Contra a fome e a inoperância do governo, camponeses voltam a pressionar o Incra

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Movimentos sociais realizaram atos em diversas regiões do país; desde que Bolsonaro assumiu o poder, segundo o MST, nenhum latifúndio foi desapropriado; governo paralisou a tramitação de 513 processos em andamento e abandonou mais de 187 autorizados pela Justiça

Por Mariana Franco Ramos

Após três anos de total inoperância do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), movimentos camponeses voltaram a pressionar o órgão. Nos dois últimos meses, grupos como a Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL), a Via Campesina e o Coletivo Juntos saíram às ruas em diferentes regiões, para exigir a retomada das desapropriações. Os atos também denunciam o crescimento da fome entre famílias urbanas e rurais.

Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, em janeiro de 2019, nenhum latifúndio foi desapropriado. Pelo contrário. De acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ele paralisou a tramitação de 513 processos em andamento e abandonou mais de 187 processos autorizados pela Justiça para emissão de posse, como mostra reportagem do Brasil de Fato. O “Incra em Xeque” é tema da última edição do De Olho na Resistência:

Em Porto Alegre, cerca de 750 sem-terra ocuparam o pátio do instituto em 16 de novembro, com o objetivo de reivindicar a liberação de crédito emergencial para a produção de alimentos. Os líderes camponeses denunciaram que, nos dois anos de pandemia e seca, o Estado ignorou a agricultura familiar. Segundo os manifestantes, a gestão Eduardo Leite (PSDB-RS) reduziu em 37,5% a aplicação de recursos na área em 2019 e 2020, na comparação com a média anual aplicada entre 2011 e 2014.

Além de MST e Via Campesina, participaram do protesto o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea-RS), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), o Movimento de Mulheres Camponesas e o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), entre outras organizações.

No mesmo dia, trabalhadores rurais fizeram uma caminhada de 16 quilômetros em Campo Grande, até a sede do Incra, pedindo a retomada dos processos de reforma agrária. Eles fazem parte da FNL e integram ainda acampamentos de Guia Lopes, Bonito, Jardim e Anaurilândia. Somente nessas localidades, há 3 mil famílias à espera de assentamento. Conforme os organizadores, 458 processos estão paralisados.

Cerca de 40 famílias ocuparam a Fazenda Bela Vista. (Foto: Coletivo de comunicação MST/BA)

Agricultores familiares organizados pelo MST da Chapada Diamantina também ocuparam um latifúndio improdutivo denominado “Fazenda Bela Vista” em Andaraí (BA). Com gritos de “Pátria livre: Venceremos”, aproximadamente 40 famílias organizadas por meio da Brigada Maria da Glória montaram seus barracos para produzir alimentação saudável. A terra improdutiva pertence a Renato Costa Silva, ex-prefeito do município, e é agora reivindicada pelos camponeses para fins de reforma agrária.

Uma semana antes, a manifestação ocorreu à beira da Rodovia Castello Branco, em Itu (SP). Integrantes da FNL ocuparam o acostamento e carregaram faixas e cartazes com frases contra o governo federal. Em Boca do Acre (AM), moradores fecharam a sede do instituto em Rio Branco, no dia 21 de outubro, e cobraram um documento para regularização de terras. A Polícia Militar chegou a ser acionada, mas, após uma reunião com o presidente do órgão, o acesso foi liberado.

Em setembro, a frente já tinha organizado um ato no prédio do instituto em Brasília, “contra os retrocessos do governo Bolsonaro nas políticas da terra” e pelo direito à moradia.

FECHAMENTO DE SEDE NO PARANÁ AFETA 47 MUNICÍPIOS

Deputada pede que Incra reveja decisão de fechar unidade no PR. (Foto: Dálie Felberg/Alep)

Em Francisco Beltrão, no sudoeste do Paraná, o governo decidiu fechar a sede do Incra. De acordo com a deputada estadual Luciana Rafagnin (PT-PR), a unidade avançada Iguaçu tem mais de 50 anos de atuação na região e abrange o atendimento em questões fundiárias numa área compreendida por 47 municípios. “Com a transferência dos serviços para Cascavel, este escritório terá de dar conta das demandas de 88 municípios”, afirmou a parlamentar.

Ainda segundo a petista, estão sob a jurisdição da sede de Beltrão 43 mil títulos de terras e, sobre eles, famílias que dependem da emissão de declaração do Incra para reconhecimento da atividade profissional. Só assim é possível acessar a aposentadoria e seguridade social, bem como outros benefícios e políticas públicas.

A decisão de transferência está prevista em uma resolução assinada dia 05 de outubro por Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo Filho, presidente do conselho diretor do órgão. No documento, ele diz ser necessário “melhor organizar” as ações no Estado, em face de sua dimensão territorial, e “otimizar o atendimento”.

“Em vez de fechar, que o Incra invista na melhoria e ampliação desse atendimento, colocando mais funcionários à disposição desta unidade, para atender toda a demanda”, defendeu a deputada, em discurso na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). “Os assentamentos precisam dessa assistência técnica. Já temos vários processos acumulados pela falta de pessoal”.

NO RIO, REPRESENTANTES DO GOVERNO IGNORAM AUDIÊNCIA SOBRE O TEMA

Encontro ocorreu com a ausência de representantes do Poder Executivo. (Foto: Pablo Vergara/BDF)

Se, por um lado, os camponeses se organizam contra o descaso, por outro os representantes do Executivo vêm ignorando o tema. No Rio de Janeiro, o superintendente do Incra Cassius Rodrigo de Almeida e Silva e o secretário estadual de Infraestrutura e Obras, Max Lemos (PSDB-RJ), faltaram a uma audiência pública que discutiu a necessidade da reforma agrária para enfrentar a fome e a miséria.

O encontro aconteceu no dia 08, na Assembleia Legislativa (Alerj), e reuniu integrantes dos assentamentos de Campos dos Goytacazes, Macaé, Volta Redonda e Quatis. Conforme os movimentos sociais, as duas autoridades haviam confirmado a participação.

Na ocasião, a deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) informou que encaminharia um ofício ao órgão pedindo explicações sobre a ausência. Segundo ela, 75% das propriedades rurais do Estado são de agricultura familiar e boa parte dos alimentos produzidos e que chegam às mesas da população fluminense vem da produção dos assentamentos.

INSEGURANÇA ALIMENTAR ATINGE MAIS DE 19 MILHÕES DE PESSOAS

Enquanto a grande mídia entra numa falsa polêmica envolvendo camarão oferecido ao diretor e ator Wagner Moura, em uma ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a fome atinge um quarto da população brasileira e mobiliza os movimentos sociais.

“Em apenas dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões”, aponta o “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, elaborado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

Movimentos protestam contra política econômica de Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

No dia 13 de novembro, aconteceu a Marcha contra a Fome, em cidades como Rio de Janeiro, Recife, Aracaju, Ceilândia, Maceió, Recife, Goiânia, Porto Alegre, Belo Horizonte e Montes Claros.

Em São Paulo, os manifestantes do MPA, do MTST e da Frente Povo Sem Medo fizeram um ato ecumênico com a participação do padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, e demais lideranças religiosas.

A iniciativa se soma a várias outras de solidariedade em todo o país, como a “Cesta Camponesa de Alimentos Saudáveis“, desenvolvida pelo MPA. Ao mesmo tempo em que oferece alimentos saudáveis, o projeto fortalece o Sistema de Abastecimento Alimentar Popular (SAAP), que permite a construção de relações sociais, econômicas e culturais entre as famílias camponesas, produtoras urbanas e consumidoras.

| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas/Reprodução): Incra está no epicentro da contrarreforma agrária

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