Líder ruralista Marcos Montes acusou ambientalistas e jornalistas de mentir sobre o tema; patrocinado por multinacionais, 21º Congresso Brasileiro do Agronegócio reúne principais nomes da cadeia de financiadores do Instituto Pensar Agro, fiador da bancada ruralista
Por Larissa Linder e Bruno Stankevicius Bassi
Durante discurso de abertura do 21º Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado nesta segunda-feira (01) em São Paulo, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criticou imprensa e ambientalistas por apontarem a responsabilidade do setor no desmatamento recorde registrado na Amazônia. “Infelizmente, aqui a própria imprensa colabora com isso”, reclamou Marcos Montes. “Eu estava falando no [jornal francês] Le Monde e todas as informações que eles passam lá são erroneamente fornecidas por brasileiros”.
Produtor rural e ex-deputado por Minas Gerais, Montes atribui a preocupação internacional em torno do desmonte da legislação socioambiental brasileira a uma “guerra de narrativas”. “Não conseguimos mostrar pra sociedade urbana a força que o agro tem”, discursou. “Isso contaminou lá fora e estão usando a questão ambiental como barreira para não deixar Brasil ganhar mercados”.
Questionado sobre os dados divulgados no mês passado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que apontam, pelo quarto ano consecutivo, um recorde no desmatamento para o primeiro semestre, o ministro rebateu dizendo não haver embasamento. “Temos dever de casa a fazer, sem dúvida, mas o que se usa lá fora é um exagero para não deixar o Brasil ser competitivo”, afirmou.
Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) entre 2015 e 2016, Montes assumiu o ministério em abril, após Tereza Cristina (PP-MS) abandonar o cargo para concorrer ao Senado. Ela também presidiu a FPA. Como primeiro ato à frente da pasta, ele visitou a sede da frente, localizada em uma mansão no Lago Sul de Brasília. Recebido com festa pelos líderes ruralistas, Montes retribuiu o carinho: “O bom filho à casa torna!”
FINANCIADORES DE LOBBY RURALISTA PATROCINAM EVENTO
O Congresso Brasileiro do Agronegócio (CBA) se consolidou, durante a última década, como o evento mais importante do setor. Ele é organizado anualmente pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que reúne os maiores exportadores de commodities agrícolas do país, bancos e fundos de investimento como Itaú, Santander, Banco do Brasil e Rabobank, além da B3 Bovespa, administradora da bolsa de valores e co-organizadora do CBA.
A lista de patrocinadores do evento inclui as gigantes alemãs do setor agroquímico Bayer e Basf, a sino-suíça Syngenta, o frigorífico brasileiro JBS e a processadora de grãos estadunidense Cargill. Em julho, dossiê do De Olho nos Ruralistas revelou que estas cinco multinacionais são as líderes do lobby ruralista: “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“.
Junto à suíça Nestlé, elas realizaram 278 reuniões com membros do alto escalão do Ministério da Agricultura. Por meio da Abag e de outras associações do agronegócio, essas empresas também compõem a cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro (IPA), responsável por prestar suporte técnico às atividades parlamentares da FPA.
O IPA teve lugar de destaque no Congresso da Abag. Ex-deputado por Mato Grosso, o presidente do instituto, Nilson Leitão, foi mediador do último painel do evento, sobre as perspectivas do agronegócio entre 2023 e 2026. A mesa foi composta pelo ex-presidente Michel Temer e por três ex-ministros da Agricultura: Alysson Paolinelli (1974-1979, no governo do ditador Ernesto Geisel), Francisco Turra (1998-1999) e Roberto Rodrigues (2003-2006). Os dois últimos nos governos democráticos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, abriu sua fala no congresso exaltando a gestão ambiental do atual presidente: “Tenho orgulho de ser ministro do governo Bolsonaro, que saiu de uma política de multar e reduzir impacto para empreender e buscar uma nova economia verde”. Leite sucedeu Ricardo Salles, que consagrou, em reunião ministerial, a expressão “passar a boiada”, sobre a aprovação de leis ambientais mais flexíveis durante a pandemia.
CONGRESSO CONSOLIDA DISCURSO DO AGRONEGÓCIO
A ideia de que a população mundial vai crescer de forma acelerada nas próximas décadas e de que cabe ao Brasil o papel de “alimentar o mundo” foi um dos eixos centrais dos debates.
No painel mediado pelo Instituto Pensar Agro, o ex-ministro Roberto Rodrigues, um dos fundadores da Abag, disse que o Brasil pode ser um “campeão da segurança alimentar”. Ele foi secundado por Francisco Turra, para quem o setor agropecuário “deu um cheque” de mais de R$ 1,3 trilhão ao país em 2021 e que gera “inúmeros empregos”.
Ao serem questionados sobre a razão de o Brasil conviver com a fome ao mesmo tempo em que é um grande produtor de alimentos, os ex-ministros acusaram o poder público: “O agro faz sua parte, mas o preço dos alimentos depende de oferta e demanda”, afirmou Rodrigues. Segundo o ex-ministro, é necessário que haja políticas que gerem emprego e renda. Temer fez coro.
A noção de que o agronegócio brasileiro alimenta o planeta é uma das principais narrativas do setor. Ela teve início ainda na era FHC, quando a balança comercial se tornou deficitária como consequência do novo arranjo pós-Plano Real, fortalecendo as exportações agrícolas, e foi consolidada por Rodrigues durante seu período à frente do ministério, durante o governo Lula.
A “invenção” do conceito moderno de agronegócio foi tema de episódio do programa semanal De Olho na História, no YouTube. Confira abaixo:
Foto principal (Divulgação/Abag): Marcos Montes usou Congresso Brasileiro do Agronegócio para atacar jornalistas e ambientalistas
| Larissa Linder é jornalista. |
|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. ||
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