Conselheiro do Bradesco tem área sobreposta a terra indígena dos Xetá no Paraná

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Rubens Aguiar Alvarez, neto do fundador do banco Amador Aguiar, quer deixar 7 hectares para indígenas que sobreviveram a extermínio de décadas; dados fazem parte do relatório “Os Invasores”, lançado pelo De Olho nos Ruralistas no dia 19 de abril

Por Hugo SouzaLuma Ribeiro Prado e Tonsk Fialho

Relatório mostra participação de setores do agronegócio no ataque aos direitos indígenas.

Segundo maior banco privado do país, o Bradesco possui conexão direta com conflitos em terras indígenas. No pequeno município paranaense de Ivaté, na região de Umuarama (PR), ocorre a maior sobreposição da região Sul, apontada pelo relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, lançado em 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas.

A Fazenda São Francisco tem 2.679 hectares dos seus 4 mil hectares incidindo na Terra Indígena (TI) Herarekã Xetá, que aguarda a delimitação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) desde 2014. Com uma área total de 2.686 hectares, sobrariam apenas 7 hectares para o povo Xetá viver, caçar, colher e plantar.

O resto do território ancestral serve de pasto, de lavoura de café e de plantio de cana para a produção de etanol. A fazenda está em nome da empresa Santa Maria Agropecuária Ltda, pertencente aos sócios Rubens Aguiar Alvarez e Lia Maria Aguiar, e à Concialpa Participações e Comércio Ltda, deles e de Denise Aguiar Alvarez.

Rubens e Denise são netos do fundador do banco Bradesco, Amador Aguiar. Rubens integra o Conselho de Administração desde 2021, quando substituiu o irmão João Aguiar Alvarez, falecido. João era pecuarista e foi conselheiro da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ).

Filha adotiva de Amador Aguiar, Lia Maria é filantropa e bilionária. Ela detém 1,8% das ações do Bradesco e 17% das ações da holding de participações Bradespar, criada em 2000 a partir de um desmembramento de operações do banco. Em sua política de sustentabilidade, o banco cita ter negado o financiamento de uma usina hidrelétrica que seria instalada na Região Norte devido à possível “interferência em terras indígenas”.

Sobre as informações, o Bradesco respondeu ao observatório que “trata-se de assunto de caráter pessoal, sem relação com o banco”.

Veja no mapa abaixo a sobreposição encontrada a partir de dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra):

Sobreposição, apontada pelo relatório Os Invasores, da fazenda do conselheiro do Bradesco em terras do povo Xetá. (Imagem: De Olho nos Ruralistas)

DISPERSOS VIOLENTAMENTE, OS XETÁ REINVINDICAM TERRA PARA SE REUNIREM

Os Xetá foram o último povo do atual estado do Paraná a entrar em contato com a sociedade nacional. Desde o fim do século 19 as frentes de colonização aproximaram-se do território Xetá. O povo fugiu do contato o quanto pôde até que, nos anos 1940, o território ancestral na Serra dos Dourados, noroeste do estado, foi invadido por fazendas de café, de gado e agricultura. Bem como foi alvo de ações das companhias de colonização e imigração, que obtinham terras do governo a baixo custo, faziam lotes e promoviam sua ocupação por colonos.

Conselheiro do Bradesco Rubens Aguiar Alvarez quer deixar 7 hectares para os Xetá. (Foto: Facebook)

No fim dos anos 1950, o povo estava praticamente exterminado. Em 1999, restavam apenas oito indígenas Xetá. Eles contaram que a invasão territorial conviveu com doenças infectocontagiosas, envenenamentos, rapto de crianças, incêndio nas aldeias, assassinatos com armas de fogo. Hoje, o povo Xetá soma cerca de quarenta pessoas, que vivem dispersas em terras indígenas de parentes e no meio urbano nos estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo.

No território dos Xetá foram estabelecidos municípios como Umuarama e Ivaté e os distritos de Serra dos Dourados e Santa Eliza. Depois de um processo de reconhecimento étnico e reencontro dos remanescentes, o povo luta por território e indenizações. A TI Herarekã Xetá está em processo de demarcação desde 2000. Em 2009, a Funai delimitou uma área de 12 mil hectares como tradicionalmente ocupada pelos indígenas.

Cerca de 500 famílias de agricultores reagiram ao processo, organizadas na Federação de Agricultura do Estado do Paraná (Faep). Elas pressionaram a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para garantir sua permanência na área. Em 2011, fazendeiros se reuniram com o ministro da Justiça e com o governador à época Beto Richa na tentativa de barrar a demarcação.

FAZENDA COM NOME DO BRADESCO É PALCO DE CONFLITO COM OS TERENA

Em outro caso de sobreposição apontado pelo relatório, a Fazenda Água Branca, de pecuária, avança 400 hectares em plena TI Taunay/Ipegue, em Aquidauana (MS), habitada pelo povo Terena. O imóvel está registrado pela Vinepa Agropecuária, empresa com endereço no Itaim Bibi, bairro paulistano de alta renda, pertencente aos sócios Edson Borges, Edson Borges Júnior e Maria de Fátima Borges, uma família de médicos ruralistas que vivem em São Paulo.

A TI Taunay/Ipegue foi declarada em 2016. São 34 mil hectares, onde vivem mais de 4 mil Terena. Em 2019, segundo o site Campo Grande News, indígenas ocuparam uma parte da Fazenda Água Branca. Na ocasião, circulou a informação de que as terras pertenciam à Fundação Bradesco. A fundação negou. Os indígenas foram expulsos da propriedade pela Polícia Militar.

Naquele ano, a família Borges foi à Justiça pedir multa de R$ 100 mil por dia para os indígenas que voltassem a entrar na fazenda. Ainda segundo o site sul-mato-grossense, no processo de interdito proibitório é citado o nome antigo da terra como ‘Fazenda Bradesco’.

OBSERVATÓRIO DESTACA CASOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS

As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo relatório “Os Invasores” comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio brasileiro e global. Vale lembrar que muitas dessas empresas também se beneficiaram da política de desarmamento do antigo governo Bolsonaro, conforme apontou outro relatório desse observatório, “Oligarquias Armadas“, publicado em 2022.

Os casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

Confira abaixo o vídeo sobre o relatório:

Hugo Souza é jornalista e editor do portal Come Ananás. |

|| Luma Ribeiro Prado é historiadora e pesquisadora do De Olho nos Ruralistas. ||

|||  Tonsk Fialho é estudante de Direito na UFRJ e pesquisador, com foco em sindicatos e movimentos sociais. |||

Foto principal (Divulgação): conselheiro do Bradesco, Rubens Aguiar Alvarez, tem área sobreposta à terra indígena dos Xetá 

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