Multinacional Bunge tem papel central no desmatamento do Cerrado

In Cerrado, De Olho no Agronegócio, De Olho no Ambiente, Desmatamento, Em destaque, Multinacionais, Principal, Últimas

Estudo publicado pela organização Mighty Earth mostra que fazendas fornecedoras da empresa desmataram 11 mil hectares no Matopiba entre 2021 e 2023; material cita entre as fontes reportagens e dossiê do De Olho nos Ruralistas

Por Nanci Pittelkow

Relatório da Mighty Earth cita dados do De Olho nos Ruralistas sobre Bunge.

Enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva comemora a redução de 31% no desmatamento da Amazônia de janeiro a maio de 2023, em comparação com o mesmo período do ano anterior, no Cerrado a alta foi recorde. Somente em maio deste ano os alertas de desmatamento no bioma foram 83% maiores do que em 2022, segundo o Ministério do Meio Ambiente. Uma pesquisa da Mighty Earth, publicada em parceria com a Repórter Brasil e o Instituto Centro de Vida (ICV), mostra que a Bunge, principal exportadora de soja no Brasil, responde por parte significativa dessa destruição.

Em 2022, a multinacional estadunidense anunciou uma nova política de “desmatamento zero” no Cerrado, tendo o ano de 2020 como data-limite para a compra de soja oriunda de áreas desmatadas — isto é, qualquer fazenda com desmate realizado após esta data seria cortada da relação oficial de fornecedores.

Essa política ainda não saiu do papel: o relatório “Salvando o Cerrado: porque Bunge, supermercados e governos devem agir imediatamente” aponta que, entre junho de 2021 e março de 2023, três fornecedores diretos da Bunge foram responsáveis pelo desmatamento de 11.351 hectares, nos municípios de Luis Eduardo Guimarães e Barreiras (BA) e Baixa Grande do Ribeiro (PI). Além disso, a empresa pode estar atrelada indiretamente a outros 14.598 hectares devastados em cinco fazendas no mesmo período, todas no Matopiba — região que engloba as áreas de Cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A Bunge confirmou possuir relações com quatro das oito fazendas listadas.

Entre os fornecedores diretos identificados pela Mighty Earth estão o Grupo Franciosi, o Condomínio Milla e a InSolo Agroindustrial. Esta última foi beneficiada na transferência de 61 títulos fundiários pelo ex-governador piauiense Wilson Martins (PSB), conforme mostrou reportagem do observatório durante as eleições de 2018: “Histórias de grilagem e venda de terras públicas marcam candidaturas no Piauí“.

Entre os indiretos, o destaque vai para Irineu Orth, suplente do senador ruralista Luis Carlos Heinze (PP-RS), ex-presidente e dirigente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Em 2019, De Olho nos Ruralistas identificou a relação de fazendas do político gaúcho no especial Mapa de Terras de Parlamentares. Entre elas, a Tapera Grande, em Correntina (BA), onde 937 hectares foram desmatados ilegalmente entre julho de 2022 e janeiro de 2023, segundo a Mighty Earth.

Clique aqui para baixar o relatório.

RELATÓRIO CITA DADOS DO DOSSIÊ “OS INVASORES”

Bunge possuía imóvel sobreposto à TI Morro Alto, no porto de São Francisco do Sul. (Eduardo Carlini/De Olho nos Ruralistas)

Publicado em junho, o relatório da Mighty Earth aponta a política de controle e fiscalização de fornecedores da Bunge como uma das mais fracas do setor. Entre as fontes usadas para endossar o descumprimento das salvaguardas ambientais pela empresa, o estudo cita a primeira parte do dossiê “Os Invasores“, deste observatório, que tem um capítulo destinado à participação de gigantes da soja em sobreposições de terras indígenas.

No caso da Bunge, o povo Guarani Mbya luta desde 2009 para que a demarcação da TI Morro Alto, em Santa Catarina, seja concretizada. No caminho está o imóvel “Projeto São Francisco 135”, que avança 134 hectares no território reivindicado pelos indígenas. A área, destinada à instalação de armazéns portuários, pertencia, até meados de 2022, à Bunge Alimentos S.A., uma das subsidiárias da gigante estadunidense.

Outra citação ao De Olho nos Ruralistas remete à reportagem de 2022 sobre o relatório “Desmatamento, grilagem de terras e financeirização: Impactos da expansão do monocultivo da soja no Brasil”, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. O texto remete a um caso de grilagem em Uruçuí (PI), onde fica uma das unidades da Bunge.

Entre 2019 e 2020, este observatório integrou um consórcio de pesquisa junto à Mighty Earth e à ONG holandesa AidEnvironment, para publicação de relatórios mensais de desmatamento na Amazônia e no Cerrado, identificando os proprietários de cada fazenda. Intitulado Rapid Response, o projeto teve mais de vinte edições e foi consolidado também em português: “De Olho nos Ruralistas publica relatórios sobre desmatamento na Amazônia e no Cerrado“. Parte dos dados foi usada na nova publicação sobre a Bunge.

BUNGE RESPONDE DE FORMA EVASIVA

A Bunge é a maior compradora da soja no Cerrado e com mais silos na região. (Divulgação)

A Bunge é a quarta maior exportadora entre todos os setores e a primeira no setor agrícola do Brasil. Os derivados de soja da Bunge são usados principalmente como ração na produção de carne bovina, suína, de aves e de laticínios, que é vendida em supermercados brasileiros e da Europa, além de abastecer cadeias de fast food. Mais de 80% da receita da multinacional depende da soja e seus derivados.

No Cerrado, as atividades da Bunge representam 50% do risco de desmatamento de todo o bioma. A Bunge confirmou o fornecimento direto de soja de quatro das oito fazendas identificadas com desmatamento, mas não demonstrou intenção de parar de comprar desses sojeiros. A empresa tampouco anunciou investigação interna sobre outras fazendas do Cerrado em áreas com risco de desmatamento.

Como conclusão, a Mighty Earth pede que a União Europeia inclua explicitamente o Cerrado e todos os outros ecossistemas naturais no escopo do regulamento de desmatamento e rejeite qualquer acordo de livre comércio que ponha em risco os ecossistemas naturais vulneráveis e a proteção dos direitos e dos meios de subsistência das comunidades indígenas e tradicionais.

| Nanci Pittelkow é jornalista. |

Imagem em destaque (Mighty Earth): queimadas e desmatamento avançam no Cerrado com aval de multinacionais

LEIA MAIS:
“Os Invasores” mostra participação de gigantes da soja em sobreposições de terras indígenas
De Olho nos Ruralistas publica relatórios sobre desmatamento na Amazônia e no Cerrado
Relatório implica Bunge e outras multinacionais em cadeias da soja oriundas de grilagem

You may also read!

Conheça o terreno em Parelheiros onde Nunes tentou construir condomínio empresarial

Imobiliária do prefeito, a Topsul Empreendimentos, iniciou processo em imóvel na Estrada Ecoturística de Parelheiros; mata e casa cotada

Read More...

Imobiliária de Ricardo Nunes mostra conexão empresarial com parceiros da zona sul

Dono da Topsul Empreendimentos, prefeito e amigos maçons montaram empresa em nome de parentes; todos tinham conexão com Associação

Read More...

Green Village: o condomínio em Interlagos onde Ricardo Nunes e amigos fazem seu “banco imobiliário”

Maçons e empresários do ramo de imóveis, grupo do prefeito tem apartamentos no local e tentáculos na prefeitura, em

Read More...

Leave a reply:

Your email address will not be published.

Mobile Sliding Menu