Pecuarista Nestor Osvaldo Finger, o Gaúcho, era investigado por grilagem de terras, foi visto próximo de incêndios de paióis de camponeses e vinha ameaçando de morte líder da comunidade; para promotor, “tudo é muito assustador”
Por Luiza Sansão
Os dias têm sido cinzas e tensos para as famílias de lavradores do povoado Vilela, no município de Junco do Maranhão, norte do estado. Tão cinzas quanto os paióis de arroz que encontraram devastados na manhã do dia 23 de agosto, uma segunda-feira, na Gleba Campina. Tão tensos quanto o medo que assola agricultores da região com mais uma morte, dessa vez, do fazendeiro suspeito de grilagem Nestor Osvaldo Finger, o Gaúcho, ocorrida na quarta-feira (22), no município.
Nestor Finger havia sido visto, por três testemunhas, no local onde nove toneladas de arroz que alimentariam pelo menos seis famílias durante um ano foram incendiados em agosto. Tiros também foram dados contra a porta de um casebre.
Benedita Corrêa Gomes, de 41 anos, presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais do Povoado Vilela, lamenta:
— Foi muito triste. Nós já tivemos muitos dias tristes na nossa comunidade, porque foram vidas perdidas, vidas de pai de família, mãe de família. Muitas crianças e adultos vão ficar sem o alimento do dia a dia, por conta de uma tragédia dessa.
O lavrador Zaqueu Alencar Costa, de 51 anos, marido de Benedita, conta que o paiol queimado é das pessoas mais necessitadas do povoado, as mais pobres, aquelas “que vendem o almoço pra comprar a janta”.
SUSPEITO DE GRILAGEM, FAZENDEIRO AMEAÇAVA MATAR AGRICULTORES
“Ele já mandou vários recados pra mim, dizendo que não é pra ter medo dele, não, porque ele não mata, ele só manda matar”, contava Zaqueu ao De Olho nos Ruralistas, dias antes da morte de Finger. As ameaças e o incêndio criminoso são alguns dos fatos relatados nos diversos boletins de ocorrências registrados por camponeses da comunidade desde 2013, na delegacia do município de Junco do Maranhão. Uma das práticas recorrentes do fazendeiro, de acordo com os documentos, era atear fogo nos barracos.
Enquanto seu nome era registrado por diversos agricultores da região em boletins de ocorrência, o Ministério Público do Maranhão investigava as suspeitas de grilagem de terras por parte de Finger.
Nascido no Rio Grande do Sul, Nestor Osvaldo Finger comprou uma propriedade ao lado da Gleba Campina em 2009. “No começo ele deu de bonzinho, deu de amigo com o povo, até ver que a terra era devoluta, saber as informações que ele queria”, conta Zaqueu. “Aí, então, foi que ele começou a querer comprar as terras das pessoas, o pessoal não vendia e ele inventou de tomar, de querer a área toda”.
Em 2012, o gaúcho alegou ser proprietário da área que desmembrou em três propriedades, a Fazenda Santa Érica I, II e III, de cerca de 7 mil hectares – área que, por sua vez, era parte de uma fazenda maior denominada Santa Inês, cujo registro remonta a uma carta de sesmaria. Foi nessa mesma época, que o conflito se acirrou de fato, quando Finger proibiu a realização de atividades rurais pelas famílias do povoado Vilela, cercando plantios e ameaçando de morte os moradores por meio de jagunços armados.
Um parecer elaborado pelo Ministério Público em 2019 comprova “fortes indícios de fraudes no destacamento da área do patrimônio público para o privado, conforme demonstram os documentos insertos nos autos, o translado de todo o processo e respectivo encaminhamento para Incra, Iterma e Procuradoria Geral do Estado”.
PROMOTOR VÊ TENSÃO AUMENTAR COM HOMICÍDIO
“É muito trágico tudo isso e coloca mais lenha na fogueira de uma situação que já estava bem esquentada”, afirma o promotor Haroldo Paiva de Brito, da 44ª Promotoria Especializada em Conflitos Agrários da Capital do Estado do Maranhão, que vinha investigando Finger. “Vêm morrendo pessoas a todo momento e de uma hora pra outra um dos principais suspeitos é assassinado. É muito assustador tudo isso”.
Finger foi encontrado com tiros nas costas e no rosto por volta das 15 horas de quarta-feira, 22 de setembro, em um rancho em Junco do Maranhão. Fazia cerca de três meses que ele havia viajado de Santo Ângelo (RS) para o Maranhão, segundo a família. A polícia classifica o crime como execução com possíveis indícios de ligação aos conflitos agrários na região.
“Nós sabíamos que ele andava na região, tinha contato com muitos políticos, outras pessoas”, detalha o promotor. Ele diz que é preciso saber qual disputa de terra teria provocado o assassinato.
EM JULHO, CASAL DIRIGENTE DO SINDICATO DE JUNCO FOI ASSASSINADO
Os incêndios, as ameaças e a morte de Finger são mais alguns dos capítulos da violência que, há mais de dez anos, impõe uma rotina de medo às comunidades, em uma região onde pelo menos três camponeses foram assassinadas no contexto de conflitos agrários. O caso mais recente foi em 18 de junho: o duplo homicídio de um casal que lutava pelo direito à terra, Reginaldo Alves Barros e Maria da Luz Benício de Sousa, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR). Os mandantes do crime, segundo a Polícia Civil do Maranhão, foram presos no dia 26 de agosto, durante operação denominada Terra Vermelha, e as investigações continuam para “prender os executores e outras pessoas que possam estar envolvidas com o crime”. Os nomes dos presos não foram informados pela polícia.
Outro caso que ainda está sendo investigado é o assassinato do camponês Raimundo Nonato Batista Costa, encontrado numa cova rasa na Gleba Campina, com marcas de tiros, depois de quatro dias desaparecido, em 19 de agosto de 2020. De acordo com a Polícia Civil, testemunhas estão sendo ouvidas pela Superintendência Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (SHPP). “Mais detalhes, neste momento, não serão divulgados para não atrapalhar o trabalho investigativo da polícia”, afirma a PC, em nota.
ESTADO DIZ QUE VAI INVESTIGAR INCÊNDIOS E ACOMPANHA O CONFLITO
A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) informou que a Polícia Militar esteve no local onde as nove toneladas de arroz foram queimadas criminosamente, mas ainda não foi possível identificar os responsáveis pelo delito e que a Polícia Civil adotará as devidas providências para investigar e identificar os executores e mandantes do crime.
A Sedihpop afirma que continuará acompanhando o andamento das investigações e que, em razão da escalada da violência contra a comunidade Vilela, articulou audiência pública no município no dia 05 de agosto, com a participação da Secretaria de Segurança Pública, incluindo o Comando da Polícia Militar e a delegacia local, promotoria especializada em Conflitos Agrários, Secretaria de Estado de Articulação Política (Secap), prefeitura, vereadores e população local, para tratar das situações de violência e graves ameaças, “tendo as autoridades locais se comprometido com a identificação e responsabilização dos algozes”.
A reportagem perguntou à Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade que medidas foram tomadas para o enfrentamento do conflito na região e por que não têm sido suficientes para evitar que as famílias sigam sendo ameaçadas. Em nota, o órgão respondeu que a comunidade Vilela vem sendo acompanhada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular, a partir da comissão, desde o recebimento da ordem judicial de reintegração de posse contra o povoado, em 21 de setembro de 2016, e que, “para mediação do caso, considerando a situação de ameaça e crimes no âmbito do conflito”, tomou uma série de providências (listadas na nota) com a finalidade de atender às demandas de articulação de políticas públicas necessárias para as ações emergenciais à proteção da vida das pessoas ameaçadas.
Afirma, entretanto, que, “considerando os reiterados crimes, a viabilização de propostas de acordos tornou-se infrutífera no âmbito da Coecv” e “não são ações para resolução do conflito possessório”. “Enquanto o processo judicial não for resolvido com a utilização dos recursos probatórios necessários para a constatação da veracidade da propriedade e da posse em disputa, haverá o agravamento do conflito de terras”, conclui a comissão.
Questionado por e-mail pelo De Olho Nos Ruralistas, o fazendeiro Nestor Finger não havia respondido. Após sua morte, foi tentado contato pela empresa com familiares, sem resposta também.
| Luiza Sansão é jornalista especializada em direitos humanos. |
Foto principal (Montagem/Arquivo Pessoal): paiol incendiado e casebre com marcas de bala no povoado de Vilela, no Maranhão
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