Movimentos articulam ações para denunciar desmontes de políticas públicas, fortalecer iniciativas de solidariedade e avançar na construção de uma frente ampla em defesa do direito à alimentação segura e de qualidade; veja como ajudar
Por Mariana Franco Ramos
Mais de cem organizações do campo, da cidade, das águas e das florestas se articularam para desenvolver entre 12 e 18 de outubro, durante a Semana Mundial da Alimentação, ações de combate à fome no país. A campanha “Gente é pra brilhar – não para morrer de fome” reúne ativistas, professores, líderes, cozinheiros e especialistas de diferentes áreas, em conferências virtuais, oficinas, atos religiosos e performances artísticas.
No sábado (17) e no domingo (18), para fechar a programação, os organizadores planejam um “Marmitaço”, com distribuição de refeições, elaboradas por chefs renomados, como Paola Carosella, Bel Coelho, Helena Rizzo e Rodrigo Oliveira. Embora o maior foco seja São Paulo, há atividades previstas em diversas capitais.
Segundo Susana Prizendt, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e uma das articuladoras da ação, ao longo de 2019 foram promovidos 44 banquetes, em 17 estados. A ideia é mobilizar os mesmos movimentos envolvidos e também buscar outros. “A gente não pode ocupar o espaço público, como ocupava antes, para não fazer aglomeração”, lembra. “Estamos unindo todas essas redes que já atuam nas comunidades, nos territórios, para que somem energia”.
O principal objetivo é expor as complexidades do modelo produtivo atual. “Queremos chamar a atenção para o crescimento da fome, o que está por trás, quais as consequências e os desdobramentos, mas também mostrar que a sociedade civil está na luta”.
O número de pessoas com “privação severa de alimentos” no Brasil aumentou em 3 milhões nos últimos cinco anos, chegando a 10,3 milhões. Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e se referem ao período que vai de junho de 2017 a julho de 2018. A proporção na área rural foi de 7,1%, contra 4,1% na área urbana. O levantamento não inclui pessoas em situação de rua.
A expectativa é, a partir dessa primeira semana, construir uma frente ampla e permanente, que por um lado denuncie os desmontes dos governos e cobre a efetivação de políticas públicas e, por outro, dê visibilidade a campanhas de arrecadação e ações de solidariedade realizadas nos territórios brasileiros.
“A gente enfrenta um desgaste muito grande e, daqui a pouco, não vai mais dar conta de atender à demanda”, destaca Susana. “Vamos unir toda essa rede – tanto pessoas que trabalham na questão teórica, como aquelas que atuam na prática – para reverter esse processo”.
Quem tiver interesse em aderir à campanha pode assinar a carta. A programação completa está disponível aqui. A lista de organizações que participa e que recebe doações foi publicada aqui.
FRENTE DISTRIBUIU DEZ TONELADAS DE ALIMENTOS EM SÃO PAULO
Uma das organizações participantes é a Frente de Trabalho Anticorpos Agroecológicos, que surgiu em meio à pandemia para fornecer alimentos saudáveis na periferia da capital paulista. Conforme o educador ambiental Lucas Ciola, membro da cooperativa Terra e Liberdade e coordenador da campanha, oitenta comunidades já foram beneficiadas, em mais de duzentas entregas, que totalizaram dez toneladas. O grupo arrecadou, desde o início da crise sanitária, R$ 34.639, sendo que ainda há em caixa R$ 743.
O objetivo da iniciativa, segundo ele, é promover um diálogo campo/cidade, mostrando a importância de comer alimentos mais saudáveis, que fazem diferença na manutenção da saúde. “Criamos um kit padrão, para reduzir variáveis, já que é complexo fazer logística de alimentos frescos”, explica. “Determinamos que as doações teriam em média 100 quilos – duas caixas de legumes, duas de frutas e duas de folhas, o que o agricultor tivesse encalhado”.
Para viabilizar as ações, a rede contou com apoios como do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), com doações de pessoas físicas e voluntários. “No primeiro mês foram doações informais”, acrescenta Ciola. “No segundo eu juntei quem veio falar comigo e formamos uma equipe, com o pessoal da rede agroecológica. Mapeamos situações de fome nas comunidades e fizemos o escoamento. Esses 100 quilos era o que cabia em qualquer carro”.
A frente montou também um Galpão Agroecológico, que é um entreposto de alimento orgânico, cooperativo e solidário, para apoiar iniciativas de segurança alimentar e a prática do comércio justo. O local hospeda ainda uma feira agroecológica. “Criamos uma lojinha com a proposta de fazer alimento orgânico mais acessível”, relata o educador.
O Anticorpos pretende fazer uma campanha recorrente, em plataforma virtual de arrecadação. “Vamos manter as doações, a partir do galpão e da feirinha que a gente organiza – o que não for vendido vai para doação – e vamos também fomentar a horta, para incentivar a agricultura urbana”.
SEM-TETO ENTREGAM 600 QUENTINHAS EM COMUNIDADES
A Cozinha da Ocupação 9 de Julho, de São Paulo, vai fornecer 600 quentinhas durante o “Marmitaço” de domingo, em parceria com o Sopão das Manas e a Escola de Samba Vai-Vai. “Várias cozinheiras e chefs vão se juntar para participar”, diz Edouard Fraipont, co-realizador da cozinha da Ocupação, que é ligada ao Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). As entregas serão em cinco comunidades, no Jabaquara, em Heliópolis, na Bela Vista, no Jaguaré e no centro da cidade, para pessoas em situação de rua.
Desde 31 de maio, a 9 de julho realiza a campanha “Lute como quem cuida”, que conta com o apoio do MST. “Todo domingo a gente prepara um almoço com quentinhas e distribui na periferia, também em parceria com a Casa Verbo”, afirma Fraipont.
Até agora, já foram distribuídas 8 mil quentinhas somente nesta ação e mais nove mil em projetos paralelos. A ocupação foi retomada pelo MSTC em 2016, após vários despejos, e é hoje o lar de 124 famílias — em torno de 500 pessoas.
“A gente preza muito, além da quantidade, por fazer uma comida saborosa”, comenta o ativista. “Por isso que a gente convida grandes chefes de cozinha, renomados; é para ter um carinho com essas comunidades”. A intenção, completa, é criar um campo de interação de saberes, de trocas: “Não é só entregar arroz e feijão. Reforçamos que as próprias comunidades montem suas cozinhas solidárias. Há todo um valor envolvido”.
PROJETO UNE PRODUTORES E FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE
Criado em abril, ainda no começo da pandemia de Covid-19, o projeto De Ponta a Ponta une pequenos produtores agroecológicos, que perderam renda com o fechamento de bares e restaurantes, a famílias de estudantes, que tinham na merenda escolar a principal refeição. “Muitos deixaram de vender e os pequenos sentiram mais”, afirma Solania Horti, vice-diretora da Escola Estadual Professor José Monteiro Boanova, no Alto da Lapa, em São Paulo, onde acontecem as entregas.
“A ideia é arrecadar recursos para conseguir comprar os produtos deles, montar as cestas de hortifruti e entregar para as famílias que precisam”. As compras são feitas com recursos vindos de doações e a prestação de contas é aberta.
Além da comunidade escolar, são atendidos moradores do entorno, sem nenhuma distinção. “A gente está há 21 semanas fazendo a ação”, diz Solania. “Seguimos devagar e sempre, fazendo o que é necessário. A gente já estabeleceu um vínculo, uma relação com as famílias, e isso tem sido bem legal”.
Quem tiver interesse pode ajudar doando alimentos, oferecendo apoio logístico ou transportando os kits. A orientação é que os voluntários entrem em contato pelo e-mail: projetodepontaaponta@gmail.com. Há a possibilidade de levar o projeto para outras escolas, desde que a direção e a comunidade escolar apoiem e se envolvam na montagem e na distribuição das cestas.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Divulgação/Facebook): coletivos de distribuição de refeições e alimentos planejam “marmitaço” em diversas capitais
|| A cobertura sobre segurança e soberania alimentar durante a pandemia tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil ||