Indígenas prestigiam lançamento de dossiê sobre face política das sobreposições

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Evento no Cine Belas Artes apresentou “Os Invasores II”, documento do De Olho nos Ruralistas que aponta políticos e seus financiadores com fazendas em terras indígenas e o filme “Vento na Fronteira”, sobre violência ruralista contra os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul    

Por Luís Indriunas e Luma Prado

Indígenas, pesquisadores, ativistas sociais e jornalistas lotaram, na noite desta quarta-feira (14) a sala Mário de Andrade do Cine Petra Belas Artes, em São Paulo, para o lançamento do dossiê “Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas“, elaborado pelo De Olho nos Ruralistas. No evento também foi exibido o documentário “Vento na Fronteira”, de Laura Faerman e Marina Weis, filme com nove prêmios que expõe a violência ruralista contra os Guarani Kaiowá na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. 

Cerca de um terço do público era formado por indígenas. Da Terra Indígena Jaraguá, de São Paulo, saíram diversos jovens e o líder Karai Djekupe, também conhecido como Thiago Guarani, um dos participantes do debate que encerrou o evento. A coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Txai Suruí, integrante da Juventude Indígena de Rondônia, representou o povo Paiter Suruí, também compôs a mesa, ao lado da diretora Laura Faerman. 

Na plateia estavam Nhande Vae’te, Movimento Indígena Multiétnico do ABC; Tanã Mura, do povo Mura do Rio Madeira, de Rondônia; integrantes do Levante Indígena da Universidade de São Paulo (USP), um movimento multiétnico de estudantes indígenas, e da União Plurinacional dos Estudantes Indígenas (Upei).

O lançamento contou ainda com representantes das organizações indigenistas Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Iepé, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e Instituto Socioambiental (ISA). O deputado estadual Eduardo Suplicy (PT), que tem um histórico de apoio à causa indígena, marcou presença.

“O evento ocorreu em um momento de ofensiva do Congresso contra os povos do campo, entre eles os indígenas”, apontou o diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho. “O novo documento do observatório mostra quem realmente invade terras no país e deveria estar sendo investigado em diversas instâncias”.

TXAI SURUÍ: ‘RELATÓRIO MOSTRA CPF E NOME DOS REAIS INVASORES’

“O Juruá, o não-indígena, tem o papel [como sagrado], que muitas vezes se ameaça, que se joga fora e que não se cumpre”, definiu Karai. ”Esse relatório, em específico, que está tratando sobre a grilagem de terras vai conseguir alertar não só [o governo] mas a população civil de como a manobra de domínio de terra é feita. Existem o interesse e o capital para derrubar a floresta, para beneficiar grandes empresários e políticos”. 

Os jovens Guarani, da TI Jaraguá, marcaram presença no evento. (Foto: Vanessa Nicolav)

Colunista da Folha, conhecida por participação em Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2021, Txai Suruí destacou que o relatório “além de mostrar o CPF, o nome dessas pessoas que são os reais invasores do nosso território, mostra como isso tudo tá ligado”. 

A antropóloga e professora aposentada da USP Manuela Carneiro da Cunha, referência no estudo dos povos indígenas, esteve no evento e elogiou a iniciativa. “Vocês estão fazendo um serviço público para a democracia, para os direitos humanos e para o Brasil como um todo”.

O documento mostra 42 políticos e seus familiares de 1º grau que são titulares de imóveis rurais com sobreposições em terras indígenas (TIs), totalizando 96 mil hectares, o que equivale à soma das áreas do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Entre eles o senador Jaime Bagattoli (PL-RO) e os deputados federais Newton Cardoso Júnior (MDB-MG) e Dilceu Sperafico (PP-PR).

O dossiê divulga os nomes de 18 integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) financiados por empresários com sobreposições. A face corporativa dessas fazendas incidentes em TIs já havia sido identificada na primeira parte do relatório, lançada no dia 19 de abril. Ela identificou 1.692 sobreposições de fazendas de empresas nacionais e estrangeiras em 213 terras indígenas, que totalizam 1,18 milhão de hectares — área equivalente à do Líbano.

Clique aqui para acessar a primeira parte de Os Invasores e aqui para a segunda parte. 

PARTICIPANTES DENUNCIAM AS AMEAÇAS DO MARCO TEMPORAL NO CONGRESSO 

A aprovação na Câmara do Projeto de Lei que tenta criar o Marco Temporal para as demarcações de terras indígenas e o julgamento do mesmo tema no Supremo Tribunal Federal (STF) permearam o debate e as conversas antes e durante o evento. “Eu e todos nós que defendemos os direitos indígenas estamos muito preocupados”, disse a professora Manuela. “Mas, confiando que o Senado irá segurar, confiando no STF e confiando que se passar esse PL, que o presidente irá vetar”, finalizou a antropóloga, que classificou a iniciativa de “malévola”.

O diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho, apresentou o relatório no Cine Belas Artes. (Foto: Vanessa Nicolav)

Castilho destacou que os deputados federais apontados no relatório votaram pelo Marco Temporal. “O conflito de interesses é evidente”, analisa. “Os mesmos políticos diretamente interessados na expansão territorial são os que buscam impor limites aos direitos territoriais dos indígenas e camponeses”.

Karai Djekupe fez a fala mais longa durante o debate, semanas após ele e seu povo serem reprimidos pela polícia paulista, durante ocupação da Rodovia dos Bandeirantes. “Nosso território está sendo invadido, ele está sendo ocupado de forma irregular e os processos de demarcação não estão andando”, destacou o líder Guarani. “A Constituição diz que tem prazo legal, tem rito legal de demarcação e proteção das terras tradicionalmente ocupadas. 

Para Txai Suruí, a tese do Marco Temporal encontrou terreno fértil primeiro no Judiciário, “que também é um instrumento utilizado para nos colonizar até hoje”.

Na próxima semana, estão programados atos cívicos contra o desmonte ambiental que inclui a ofensiva contra os povos originários. Em São Paulo, Florianópolis e Belo Horizonte, as manifestações acontecem no domingo (18). Em Brasília,  será na quarta (21) e no Rio de Janeiro, sexta (23).

PERSONAGEM DO DOCUMENTÁRIO ENVIOU VÍDEO DE AGRADECIMENTO

O documentário “Vento na Fronteira” expõe o conflito na TI Ñande Ru Marangatu, fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. O roteiro opõe a professora Guarani Kaiowá Alenir Aquino Ximendes, que luta pelo direito de sua comunidade a terras ancestrais, e a fazendeira Luana Ruiz Silva, que se tornou advogada para brigar pelas terras de sua família na mesma área. Ela é um dos nomes cotados para prestar informações na CPI do MST. 

A professora indígena Alenir Aquino Ximendes, que luta pelo direito de sua comunidade a terras ancestrais. (Imagem: Vento na Fronteira)

Para o lançamento do relatório, Alenir enviou um vídeo gravado no Mato Grosso do Sul:  “Só tenho mesmo a agradecer por vocês terem deixado as suas casas, para vocês estarem aqui, nesse momento, para a gente estar divulgando um pouco da nossa história e do que a gente vive dentro da nossa Tekohá”.

Laura contou que seu contato com os Guarani Kaiowá aconteceu quando ajudou nos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade Indígena, em 2014, quando foram investigadas as violências da ditadura contra os povos originários, que resultaram na morte de mais de 8 mil indígenas. 

O filme teve sua estreia no maior festival de documentários dos Estados Unidos, o DOC NYC, em Nova York, e foi um dos três filmes brasileiros qualificados para disputar a categoria no Oscar 2023. Já recebeu nove prêmios, entre melhor filme e menções honrosas, um deles o de melhor filme da Competição Oficial de Documentários Latino-americanos do XX Festival Independente de Cinema e Direitos Humanos de Buenos Aires.

A partir das visões dessas duas mulheres antagônicas, o documentário explicita o processo histórico de expulsão e a violência contra os Guarani Kaiowá no Centro-Oeste, em um contexto de ascensão da extrema direita ao poder no Brasil.

OBSERVATÓRIO DESTACA CASOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS

As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo projeto “Os Invasores” comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Por trás dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tracionais estão alguns dos principais líderes do agronegócio.

Essa interface política não ocorre apenas no Legislativo. Eles ocupam cargos públicos nos três poderes, garantindo a manutenção do sistema político ruralista que vigora no Brasil há pelo menos dois séculos.

Confira abaixo o vídeo de lançamento da segunda parte do relatório:

Os casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

Luís Indriunas é editor e roteirista do De Olho nos Ruralistas. |

|| Luma Prado é historiadora, roteirista e apresentadora do De Olho na Resistência. ||

Foto principal (Vanessa Nicolav): líder indígena Karai Djekupe, a historiadora Luma Prado, a documentarista Laura Faerman e a líder indígena Txai Suruí durante lançamento do relatório Os Invasores II

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