a comunidade”.

A Vale admitiu no fim desta tarde o desaparecimento de 200 pessoas que trabalhavam na sede da empresa. O prédio administrativo e o refeitório foram completamente atingidos pela lama. Alguns moradores da região dizem que o alerta não foi disparado.

Além da busca por atingidos, mortos e desaparecidos, o governo de Minas tenta conter a extensão do dano ambiental e social. A barragem de Córrego do Feijão desagua no Rio Paraopeba, já tomado pela lama. Ele se junta com o Rio Manso, principal canal de abastecimento de água de Belo Horizonte.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os mananciais da região abastecem 40% da capital mineira.

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