Conselho Nacional das Populações Extrativistas completa 38 anos e cobra políticas públicas que aumentem segurança e qualidade das comunidades tradicionais da Amazônia; organização prepara encontro nacional com 400 líderes extrativistas em Brasília, entre 13 e 17 de novembro
Por Katarina Moraes
O dia 17 de outubro marcou o aniversário de 38 anos do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), movimento criado pelo líder seringueiro Chico Mendes, em defesa de um projeto de reforma agrária próprio para a Amazônia, que contemplasse as diversas comunidades que tiram da floresta o seu sustento. A atuação do CNS levaria à criação, em 1990, das Reservas Extrativistas (Resex). Hoje, com mais de 22 milhões de hectares protegidos sob essa modalidade, a instituição continua lutando em busca de dignidade para os povos da floresta e em defesa do legado de seu fundador, assassinado por fazendeiros da União Democrática Ruralista (UDR) em 22 de dezembro de 1988.
Um evento online marcou o início dos preparativos para o VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas, que reunirá mais de 400 líderes de territórios tradicionais. O encontro será realizado entre 13 e 17 de novembro, na Universidade de Brasília (UnB), a mesma onde o CNS foi fundado. Barbosa contou que o grupo discute a realização, em 2025, do 4º Encontro Chamado da Floresta, durante a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças de Clima, a COP 30, em Belém. A data marca os 40 anos do CNS.
CAUSA UNIU EXTRATIVISTAS, INDÍGENAS E QUILOMBOLAS
“O CNS é o desenho de uma instituição que tem uma utopia muito clara na sua mente, que é [chegar ao] dia em que a floresta amazônica e seu povo estejam protegidos”, disse o presidente da organização, Julio Barbosa, durante live comemorativa do aniversário. “Ainda estamos muito longe de chegar à terra prometida, mas acho que chegamos na porteira dela”.
Criado em 17 de outubro de 1985, o CNS tem como missão representar trabalhadores agroextrativistas organizados em associações, cooperativas e sindicatos, e é formado por líderes de diferentes segmentos extrativistas de todos os estados da Amazônia. São seringueiros, castanheiros, coletores de açaí, quebradeiras de coco babaçu, balateiros, piaçabeiros, integrantes de projetos agroflorestais, extratores de óleo e plantas medicinais, entre outros.
Durante a live, Barbosa relembrou a audácia do grupo de seringueiros pioneiros que saiu da Amazônia até a capital federal para cobrar visibilidade ao poder público. “Quando fomos para Brasília, nossa pauta era simples, porque a gente reivindicava que fosse garantido o mercado e um preço justo para o nosso produto”, relembra. “Hoje falamos de produtos da bioeconomia ou da sociobiodiversidade, que na época nem sabíamos o que era essa palavra, como ecologia e meio ambiente”.
Ele também destacou a ampliação das pautas da instituição, que unem, em uma só luta, os extrativistas aos povos indígenas e aos quilombolas.
LÍDERES COBRAM POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MANUTENÇÃO NOS TERRITÓRIOS
Filho e neto de seringueiros, Dione Torquato é secretário-geral do CNS. Ele pontua os desafios que ainda vê pela frente: “Talvez o principal deles seja como implementar nos nossos territórios políticas [que permitam] que nossas populações vivam com dignidade, justiça e respeito”, disse. “Isso porque não é somente um decreto de criação que garante o território, é preciso todo um arcabouço de políticas públicas para que possa trazer, de fato, segurança e melhoria da qualidade de vida das nossas populações”.
A resistência da instituição é um ponto que passa, atualmente, pela formação contínua dos jovens, hoje liderados por Letícia Moraes, secretária de articulação política das juventudes extrativistas: “Somos nesse processo uma sementinha que permeia e percorre todos os biomas do nosso país, não somente a Amazônia, sendo assim agentes multiplicadores capazes de chamar outras juventudes para estarem com a gente nesse debate, envolver a juventude e trazer para nós o orgulho de sermos extrativistas”.
Maria Nice Machado, secretária de mulheres e quebradeira de coco no Maranhão, enxerga o CNS como uma “faculdade” e faz questão de levar esse ensino para outras mulheres do estado. “Um dos pontos principais é buscar e trazer as mulheres das reservas, comunidades e ribeirinhas para dentro para terem conhecimento e empoderamento”, afirmou. “Trazer essas mulheres lá da base é a maior riqueza que encontramos”.
| Katarina Moraes é jornalista. |
Foto principal (Reprodução): líderes extrativistas levam lanternas “porongas” em manifestação do CNS em Brasília, em novembro de 2019
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