Dos dez candidatos que que disputarão o segundo turno em cinco capitais da região, apenas Edmilson Rodrigues, em Belém, e Socorro Neri, em Rio Branco, citam em seus planos de governo a urgência de combater a crescente insegurança alimentar
Por Sarah Fernandes
Nas cinco capitais do Norte onde haverá disputa do segundo turno das eleições municipais no domingo (29), apenas dois candidatos citam em seus planos de governo a urgência em combater o aumento da fome, um drama que afeta a região de forma mais aguda que no restante do Brasil. O tema, diferentemente do que pode sugerir a maior parte das campanhas, é prioridade entre a população mais pobre, que viu sua renda diminuir nos últimos anos e o fantasma da insegurança alimentar ganhar força.
De Olho Nos Ruralistas analisa, nesta semana, as propostas dos prefeituráveis das capitais onde há segundo turno, avaliando planos de governo e propostas voltadas para o combate à fome e o incentivo à produção e à distribuição de alimentos de qualidade.
Na região Norte, apenas os candidatos Edmilson Rodrigues (PSOL), que concorre à prefeitura de Belém, e Socorro Neri (PSB), de Rio Branco, citam em seus planos de governo — de 25 páginas e 39 páginas — o problema do aumento da fome em seus municípios. Nos documentos protocolados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o bolsonarista Delegado Eguchi (Patriota) e Tião Bocalom (PP) sequer mencionam os termos “fome” ou “segurança alimentar”.
A situação se repete em Boa Vista, Porto Velho e Manaus — onde o candidato à prefeitura Amazonino Mendes (Podemos) não menciona, em documento de apenas sete páginas, temas como alimentação ou políticas de incentivo à agricultura em seu plano de governo.
O número de brasileiros em situação de insegurança alimentar entre 2017 e 2018 (último dado disponível) foi o maior desde que o monitoramento começou a ser feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2004, como relatou o observatório: “Redução de programas sociais levaria Brasil à fome mesmo sem pandemia“.
Ao todo, 84,9 milhões de pessoas — mais de um terço da população — moravam em domicílios com algum grau de insegurança alimentar. Deles, 10,3 milhões viviam em residências com privação severa de alimentos. Foi a primeira vez que os índices aumentaram no país.
A situação foi particularmente pior nos estados da região Norte: menos da metade dos domicílios (43%) tinha acesso pleno e regular a alimentos, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil. A privação severa de alimentos atingiu 10,2% dos domicílios da região, a mais vulnerável do país.
Sobre essa situação, Eduardo Amaral Borges, integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) da Amazônia e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, pontua:
— Nas áreas rurais da Amazônia há uma condição de insegurança alimentar muito significativa, porém, as estratégias eleitorais dos candidatos acabam, na maioria das vezes, dando prioridade a temas mais ligados ao ambiente urbano e ao combate à pobreza nessas áreas, deixando de dedicar um olhar mais abrangente à questão da fome.
PROPOSTAS VAGAS DOMINAM DEBATE SOBRE PROGRAMAS DE COMBATE À FOME
Em geral, as propostas para promoção de segurança alimentar dos candidatos ao segundo turno nas capitais do Norte são pouco precisas e não detalham ações ou estratégias para o enfrentamento eficaz do problema. Os documentos trazem algumas intenções de forma bastante vaga, como “fomento à agricultura familiar” e “reforço do programa de alimentação escolar”, ponto que, em específico, aparece em oito dos dez programas analisados, excetuados os de Amazonino (Manaus) e Delegado Eguchi (Belém).
Este último cita a palavra “alimentação” apenas duas vezes em seu plano de 34 páginas: uma delas em um programa para estimular que a iniciativa privada supra a alimentação de dependentes químicos em tratamento; outra em um projeto para “melhorar o nível geral dos conhecimentos da população sobre os fatores essenciais para a vida saudável” — de procedimentos profiláticos e prática de atividades físicas ao aleitamento materno e primeiros socorros.
O mesmo ocorre com o candidato Artur Henrique (MDB) em Boa Vista. Em seu plano de dez páginas, políticas para alimentação fazem parte de um projeto para “dar suporte técnico, material, alimentar e garantir vaga na creche” às crianças ou de ações pouco específicas para ampliar a compra de alimentos da agricultura familiar para consumo na merenda das escolas.
Seu oponente, Ottaci Nascimento (Solidariedade), apresenta em 47 páginas políticas mais concretas, apesar de tímidas, e prevê criar hortas familiares e comunitárias, chefiadas por mulheres, além de um armazém social para garantir alimentos subsidiados à população mais pobre.
Em Manaus, enquanto Amazonino não faz menção ao tema, seu rival, David Almeida (Avante), tem entre suas diretrizes estratégicas — distribuídas em 68 páginas — “garantir a segurança alimentar da população”, por meio do que chamou de “educação para a segurança alimentar” e pelo fortalecimento de restaurantes populares e cozinhas sociais.
Nas nove páginas do seu plano de governo, o atual prefeito de Porto Velho e candidato à reeleição, o tucano Hilton Chaves promete “austeridade” (escrita em letras maiúsculas) para superar os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus. Ele prevê assistência a pequenos agricultores, implementar o Programa Desperdício Zero de Alimentos e facilitar o transporte dos produtos agrícolas para feiras — sem detalhar essas propostas.
A candidata Cristiane Lopes (PP), sua concorrente, citou a palavra “alimentação” apenas uma vez em seu plano de governo, de 39 páginas: a ideia é prevenir doenças crônicas na população com educação alimentar. Além disso, ela propõe “apoio à agricultura familiar”, por meio de programas de mecanização agrícola, de formação e associações e de assistência técnica. Ela também promete “merenda de qualidade” nas escolas.
“Os programas protocolados são curtos, mas seria possível produzir um documento que apontasse caminhos mais claros de para onde se vai no combate à fome”, pontua Borges, da Associação Nacional de Agroecologia. “Em geral, os governos que predominam na Amazônia são aqueles que não reconhecem a importância da questão socioambiental. São governos historicamente comprometidos com o agronegócio, com pecuaristas e madeireiros. É esperado que se tenha candidatos com essa visão”.
AGRONEGÓCIO É MAIS CITADO EM PLANOS DE GOVERNO QUE COMBATE À FOME
Se o tema da fome não é tão presente planos de governo, os termos “agronegócio” e “agropecuária” aparecem em pelo menos cinco dos dez programas analisados. Em geral, as propostas para o setor costumam ser mais específicas e aprofundadas, como a ampliação do Plano Municipal de Desenvolvimento do Agronegócio (Artur Henrique, de Boa Vista), incentivo a novas indústrias agropecuárias (Tião Bocalom, de Rio Branco) e ações para “fortalecimento” do agronegócio (Cristiane Lopes, de Porto Velho).
“Em geral, os programas da região tendem a fortalecer muito a exploração de grãos, em especial a soja, pouco usada na alimentação humana”, afirma Borges. Ele assinala que, historicamente, muitos candidatos da região têm mais aproximação com grupos do agronegócio do que da agricultura camponesa. “Se formos analisar a fundo, os mais atingidos pela fome são indígenas e populações do campo em regiões marcadas por conflitos agrários com o agronegócio, como queimadas, invasões e até garimpos e extração de madeira ilegais”.
Os candidatos Edmilson, de Belém, e Socorro, de Rio Branco, foram os que deram mais atenção ao combate à fome em seus planos eleitorais. As propostas para mitigar o problema aparecem em diversos momentos, em geral de forma integrada a outras ações, como proteção do meio ambiente, educação e geração de emprego e renda. Ambos deram espaço para projetos considerados inovadores, como a agricultura urbana e o incentivo a economia solidária.
Socorro propõe, especificamente, a consolidação do fortalecimento do Programa Municipal de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, “com foco da erradicação da fome”, segundo o documento de intenções protocolado por ela no Superior Tribunal Eleitoral. Além disso, promete o fortalecimento do Banco de Alimentos de Rio Branco e a elaboração de um programa de plantio de árvores frutíferas para consumo das famílias.
Edmilson chegou a propor a criação do Programa de Soberania Alimentar, que prevê uma série de medidas para facilitar a produção e a distribuição de alimentos de qualidade para a população mais pobre, além de políticas de incentivo à pesca e à produção de hortifrutigranjeiros para aumentar a renda do produtor rural. Ele foi o único candidato da região que assinou a carta de compromisso da campanha “Agroecologia nas Eleições“, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), como forma de subsidiar políticas públicas para o setor.
O documento reúne 36 propostas, organizadas em 13 campos temáticos, para fomentar a agroecologia, como facilitação de processos de registro sanitário, incentivo a reforma agrária, criação de feiras de sementes e promoção de infraestrutura nas áreas rurais. As propostas foram pensadas para serem adaptadas à realidade de cada município.
A ANA identificou ao menos 700 ideias inovadoras em agroecologia que foram agrupadas em mapa interativo para auxiliar os gestores públicos. Entre elas estão hortas comunitárias, projetos de comercialização de alimentos saudáveis, ações de assistência técnica e fomento de crédito.
SUPERAR FOME DEMANDA AÇÕES CONJUNTAS EM DIVERSOS SETORES
Candidatos interessados em combater o aumento da fome em seus municípios devem ter consciência de que superar o problema exigirá ações conjuntas em diversos setores da administração pública, explica Eduardo Amaral Borges. “Não é só o aumento da produção que vai resolver a questão, nem só a assistência social, nem só a economia, nem só a infraestrutura. É preciso um conjunto de ações. O primeiro passo é reconhecer que nas áreas rurais da Amazônia há uma condição de insegurança alimentar muito significativa”.
Os níveis de fome foram maiores e mais frequentes em domicílios da área rural do Brasil, segundo a pesquisa do IBGE que analisou o biênio de 2017 e 2018. O índice de insegurança alimentar grave no campo foi de 7,1%. E, nas áreas urbanas, de 4,1%.
Uma ação considerada essencial para reduzir a fome no campo é garantir a permanência das populações rurais em suas terras. “É preciso de segurança nos territórios, com garantias de não invasão e não expulsão e com regularização de assentamento, terras indígenas, quilombos e locais de pesca artesana”, avalia Borges. “Sem essa segurança, ninguém faz investimentos para melhorar seu sistema de produção”.
A partir daí, são necessárias ações de assistência técnica para melhorar o sistema de produção, de escoamento e de comercialização dos produtos agrícolas, além de programas de compras públicas dos pequenos produtores e da facilitação de certificações sanitárias de produtos das agroindústrias comunitárias. Borges diz o que falta:
— Outro ponto fundamental é reconhecer que a Amazônia tem diferentes sistemas de produção de alimentos e que essa diversidade precisa ser incluída nos planejamentos públicos. Os programas de geração de renda não podem ser só calçados no setor agrícola, mas também na exploração florestal não madeireira. É preciso ter recurso para acessar o alimento. É preciso garantir renda para as famílias comprarem aquilo que não se produzem. Por isso é preciso um sistema diversificado.
| Sarah Fernandes é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Cimi Regional Amazônia Ocidental): entrega de cestas básicas ao povo Huni Kui, no Rio Envira, Acre
|| A cobertura sobre segurança e soberania alimentar durante a pandemia tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil ||
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One commentOn Cenário atual da fome, Norte tem só dois candidatos com planos para o tema
É INACREDITÁVEL QUE AINDA TENHA GENTE EM MAUS QUE SE DÊ À BURRICE DE VOTAR NO AMAZONINO.