Indústrias de armas e empresa de segurança possuem áreas em terras indígenas

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Ex-presidente da Taurus, Grupo Protege e fábrica de mísseis Avibras têm sobreposições em TIs em São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, atingindo os povos Guarani Kaiowá, Guarani Mbya e Rikbaktsa; dados estão no relatório “Os Invasores”

Por Bruno Stankevicius Bassi, Hugo Souza, Luma Ribeiro Prado e Tonsk Fialho

Relatório mostra participação de setores do agronegócio no ataque aos direitos indígenas.

Empresas brasileiras dos setores de segurança e de armas têm braços ruralistas em conflito com os povos indígenas, aponta o relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, publicado na quarta-feira (19) pelo De Olho nos Ruralistas. O documento apresenta 1.692 sobreposições de empresas e empresários nacionais e internacionais em 213 terras indígenas (TIs). Dessas invasões, três são protagonizadas pelo mundo das armas em três diferentes estados: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo.

As terras indígenas ocupam apenas 2,2% da área total do Mato Grosso do Sul, dono da maior desigualdade fundiária do país. Mesmo com 92% das terras do Mato Grosso do Sul em mãos privadas, os grandes fazendeiros sul-mato-grossenses querem mais. Antonio Marcos Moraes Barros é um deles.

Ele foi presidente da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), líder global em munições para armas portáteis e controladora da Taurus, uma das maiores fabricantes de revólveres e pistolas do mundo, onde chegou a ser um dos maiores acionistas. Hoje, é diretor da Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), com sede em Brasília. É sócio de uma empresa de aluguel de imóveis próprios em São Paulo. E, com familiares, da Elamar Participações e Agropecuária Ltda. A Elamar é a proprietária da Fazenda Janaína, no município de Amambai (MS). Metade de seus 2.384 hectares, 1.157,7 ha, estão sobrepostos à TI Dourados-Amambaipeguá I, onde vivem quase 6 mil indígenas.

Em 2018, ainda presidente da CBC, Barros doou R$ 30 mil para a candidatura de Ricardo Salles a deputado federal. Naquele ano, ele fez campanha defendendo o uso de “munição de fuzil” contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Seu número de urna, 3006, se referia à bala de fuzil fabricada pela CBC. Derrotado, Salles virou ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro. Em 2022, afastado da CBC/Taurus, Barros contribuiu com R$ 50 mil para a campanha do candidato à reeleição para a Câmara Luiz Philipe de Orleans e Bragança (PL-SP), mesmo após o deputado ter dito, em 2019, que “a escravidão é um aspecto do ser humano”, inclusive “das tribos indígenas umas com as outras”.

A violência armada é um dos principais martírios vividos pelos Guarani Kaiowá. Em 2016, a mesma TI foi atacada a tiros por fazendeiros de Caarapó. Uma das balas atingiu o abdômen e o tórax do agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, líder da Aldeia Tey Kuê. Outros seis indígenas ficaram feridos, entre eles uma criança de 12 anos.

De Olho nos Ruralistas contatou a Aniam para tentar obter uma resposta de seu diretor, Antonio Marcos Moraes Barros, sobre a sobreposição na TI TI Dourados-Amambaipeguá I. Em nota, a organização informou não possuir relação com os bens de seus executivos:

– A Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (ANIAM) é uma entidade sem fins lucrativos e não possui qualquer relação com os bens de seus membros

INDÚSTRIA DE MÍSSEIS TEM FAZENDA EM TERRA INDÍGENA NO LITORAL PAULISTA

Vista da TI Boa Vista do Prumirim em São Paulo. (Foto: Curiosidades de Ubatuba)

Outra empresa do setor apresenta sobreposição em terra indígena. A fabricante de mísseis e munições militares Avibras Indústria Aeroespacial S.A., maior empresa privada de sistemas de defesa do Brasil, declara um imóvel rural no litoral norte de São Paulo que tem a maior parte de sua área sobreposta à TI Boa Vista Sertão do Promirim. A Fazenda Avibras tem 1.793 hectares, dos quais 1.423 ha foram identificados pela Funai em 2013 como parte do território tradicional do povo Guarani Mbya, que aguarda a conclusão do processo demarcatório.

Em sua declaração institucional de respeito ao ambiente, a Avibras diz que é sua propriedade em Ubatuba que inclui uma TI: “A Avibras mantém ainda em Ubatuba uma propriedade (área de preservação permanente) com mais de 28 milhões de metros quadrados, na qual se inclui uma reserva indígena”.

Baseada em São José dos Campos (SP), a Avibras foi fundada no início da década de 60 por engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). A empresa é controlada pela família Carvalho Leite e tem 80% da sua produção voltada para exportação. A empresa é credenciada pelo Ministério da Defesa como Empresa Estratégica de Defesa (EED), o que lhe garante regime especial — facilitado — de contratação pelo poder público. Mesmo operando sob regras diferenciadas, e com o mercado bélico internacional aquecido, a Avibras enfrenta uma grave crise financeira e está, desde 2022, em processo de recuperação judicial.

Um contrato de R$ 380 milhões com as Forças Armadas, a ser financiado pelo BNDES, tem sido visto como uma possível tábua de salvação para a indústria de mísseis conseguir quitar suas dívidas. A solução do passivo com o povo Guarani Mbyá, por justaposição de propriedade privada à TI Boa Vista Sertão do Promirim, esta não se vislumbra no horizonte.

SÓCIOS DO GRUPO PROTEGE TÊM FAZENDA INCIDENTE NA TI JAPUÍRA, NO MT

A pecuária bovina serve de investimento para outro grupo ligado à indústria de segurança. Em Juara (MT), uma grande fazenda avança com 174,4 dos seus 7,5 mil hectares sobre a Terra Indígena homologada e registrada de Japuíra, do povo Rikbaktsa. Trata-se da Fazenda Conceição, registrada em nome da Propec Agropecuária e Imobiliária S/A, empresa de Jaguariúna, no interior paulista, que tem como sócios Marcelo Baptista de Oliveira e Flavio Baptista de Oliveira.

Sócios do Grupo Protege têm terras sobrepostas à TI Japuíra. (Foto: Divulgação)

Além de criar gado e cavalos Mangalarga Marchador, Marcelo preside o Grupo Protege, um dos maiores do Brasil em transporte de valores, logística de cargas e segurança patrimonial, atuando em todo o território nacional. O grupo possui uma academia de treinamento de profissionais para o setor de segurança privada, a Provig, em São Paulo, e uma terceirizadora de serviços operacionais e de segurança para o setor aeroportuário, a Proair. O outro sócio da Propec, Flavio Baptista de Oliveira, é diretor Administrativo e Financeiro do grupo.

Apesar da invasão de seus sócios sobre a TI Japuíra, a Protege possui dois contratos vigentes com o governo federal. Um deles, com o Banco Central, no valor de R$ 7,7 milhões, para “prestação de serviço de transporte rodoviário de moeda de circulação comum, numerário falso e peça comemorativa no território nacional bem como de seus itens de acondicionamento”. O outro, com a Advocacia-Geral da União, de R$ 234 mil, para segurança armada das unidades da AGU em Rio Branco, no Acre.

O documento com a política ambiental do Grupo Protege, de poucas palavras e assinado por Marcelo Baptista de Oliveira, é encabeçado por um logotipo formado pela bandeira do Brasil e a inscrição “ame-o”, remetendo aos slogans ufanistas da ditadura militar.

OBSERVATÓRIO DESTACA CASOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS

As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo relatório “Os Invasores” comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio brasileiro e global. Vale lembrar que muitas dessas empresas também se beneficiaram da política de desarmamento do antigo governo Bolsonaro, conforme apontou outro relatório desse observatório, “Oligarquias Armadas“, publicado em 2022.

Os casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

Confira abaixo o vídeo sobre o relatório:

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |

|| Hugo Souza é jornalista e editor do portal Come Ananás. ||

||| Luma Ribeiro Prado é historiadora e pesquisadora do observatório. |||

||||  Tonsk Fialho é estudante de Direito na UFRJ e pesquisador, com foco em sindicatos e movimentos sociais. ||||

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