Empreendimento de multinacional francesa ameaça dez quilombos no Paraná

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Projeto da Engie prevê instalação de 1.069 torres de transmissão de energia sobre uma área de 320 mil hectares, sem que comunidades tenham sido consultadas; licenças ambientais de dois dos sete trechos do empreendimento foram suspensas judicialmente

Por Márcia Maria Cruz 

Com o plano de instalar mais de mil quilômetros de linhas de transmissão, o empreendimento Gralha Azul, da multinacional francesa Engie, trará impactos significativos em pelo menos dez territórios quilombolas na região dos Campos Gerais, no Paraná, área de grande importância ecológica e turística.

Com mil quilômetros de extensão, Sistema de Transmissão Gralha Azul ameaça quilombos paranaenses. (Imagem: Divulgação/Engie)

Essa é a conclusão de um estudo apresentado por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a pedido do Observatório da Justiça e Conservação, que constatou que as 1.069 torres de energia previstas no projeto, dispostas a cerca de 500 metros uma da outra, causarão impactos irreversíveis sobre a biodiversidade e a qualidade do solo ao longo de 320 mil hectares, o equivalente a sete vezes a área total de Curitiba.

Entre os quilombos diretamente afetados pelo empreendimento, estão as comunidades de São Roque e Rio do Meio, no município de Ivaí; Paiol de Telha, em Guarapuava; Sutil e Santa Cruz, em Ponta Grossa; Sete Saltos e Palmital dos Pretos, em Campo Largo; Preto de Cercado e Rio das Pedras, em Palmeira. No quilombo Manoel Ciríaco dos Santos, em Guaíra, uma das linhas passará a menos de 400 metros do território.

Segundo o líder comunitário Adir Rodrigues dos Santos, vice-presidente da Federação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná (Fecoqui), os quilombolas não têm sido consultados pela empresa:

— Não achamos legal. Até agora não temos notícia nenhuma. Estamos aguardando para ver se a empresa vai conversar e se vai nos indenizar ou não. Fomos procurados quando falaram que ia passar por aqui, conversaram com a gente e não voltaram nunca mais. Para nós, a linha de transmissão não traz lucro nenhum.

ESPECIALISTAS QUESTIONAM ESTUDOS DA EMPRESA

Para que uma empresa obtenha o licenciamento prévio de empreendimentos que representem impacto direto sobre territórios quilombolas, existem duas etapas de estudos. A primeira se dá dentro do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), onde a empresa deve informar se existem comunidades remanescentes de quilombos – certificadas ou com pedido de certificação – na área de abrangência do projeto, além de relatar potenciais danos e traçar medidas de mitigação e compensação.

A partir dessa identificação, deve ser realizado o Estudo do Componente Quilombola, regulado pela Fundação Cultural Palmares (FCP) e que requer um maior grau de aprofundamento sobre o histórico de ocupação e uso da terra pelos quilombos, para determinar de forma precisa os impactos diretos e indiretos às comunidades. “Os dois estudos deveriam ser complementares, uma vez que o estudo específico congrega informações importantes para que o órgão ambiental tenha condições de avaliar a viabilidade ambiental do empreendimento”, afirma o sociólogo e consultor ambiental Rafael Brito.

Para o Sistema de Transmissão Gralha Azul, no entanto, nem a FCP nem o Instituto de Água e Terra do Paraná (IAT-PR) atenderam a solicitação relativa ao componente quilombola. Segundo Brito, embora o EIA faça referência às comunidades tradicionais quilombolas, as caracterizações são precárias, sendo insuficientes para avaliar os efeitos e impactos que a linha de transmissão terá sobre o modo de vida destas comunidades:

— [As caracterizações do EIA] não permitem identificar nem mesmo aspectos mais gerais, tais como os meios de acesso, número de famílias, situação socioeconômica. Também não ocorre uma caracterização sociocultural, relacional e simbólica, de forma que não é possível observar a relação de dependência e interações entre essas comunidades, seus territórios e os recursos ambientais impactados pelo empreendimento.

PROJETO AMEAÇA PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO E BIODIVERSIDADE

Um dos trechos mais controversos do complexo Gralha Azul é o que vai de Ponta Grossa, nos Campos Gerais, até Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba. Neste segmento, a linha de transmissão passa por cima da Área de Preservação Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, conhecida por seus sítios arqueológicos e como um dos principais refúgios de fauna e flora no estado. Segundo o Estudo de Impacto Ambiental realizado pela Engie, somente neste trecho serão instaladas 398 torres.

Riqueza natural e arqueológica dos Campos Gerais. (Foto: Marta Regina Barroto do Carmo/UEPG)

Composto por quinze linhas de transmissão interconectadas, o Sistema de Transmissão Gralha Azul se divide em sete trechos, dos quais cinco apresentaram relatório ambiental simplificado. Os dois trechos que dependem de licenciamento ambiental estão suspensos por liminar da Justiça.

No dia 5 de outubro, em resposta a uma ação civil pública protocolada por organizações da sociedade civil e ambientalistas, a 11ª Vara Federal de Curitiba concedeu liminar para anular as licenças das linhas de transmissão em 525 kV nos trechos Ivaiporã-Ponta Grossa e Ponta Grossa-Bateias, sob a justificativa de que a instalação e operação das torres implicará no corte de vegetação nativa, morte de animais, degradação do solo e na potencial perda de patrimônio arqueológico.

Segundo o grupo de pesquisadores da UFPR cujo trabalho baseou a ação na Justiça, os Estudos de Impacto Ambiental apresentados pela empresa possuíam problemas sérios em relação ao cumprimento da legislação vigente. Um exemplo disso é que os Termos de Referência – documentos que informam as diretrizes para a elaboração desse tipo de estudo – não constavam no processo de licenciamento ambiental.

O Ministério Público do Paraná questionou ainda as razões para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) não ter participado do  processo de concessão das licenças prévias (LP) e de instalação (LI) do empreendimento.

Márcia Maria Cruz é jornalista. |

Foto principal (Terra de Direitos): quilombo Paiol de Telha, o primeiro a ser titulado no Paraná, está entre as comunidades ameaçadas por projeto da multinacional Engie

|| A cobertura do De Olho nos Ruralistas sobre o impacto da pandemia nas comunidades quilombolas tem o apoio da Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo da Google News Initiative ||

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