Grileiros foram responsáveis por 13% dos conflitos por terra em 2021, diz relatório

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Segundo a CPT, fazendeiros, empresários e governos são os principais agentes por trás dos atos de violência no campo registrados no ano passado; situação piorou nos governos Temer e Bolsonaro, com desmonte de políticas públicas e aumento da concentração fundiária no país

Por Mariana Franco Ramos 

Os grileiros, pessoas que se apossam ilegalmente de áreas públicas (devolutas) e privadas, foram responsáveis por 162 dos 1.242 conflitos por terras registrados em 2021 no Brasil, o que corresponde a 13%. Os dados constam do relatório anual divulgado nesta segunda-feira (18), em Brasília, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O lançamento ocorre historicamente em abril, mês da Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária.

Publicação de 269 páginas traz dados de 2021. (Imagem: divulgação)

A participação da grilagem nos conflitos pode ser muito maior, já que os fazendeiros também podem ter adquirido suas propriedades de forma irregular. Fazendeiros e empresários em geral somam 42% dos mandantes (266 e 255, respectivamente), conforme a CPT. O poder público — federal, estadual e municipal — responde por 17% das ocorrências (214).

O documento de 269 páginas identifica ainda outros atores que, direta ou indiretamente, concorrem para a “predatória consolidação de um projeto de exploração e acumulação de riquezas alinhado aos interesses ruralistas”, como madeireiros (6%), garimpeiros (5%), mineradoras (4%), polícia (1%), pistoleiros (1%) e igreja (1%).

Conforme os pesquisadores, os números são fruto, sobretudo, do desmonte de marcos institucionais do Estado e do projeto de pilhagem, que se acentuou a partir de 2016, com o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. “Após o impeachment, o Ministério do Desenvolvimento Agrário foi extinto e boa parte de suas ações e programas perdeu efeito”, diz trecho, em referência às políticas de assentamento rural, segurança alimentar, incremento da produção familiar e desenvolvimento regional.

Foram 1.768 conflitos no campo, ou seja, aqueles que incluem, além das disputas pelos territórios, conflitos por água e trabalhistas. Para a CPT, o esvaziamento dos órgãos de fiscalização (do trabalho, do desmatamento, da mineração ilegal, do meio ambiente e das atividades predatórias da natureza) contribuiu para o acirramento dos embates e o aumento da impunidade.

— O governo de Temer e o atual mantiveram a política setorial agrícola fortemente vinculada ao agronegócio (inscrito em uma economia completamente mercantilizada associada e dependente do sistema agroalimentar global), perpetuando e acentuando a concentração fundiária (e, portanto, patrimonial) no país.

INDÍGENAS FORAM PRINCIPAIS VÍTIMAS DE AÇÕES PREDATÓRIAS

Indígena Jaque Kuña Aranduhá, no lançamento do relatório. (Foto: Andressa Zumpano/CPT)

As categorias que mais sofreram com essas ações predatórias foram indígenas (317 casos), quilombolas (210 casos) e posseiros (com 209). “Tais números, mais do que refletirem o avanço da violência contra áreas de destinação estabelecida e seus recursos naturais, demonstram que, hoje, a ofensiva no campo é um processo dinâmico, coordenado e regido pela lógica dos interesses econômicos e fundiários da classe ruralista”, expõe o relatório.

Sobre a luta pela reforma agrária, a CPT menciona a campanha de titulação de lotes de assentamento promovida durante a gestão de Jair Bolsonaro, em projetos como o Titula Brasil. A proposta, apelidada de Grila Brasil, transfere às famílias assentadas, em definitivo, o domínio dos seus lotes nos assentamentos criados pelo governo, mediante o pagamento de 5% do valor da terra.

A pastoral lembra que tais iniciativas não atingiram sequer os patamares mínimos legalmente exigidos para a emancipação. Assim, aceleraram o processo de reversão das áreas desapropriadas e de transferência de terras publicas ao estoque fundiário de um mercado privado. De Olho nos Ruralistas abordou a questão na série de reportagens “Brasil, país que grila“, em parceria com O Joio e o Trigo.

“Os interesses das multinacionais, associados à orientação neoliberal do Executivo e Legislativo, têm buscado incessantemente mercantilizar a terra, construindo garantias para manter a hegemonia da concentração fundiária e promover a hegemonia do rentismo no mercado de terras e na especulação financeira da propriedade”, conclui o estudo.

AMAZÔNIA LEGAL CONCENTRA 80% DOS ASSASSINATOS NO CAMPO

Acampamento Tiago Santos, em Rondônia. (Foto: Liga dos Camponeses Pobres)

A CPT registrou 35 assassinatos no campo em 2021, um aumento de 75% em relação a 2019, quando 20 pessoas perderam a vida. Mais de dois terços do total de vítimas têm origem em populações tradicionais. A maior parte (10) era de indígenas, seguidas por sem-terra (9), posseiros (6), quilombolas (3), quebradeiras de coco babaçu e assentados (2 cada).

Segundo a pastoral, a base de casos permanece altíssima. “O campo brasileiro é usado como plataforma de valorização e reprodução de um capital que explora, devasta e mata”. A Amazônia Legal concentrou 28 casos, 80% do total. O estado com mais mortes catalogadas é Rondônia. Foram onze, sendo cinco delas no Acampamento Tiago Santos, em Nova Mutum Paraná, distrito de Porto Velho, onde a reportagem do observatório esteve em novembro.

Duas ocorrências correspondem a massacres (quando três ou mais pessoas são assassinadas). Na primeira, pelo
menos três Moxihatëtëa, classificados como isolados, foram chacinados na Terra Indígena (TI) Yanomami, na região alta do Rio Apiauí, em Mucajaí, sul de Roraima. O território é um dos mais atacados pelo garimpo ilegal. Embora a atividade seja proibida nessas áreas, o Congresso se movimenta para aprovar novas regras, por meio do projeto de lei 191/2020.

Na outra situação, as vítimas foram três camponeses do Acampamento Ademar Ferreira, em agosto de 2021, também em Rondônia. Elas integravam a Liga dos Camponeses Pobres (LCP). O segundo estado com mais mortes foi o Maranhão. Foram nove homicídios, dos quais três de quilombolas. Os crimes são, de acordo com a CPT, deliberados e atingem notadamente líderes de comunidades e sindicalistas, que resistem à usurpação.

| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Alberto César Araújo/Greenpeace): destruição causada por grileiros em Rorainópolis, no sul de Roraima

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