Relatório do consórcio Rapid Response aponta devastação em áreas do Grupo Tomazini e de João Batista Fernandes, acusados de fazer negócios com documentos ilegais; documento mostra que outros acusados de invadir terras desmatam áreas do Cerrado
Por Luís Indriunas
No Piauí, na Bahia e no Maranhão, três dos quatro estados que compõem o Matopiba, quatro conglomerados de fazendas dedicados ao cultivo de soja e com histórico de grilagem desmataram 6,5 mil hectares de cerrado nordestino entre maio de 2019 e setembro de 2020, em quatro municípios diferentes. Desse total identificado, 1,5 mil estão em áreas de preservação ambiental.
Os dados são oriundos do monitoramento por satélites realizado pelo consórcio internacional Rapid Response, que publica mensalmente relatórios sobre alertas de desmatamento relacionados às cadeias produtivas da soja e da pecuária, traduzidos ao português pelo observatório: “De Olho nos Ruralistas publica relatórios sobre desmatamento na Amazônia e no Cerrado“.
Em Bom Jesus, no Piauí, o fazendeiro João Batista Fernandes, conhecido como JB, destruiu 1.996 hectares da Fazenda Corrente do Quilombo III, entre julho e setembro de 2020, sendo 71%, ou 1.434 hectares, dentro de reserva legal. No mesmo Estado, em Uruçuí, o Grupo Tomazini, que comprou terras de JB, é responsável por 3.784 hectares de Cerrado desmatado.
Em Formosa do Rio Preto, na Bahia, os satélites apontaram 657 hectares de mata retirados da Fazenda Santo Cristo, de propriedade de outro acusado de grilagem: Ildo João Rambo. Entre maio e julho de 2019, 13% do total da propriedade foi destruída. Em Carolina, no Maranhão, o fazendeiro Lund Antônio Borges — outro mencionado em denúncias sobre roubo de terras — retirou 68 hectares da reserva legal da Fazenda Paraíso, entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020.
Dos quatro fazendeiros, até o fechamento dessa reportagem, apenas Ildo Rambo respondeu aos questionamentos do observatório.
ACUSADO VENDE TERRAS DO PIAUÍ PARA PRODUTORA DE AVES DE GOIÁS
O Grupo Tomazini, produtor de grãos e aves com sede em Goiás, chegou ao Piauí pelas mãos do grileiro João Batista Fernandes, o JB. Conhecido na região do Matopiba, JB fez um grande negócio em nome da sua empresa Terra Imóveis. Forjou a compra de terras com documentação fraudada de dezena de produtores da região. Depois vendeu aos avicultores políticos da família Tomazini de Pires do Rio (GO) por R$ 80 milhões. Hoje a empresa do grupo, Serra Branca S.A., administra as Serra Branca I, Piquizeiro e Berwanger II, com 100 mil hectares de soja e milho em solo piauiense.
Em um dos vários processos que discutem a procedência das terras dos Tomazini, a proprietária Maria Rodrigues da Silva reclama desde 2010 a devolução de 6 mil hectares que teriam sido vendidos por R$ 15 mil, sem seu consentimento, num documento de 2008. As terras ficaram com a Terras Imóveis, uma das empresas de JB, que juntou vários desses documentos fraudados e vendeu ao Grupo Tomazini.
Desde 2011, a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) tem em suas mãos um processo questionando os documentos utilizados pelo grupo nas fazendas. As mesmas fazendas onde foram desmatados 3.784 hectares entre dezembro de 2019 e maio de 2020.
No sul do Piauí, uma série de cartórios estão sob intervenção judicial por fraudes associadas às matrículas rurais. A vara agrária de Bom Jesus, órgão do Tribunal de Justiça do Piauí, contabiliza nada menos de 6 milhões de hectares bloqueados — ou seja, que constavam em matrículas com validade jurídica suspensa para análise — e outros 2 milhões de hectares definitivamente cancelados.
“Mesmo com essa constatação inegável, os verdadeiros proprietários esperam por dez anos pelo julgamento”, afirma o advogado José Odon Maia Alencar Filho. Ele e o sócio Antonio Tito Pinheiro Castelo Branco descrevem a forma de agir de JB: persuadir alguém da família a assinar uma compra fraudulenta e vilmente baixa. Como aconteceu com Maria Rodrigues: os R$ 15 mil pagos por 6 mil hectares, em valores de mercado, poderiam chegar a R$ 60 milhões.
Para Francisco Tomazini, o dono da empresa do aviário, também foi um bom negócio. Ele pagou cerca de R$ 800 por hectare de uma terra que vale hoje R$ 10 mil por hectare.
Dono de nove empresas, Tomazini tem um patrimônio de R$ 137.754.557,00. A maioria em Goiás e principalmente em Pires do Rio, seu reduto político.
A esposa de Francisco, Cida Tomazini, é prefeita de Pires do Rio (GO), pelo Podemos, com apoio do deputado José Nelton. Enquanto o marido aplica na especulação imobiliária do Matopiba, Cida é uma investidora, como dá a entender sua prestação de contas a Justiça Eleitoral. De 2008 a 2020, a fortuna da prefeita por três mandatos em Pires do Rio praticamente quadriplicou, passando de R$ 1,55 milhão para R$ 5,93 milhões. Quase todo o dinheiro está aplicado em fundos e em outros produtos financeiros.
No Piauí, a família, por enquanto, só planta soja. Em 2016, o grupo goiano, que exporta para Oriente Médio e Europa, prometeu investir R$ 1 bilhão e gerar 3 mil empregos no município de Ussuí por meio da implantação de um aviário, que, até o momento, não veio.
COM SOJA, JOÃO BATISTA FERNANDES INVADE ÁREA DE PRESERVAÇÃO
João Batista Fernandes, o JB, é bem conhecido no Matopiba, mas age de forma discreta. Atua com alguns laranjas. A vida empresarial, no entanto, é agitada: ele tem oito empresas, entre imobiliária, mineradora, carvoaria, agência de turismo e fazenda de soja, com capital social de R$ 1,6 milhão.
Na sua especialidade de especulação imobiliária, além de conseguir terras a partir de contratos fraudulentos, JB costuma entrar nas comunidades com homens armados para fixar placas e marcações em concreto, como mostra uma denúncia da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Elas levam os seguintes avisos, a sinalizar a nova propriedade das terras invadidas: “Credenciados e protegidos por lei”.
Enquanto medem e cercam, as empresas de Fernandes registram o local como reserva legal de propriedade da empresa no Cadastro Ambiental Rural (CAR), segundo denúncia do Ministério Público.
Aproveitando-se do imbróglio jurídico que a Justiça cria ao não agir, JB vai criando falsas terras, invadindo e desmatando. O relatório aponta que ele destruiu 1.996 hectares da Fazenda Corrente do Quilombo III, entre julho e setembro de 2020. Desse total, 71% — ou seja, 1.434 hectares — fica dentro de área protegida.
ILDO RAMBO ENXERGA BENEFÍCIOS AO AMBIENTE E AOS PRODUTORES DE SOJA
Ildo João Rambo, responsável pela corte de 657 hectares de cerrado em Formosa do Rio Preto (BA), é primeiro titular do Conselho Fiscal da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba). Fornecedor de cereais para o Exército Brasileiro em Barreiras (BA), em 2017, Rambo foi processado por fraudes ambientais na mesma Fazenda Santo Cristo, flagrada nesse relatório, com o desmatamento de 657 hectares, ou 13% do total da propriedade.
O fazendeiro encaminhou uma resposta ao De Olho nos Ruralistas. Ele afirma que “nunca ocorreu desmatamento na Fazenda Santo Cristo de minha propriedade desde 2007”. “No período assinalado entre 2019/2020, a Fazenda Santo Cristo estava em atividade de supressão de vegetação nativa devidamente autorizada e licenciada pelo órgão ambiental competente, que após inúmeras visitas e análise técnica de toda documentação emitiu a licença ambiental nº 10.517 – Ato concedido: ASV: 01/10/2017 – LI: 01/10/2020, publicado no D.O.E em 01/10/2015.”
E acrescenta: “Pode ser verificado no belíssimo trabalho da organização Mighty Earth que, durante quatro anos, os produtores e comerciantes de soja buscaram uma cooperação com diversas organizações do país para desenvolver meios de proteção para evitar a conversão de savanas no Cerrado. A união de esforços de cooperação entre produtores, comerciante e ambientalistas trouxe inúmeros benefícios não somente para o meio ambiente, como também, para os produtores e comerciantes de soja com a abertura do mercado internacional”.
Para ler na íntegra a resposta, clique aqui.
Ildo chegou a ser preso com outras dozes pessoas, por tentar destruir a cerca de um vizinho. Há uma disputa judicial entre Aristides Queiroz Nogueira, Ildo João Rambo e Canabrava Agropecuária. A história já foi citada em reportagem do observatório: “Autorizações para desmatamento na Bahia incluem gigante da celulose e fazendeiro parricida“.
Em janeiro de 2019, Rambo entrou como uma ação contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Supremo Tribunal Federal (STF). O órgão embargou três propriedades sobrepostas em 2014, 2015 e 2017, segundo o consórcio Rapid Response. Em sua resposta, o fazendeiro diz que não tem processo relacionado ao Ibama.
PAULISTA TEM HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA E TRABALHO ESCRAVO
O paulista Lund Antônio Borges, responsável por retirar 68 hectares de reserva ambiental no município de Carolina (MA) entre 2019 e 2020, tem um histórico de violência. Ele já esteve na Lista Suja do Trabalho Escravo de 2005. Em 2007, José Reis, então com 25 anos, foi morto em conflitos com seguranças de Lund na Fazenda Santo Hilário. A morte nunca foi esclarecida. Em 2015, 150 famílias camponesas foram expulsas por um grupo de pistoleiros da mesma fazenda. Eles abriram fogo contra os acampados e feriram um deles.
Lund tem nove empresas no seu nome, espalhadas por Goiás, Distrito Federal, Maranhão, sendo a maioria no Tocantins. Possui um patrimônio de R$ 5.938.300, que reúne frigorífico, imobiliária de propriedades rurais, transportadora, administradora de cartão de crédito, farmácias e uma holding.
No agronegócio, Lund foi sócio da Ytacayuna Agro Pecuária, empresa cujo registro foi cancelado em 2012 pela Comissão de Valores Mobiliários por dívidas de mais de R$ 90 milhões com o Banco do Nordeste.
Alinhado com o MDB de Sarney, Lund lançou seu filho à política, Toninho Lund, eleito vereador de Carolina em 2016, aos 24 anos. Nessa época, segundo o que declarou para a Justiça Eleitoral, Toninho já tinha 1.944 cabeças de gado, valendo R$ 1.555.200. O jovem vereador acumulava uma fortuna de R$ 2,9 milhões, com cinco fazendas, caminhonetes e oito cavalos.
| Luís Indriunas integra a equipe de editores do De Olho nos Ruralistas. |
Foto principal (Secretaria do Meio Ambiente do Piauí): desertificação é uma das consequências da especulação em Bom Jesus