Defensores de símbolo antifa falaram em “apropriação cultural”; Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Conselho Indígena de Roraima e povo da Terra Indígena Jaraguá, em SP, manifestaram-se contra o fascismo; milícia bolsonarista no Twitter atacou uma Pataxó
Por Alceu Luís Castilho
Um dos líderes da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, o jovem David Karai Popygua postou nesta terça-feira (02) em seu Facebook um avatar com as seguintes palavras: “Terra Indígena Jaraguá” e “Antifascista”. Ao centro, um grafismo indígena, preto no fundo verde. Foi o que bastou para uma antropóloga paulistana falar em apropriação cultural e pedir para ele manter o símbolo original antifa, com as bandeiras preta (anarquista) e vermelha (comunista). Na visão dela, ele não deveria modificar o que vem de “anos de luta, resistência e carregado de significado”.
Esta foi a resposta de David:
— Meu povo é anti-racista há milhares de anos. Sabe, pra nós esse símbolo dessa bandeira que postei é um símbolo sagrado do nosso povo. Ser antifascista pra nós, indígenas, é luta e pela natureza e não pela economia. Ser antifascista é a terra não ser vista como propriedade humana, mas um lugar sagrado livre e muito superior do que nós, humanos. Ser antifascista é ser indígena, que há milhares de anos se mantém com o pensamento de que é a terra que nos cuida. É a terra que é de todos nós. A palavra antifascista é usada pelo Juruá [não-indígena] e nós, pra não sermos desconexos com essa palavra, a usamos. Mas se é pra não se apropriar podemos dizer que somos indígenas e povos originários que pra bom entendedor saberá que não compactuamos com planos de poder e domínio.
David não foi o único a ser cobrado. Outra indígena reclamou, nas redes sociais, por “vir homem branco me dizer em 2020 que eu não posso usar a bandeira antifascista”. Invocando a sabedoria ancestral dos povos originários e teorias sobre anticolonialidade para dizer que continuava “antifascista, anticapitalista e antirracista”, sem necessidade de importar uma teoria europeia pra construir um projeto de sociedade.
SERÁ QUE O ANTIFASCISMO TEM CORES?
Não existe um monopólio de cores e símbolos do antifascismo. Durante a Guerra Civil Espanhola, as Milícias Operárias e Camponesas Antifascistas protegiam socialistas e comunistas dos ataques das milícias de direita. As cores eram o azul e o vermelho. O distintivo, uma estrela vermelha. (Não confundir o termo “milícias” com o sentido que ele ganhou no Rio de Janeiro: o de denominar grupos mafiosos, achacadores, ligados à extrema-direita e à própria família Bolsonaro.)
A Resistência Italiana — significativa quando se fala de fascismo — teve diversos símbolos e cores. Uma de suas conquistas temporárias em 1944, a República de Ossola, depois reconquistada pelos fascistas, tinha as cores verde, vermelho e (em vez do branco, a outra cor da bandeira italiana) azul. A Brigada Garibaldi, alinhada com os comunistas, estampava uma estrela vermelha na bandeira. E a luta não era um monopólio da esquerda: a Itália tinha liberais entre os antifascistas.
Boa parte dos protestos à esquerda contra os avatares ocorre por causa da utilização de símbolos de um movimento específico, o antifa, anticapitalista e desprovido de líderes e representantes. Os mais puristas não gostam que sejam alteradas as cores preta e vermelha das duas bandeiras. Outros desaprovam a utilização por quem não seja ativista, o que seria uma apropriação da luta pelo sistema. Outros não veem problema nenhum: alguns gostaram muito dos avatares indígenas, por exemplo.
O movimento antifa ganhou força nas últimas semanas com os protestos que começaram nos Estados Unidos, após a morte do segurança George Floyd no dia 25, em Minneapolis, sufocado por um policial, e já se espalham pelo mundo, de Paris a Curitiba. O presidente do país, Donald Trump, postou no Twitter que classificará o movimento antifa como “terrorista“.
APIB APROVEITA PARA PEDIR ‘FORA, BOLSONARO’
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) postou na segunda-feira seu avatar antifascista. Acompanhado da seguinte frase: “Somos indígenas, Somos de luta e resistência, estamos juntos em defesa da vida e de nossa democracia, não daremos nenhum passo atrás!” Em seguida, duas hashtags. A primeira diz: “Somos a cura da terra”. A segunda refere-se ao presidente da República: “Fora Bolsonaro”.
O Conselho Indígena de Roraima (CIR), que desde o fim de maio tem dois coordenadores (Edinho Macuxi e Maria Betânia) com Covid-19, postou também ontem um avatar antifascista, com dez penas de diversas cores sobre as duas bandeiras antifas. “O fascismo é um regime extremamente autoritário, cruel e elitista baseado na exclusão social”, postou o CIR. “Basta! Nossas vidas importam!”
A criação de avatares antifascistas por indígenas ultrapassa as fronteiras do território brasileiro. Na Argentina, o Movimiento Campesino de Santiago del Estero, por tierra, soberanía alimentaria, territorio, ligado ao Movimiento Nacional Campesino Indígena (MNCI), à Coordenadoria Latino-
DIREITA DEFINE PATAXÓ COMO ‘ÍNDIA BRANCA’
Se entre as fileiras da esquerda não há consenso em relação à utilização dos símbolos, com pressões muitas vezes disfarçadas de gracejos, nas fileiras da extrema-direita — por definição autoritárias, fascistas — as patrulhas ganham contornos de ataques diretos. De Olho nos Ruralistas não amplificará cada golpe baixo dado por perfis truculentos, nem sempre identificados, mas se faz necessário identificar a tendência, que inclui intimidações explícitas.
Uma jovem Pataxó com 13 mil seguidores no Twitter postou um avatar naquela rede social onde seu rosto se sobrepunha à imagem das bandeiras, com as seguintes palavras ao redor: “Indígenas antifascistas”. Antes mesmo do ataque de milícias bolsonaristas, ela trocou a imagem para uma da Mídia Índia onde estava escrito “Comunicadores indígenas antifascistas”, com a imagem de um indígena empunhando uma câmera.
Esses defensores de Bolsonaro não só passaram a defini-la como “índia branca”, por causa do tom de sua pele, como criaram um perfil para parodiá-la, “índia branca antifascista”, debochando da possibilidade de que um indígena possa ter cores diferentes de pele e, ao mesmo tempo, do direito dela — e de qualquer representante dos povos originários — se manifestar politicamente.
Esses ataques não são isolados, frutos de um ou outro perfil raivoso. Os povos indígenas vêm sofrendo ataques diversos, nos últimos anos, de políticos que chegaram ao poder com o governo Bolsonaro. Essas falas são racistas e estão relacionadas às políticas de expansão territorial do agronegócio — em cima de terras camponesas e indígenas — defendidas pelo governo.
Em reunião com o presidente e outros ministros no dia 22 de abril, o titular da Educação, Abraham Weintraub, disse com todas as letras que odeia uma das expressões que compuseram o parágrafo anterior: “Odeio o termo povos indígenas, odeio esse termo. Odeio. O povo cigano. Só tem um povo nesse país”. O ministro ainda completou, de forma enigmática: “Quer, quer. Não quer, sai de ré”.
Em 2014, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), na época deputado federal, um dos líderes da bancada ruralista no Congresso, discursava no Rio Grande do Sul, durante o governo Dilma Rousseff, quando, em referência a uma suposta defesa dos povos indígenas pelo ministro Gilberto Carvalho, referiu-se desta forma ao recebimento de minorias na Secretaria-Geral da Presidência: “É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo que não presta”.
| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas |