Conheça a bancada da censura, que quer apagar dos livros didáticos a violência no campo

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Com apoio de Bolsonaro, nomes como Kim Kataguiri e Aline Sleutjes se articulam para esconder dos estudantes os crimes do agronegócio; três ex-ministros, incluindo Milton Ribeiro, preso após escândalo com pastores no MEC, estão entre apoiadores do movimento

Por Mariana Franco Ramos e Luís Indriunas

“A escola não deve ser utilizada como aparelho político”, bradava Kim Kataguiri (União-SP), em 2018, em discurso sobre uma de suas principais bandeiras: o “Escola sem Partido”. Quatro anos depois, as palavras do hoje presidente da Comissão de Educação da Câmara ecoam na defesa da versão agrobusiness do programa: o De Olho no Material Escolar.

Movimento aproveita feiras do setor para divulgar projeto. (Foto: Reprodução)

Em comum, os dois movimentos atacam o que seria uma “doutrinação ideológica” para, na prática, cercear discussões em sala de aula. No caso do primeiro, o alvo eram os debates sobre gênero, sexualidade e respeito à diversidade. Conservadores de toda ordem, em especial proselitistas religiosos, abraçaram a iniciativa e a colocaram em pauta.

Agora, o objetivo é apagar dos currículos e dos livros didáticos uma longa história de violência, destruição e exploração protagonizada pelo agronegócio. Para isso, as fundadoras, Andréia Bernabé e Leticia Zamperlini Jacintho, recorrem a um lobby ainda mais pesado.

Em pouco mais de um ano, ele já chegou ao Congresso, à Esplanada dos Ministérios, a governos estaduais, a prefeituras e até ao Palácio do Planalto. Também ganhou o apoio da Fundação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

“Diretamente, catorze empresas são nossas associadas e temos o apoio de dezenas de organizações”, dizem as autointituladas “mães do agro”, em post comemorativo do primeiro aniversário da associação. A Somos Educação, dona de marcas como Anglo, Sistema Ph de ensino e editora Ática, é outra parceira. “Estivemos com as editoras responsáveis pelo material de 96% dos alunos do Brasil”.

De Olho nos Ruralistas contou como a articulação começou, em 2021. E lembra que, apesar do nome, ela vai na contramão de tudo o que propõe este observatório: “Lobby do agronegócio se organiza para ‘fiscalizar’ material escolar“. O observatório também divulgou, nesta sexta (30/09), um dossiê sobre a censura no governo Bolsonaro: “Dossiê mostra ataques de Bolsonaro contra transparência pública e acesso a dados ambientais“.

KATAGUIRI SUGERE QUE BANCADA RURALISTA TOME FRENTE

Kim Kataguiri, durante reunião da FPA. (Foto: Divulgação)

Logo que assumiu a Comissão de Educação, Kim Kataguiri sugeriu que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), da qual faz parte, acompanhe o colegiado nas discussões sobre o tema. “Vamos fortalecer a pesquisa e educar as crianças para entenderem, de fato, o que significa o agro brasileiro para o nosso país”, afirmou o deputado, em reunião do colegiado. “Estamos à disposição para mudar a questão estrutural e transformar a imagem que ainda está distorcida em diversos lugares”.

Bolsonarista arrependido, o fundador do Movimento Brasil Livre (MDB) não se afastou das ideias do outrora aliado. Ele é, inclusive, autor de raciocínios esdrúxulos para defender o indefensável:

— O povo japonês que todo ano faz o festival do Japão, que todo ano produz sua comida, faz suas danças tradicionais, mantém sua cultura, mantém suas lutas tradicionais, mas não precisa de uma terra separada para pagar dívida histórica.

ALINE SLEUTJES É ELO ENTRE MOVIMENTO, GOVERNO E CONGRESSO

Vice-presidente da associação, em encontro com Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

Mas quem mais toma a frente do projeto no Congresso é Aline Sleutjes (Pros-PR), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, candidata ao Senado no Paraná e bolsonarista de primeira linha. Falamos sobre ela no quinto vídeo da série De Olho no Congresso.

— Obrigado, meninas, por esse trabalho com tanta dedicação e comprometimento, para que nós tiremos dos nossos materiais pedagógicos esse viés ideológico, fazendo com que o agro seja respeitado e valorizado como ele merece.

Além de Kataguiri e Sleutjes, a censura dos ruralistas aos livros didáticos tem apoio de políticos como Jerônimo Goergen (PP-RS), autor do projeto de lei que tipifica como terroristas as ocupações feitas por movimentos sociais, Bia Kicis (PL-DF), que se elegeu tecendo elogios ao Escola sem Partido, Aldo Rebelo, relator da flexibilização do Código Florestal, e Coronel Tadeu (PSL-SP), acusado de falta de decoro por destruir uma charge que denunciava violência policial contra jovens negros.

A ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MS), candidata ao Senado no Mato Grosso do Sul, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, o atual, Victor Godoy Veiga, e o próprio Jair Bolsonaro são outros entusiastas da proposta. “Os livros hoje em dia, como regra, é um monte, de amontoado, de, de, de… muita coisa escrita tem que suavizar aquilo”, balbucia o presidente.

“DIA HISTÓRICO”, DIZ ASSOCIAÇÃO SOBRE ENCONTRO COM MILTON RIBEIRO

O então ministro Milton Ribeiro recebeu as “mães do agro” em outubro de 2021, pouco antes do escândalo do “Bolsolão do MEC” vir à tona. Na agenda do ministério, o encontro foi registrado como “distorções no material escolar que discriminam o agronegócio brasileiro”.

Deputada quer se eleger senadora, com apoio de Bolsonaro. (Foto: Reprodução)
 Aline Sleutjes foi quem intermediou a reunião, que contou ainda com as presenças das deputadas Bia Kicis e Tereza Cristina, do presidente do Instituto Pensar Agro (IPA), Nilson Leitão, e da consultora da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) Mônika Bergamaschi.

“Um dia histórico para a nossa causa”, celebrou a associação, em post no Instagram. “O resultado foi extremamente positivo, principalmente por entenderem que a associação é legítima e que as ações que pleiteamos são importantes”.

Depois do encontro, o movimento comemorou a inclusão de representantes na comissão de avaliação do material do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Ribeiro e outras quatro pessoas foram presas pela Polícia Federal (PF) em junho, três meses após ele deixar o MEC. O ex-ministro é investigado por corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência, devido ao envolvimento em um esquema para liberação de verbas da pasta.

Os demais presos são os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, suspeitos de atuar informalmente junto a prefeitos para a liberação, por meio de concessão de propina, de recursos do ministério; Helder Bartolomeu, ex-assessor da Prefeitura de Goiânia, e Luciano Freitas Musse, ex-assessor de Ribeiro no MEC.

Milton Ribeiro. Tereza Cristina e as fundadoras do De Olho no Material Escolar. (Foto: Divulgação)

DORIA ACELERA MUDANÇAS EM SÃO PAULO

Em São Paulo, a mobilização das “mães do agro” começa a render frutos. O governo João Doria iniciou, em março, uma parceria para revisar os livros didáticos das escolas públicas estaduais. Segundo reportagem do Valor, o anúncio foi feito pelo secretário de Educação, Rossieli Soares da Silva, durante evento de abertura da safra de cana-de-açúcar.

Ex-aliados, Doria e Bolsonaro apoiam proposta. (Foto: Divulgação)

“Fora daqui se fala muito mais dos problemas do que dos avanços”, discursou, para a plateia de ruralistas. O encontro foi organizado pela consultoria Datagro, em Ribeirão Preto, e teve transmissão on line.

Doria deixou o governo em abril, com a intenção de disputar a Presidência da República, mas acabou desistindo na sequência. Quem assumiu o Palácio dos Bandeirantes foi Rodrigo Garcia, seu correligionário, também do PSDB, candidato à reeleição.

Ainda conforme o Valor, o De Olho no Material Escolar fechou em janeiro parceria com a Fundação Instituto de Administração (FIA), ligada a professores da Universidade de São Paulo (USP), para revisar publicações compradas pelo MEC.

FUNDADORA DEFENDE QUE INDÍGENAS SE TORNEM SOJEIROS

Associação leva estudantes para conhecerem fazendas. (Foto: Reprodução)

O movimento nasceu em Barretos, no interior de São Paulo, idealizado pela produtora rural e consultora de investimentos Leticia Zamperlini Jacintho, hoje presidente do grupo. Ela defende, por exemplo, que indígenas se tornem sojeiros. “As crianças são incentivadas a manifestar piedade aos índios e repudiar a cultura da cana de açúcar”, critica. “São estimuladas a se colocar na posição de uma família indígena que teve suas terras retiradas para plantação de cana, no entanto, nenhum contraponto é oferecido pelo material ou escola”.

Em 2018, Leticia decidiu questionar as apostilas da rede Anglo de ensino, com apoio do agrônomo Xico Graziano, ex-chefe de gabinete de Fernando Henrique Cardoso e ideólogo do agronegócio. “Aqui está o problema, aqui está o dano”, disse ele. “Essas escolas, elas estão doutrinando as crianças, estão vendendo para as crianças a imagem negativa da agricultura”.

A menina dos olhos da associação são os tours realizados em fazendas de grandes empresas do agronegócio, com professores, alunos e representantes de editoras de material didático.

OBSERVATÓRIO DEFENDE ELEIÇÃO DE UMA BANCADA SOCIOAMBIENTAL

De Olho nos Ruralistas realiza desde junho uma cobertura especial e inédita, com o objetivo de esmiuçar as políticas agrárias e ambientais dos últimos anos, as candidaturas do agronegócio e o funcionamento da FPA, maior e mais influente bancada do Congresso.

O Brasil decidirá neste domingo (02) se quer manter um presidente fascista, fiador de genocídios, ou apoiar candidaturas do campo democrático. Mas não basta barrar Bolsonaro. O país tem pela frente os pleitos estaduais, com menor visibilidade, e a renovação do Parlamento. Outra Câmara é possível, outro Senado é necessário. Precisamos de uma bancada socioambiental — uma bancada que defenda a vida.

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| Mariana Franco Ramos é jornalista. |

|| Luís Indriunas integra a equipe de editores do De Olho nos Ruralistas. ||

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas): Tereza Cristina, Aline Sleutjes, Jerônimo Goergen, Bia Kicis, Kim Kataguiri e Coronel Tadeu tomam a frente da censura ao material didático

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