Os Gigantes: na rota das ferrovias, municípios do Matopiba são comandados por herdeiros do agronegócio

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Filho de ex-prefeito envolvido em grilagem, Dr. Erik tenta emplacar sucessor em Balsas (MA); na Bahia, prefeitos de Formosa do Rio Preto e São Desidério declaram terras sem registros no Incra; dossiê discute impacto da Transnordestina e da Fiol no desmatamento do Cerrado

Por Bruno Stankevicius Bassi

O ano de 2023 foi emblemático nos registros de desmatamento no Brasil. Segundo dados do MapBiomas, foi a primeira vez desde o início da série histórica que o Cerrado registrou mais desmatamento que a Amazônia. Apenas quatro estados foram responsáveis por 47% de toda a área desmatada no país: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que juntos formam o Matopiba, registraram 8.589,52 km² de perda de vegetação — uma área maior que a Palestina.

Dossiê aponta influência do agronegócio sobre prefeituras

Nos últimos anos, o acrônimo tornou-se um sinônimo de destruição ambiental e de grilagem, graças à atuação de imobiliárias agrícolas e de fundos de pensão internacionais, como o TIAA-Cref e o Harvard Management Co. A expansão da soja e do algodão no Matopiba vem acompanhada da expansão da malha ferroviária.

Na última versão do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), lançada em 2023, existem dois projetos desenhados sob encomenda para os produtores rurais da região. O primeiro é a conexão entre a Transnordestina e a Ferrovia Norte-Sul (FNS), que beneficiará o município de Balsas, no Maranhão, o 91º maior do país e um dos destaques do dossiê “Os Gigantes“, que mapeia as políticas ambientais e os conflitos de interesses nas prefeituras dos cem maiores municípios brasileiros por extensão territorial. Juntos, eles compõem 37% do território nacional.

O segundo é a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), já em estágio avançado de execução. Segundo o Ministério dos Transportes, a previsão de entrega do trecho entre Barreiras (BA) e Figueirópolis (TO), onde se conectará à FNS, é para 2027.

No caminho ficam os dois representantes baianos entre os Gigantes. São Desidério e Formosa do Rio Preto ocupam a quinta e a nona posição no ranking de Produção Agrícola Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considera o valor monetário. Em termos de volume, os dois se invertem: com 1,8 milhão de toneladas, Formosa é o segundo maior produtor nacional de soja, atrás apenas de Sorriso (MT). São Desidério vem na sequência, em terceiro, com 1,6 milhão de toneladas. Os dados são da safra 2022/2023.

Os três representantes do Matopiba figuram na lista dos dez municípios que mais perderam vegetação entre os cem maiores do Brasil entre 2021 e 2024. Juntos, Balsas, São Desidério e Formosa do Rio Preto desmataram 2.608,31 km², 30% do total do Matopiba.

FILHO DE GRILEIRO, PREFEITO DE BALSAS IGNORA PROJETO DE FERROVIA

Iniciada em 2006 e atrasada há catorze anos, a Transnordestina pretende ligar os portos marítimos de Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará, com um terceiro ramal vindo do porto seco de Eliseu Martins, no Piauí. Retomado em 2023, o projeto deve ser concluído até 2027. Paralelamente, existe uma movimentação para que o projeto seja estendido até Aguiarnópolis (TO), onde se conectará à FNS.

Balsas, um dos principais centros produtores de soja do Brasil, fica entre os dois pontos. Hoje, o município depende quase exclusivamente do modal rodoviário para transportar grãos até o porto de São Luís. O investimento no estudo para a ligação das duas ferrovias foi incluído no Novo PAC e, segundo o governo federal, há interesse direto da China no projeto.

Dr. Erik (esq.) tenta emplacar o vice Celso Henrique (dir.) na prefeitura de Balsas. (Foto: Divulgação)

O estudo de viabilidade apresentado pela Valec — estatal responsável pelo desenho, elaboração e operação de ferrovias — não aponta danos ambientais consideráveis, apesar do traçado apontado como o mais viável para a ferrovia atravessar uma área prioritária para conservação do Cerrado, classificada com grau de importância “muito alto” pelo Ministério do Meio Ambiente. O custo estimado com compensações ambientais é de apenas R$ 44 milhões.

Apesar de sua importância estratégica, o projeto não aparece entre as prioridades do prefeito Erik Augusto (PP). Ele é aliado do ministro André Fufuca, nomeado para a pasta de Esportes de Lula por indicação do presidente da Câmara, Arthur Lira. Dr. Erik, como é conhecido, foi reeleito em 2020 e não disputa as eleições de domingo. Seu sucessor, o vice-prefeito Celso Henrique Borgneth (PP), aparece em segundo lugar nas pesquisas, atrás do deputado estadual Alan da Marissol (PRD).

Nenhum dos candidatos possui ligações diretas com o agronegócio local. Celso Henrique é engenheiro e Alan é dono de uma rede varejista de vestuário. Mas Dr. Erik é filho do fazendeiro José Bernardino Pereira da Silva, prefeito de Balsas entre 1983 e 1984.

Segundo o geógrafo Bruno Rezende Spadotto, em sua tese de doutorado, José Bernardino se apossou ilegalmente de uma área de 60 mil hectares denominada Data Sucupira, em Balsas, durante os anos 80. Na década seguinte, a área foi vendida ao grileiro Euclides de Carli, um dos principais expoentes do roubo de terras no Matopiba, conforme noticiado por este observatório: “Fundo americano de professores passa a controlar 270 mil hectares no Brasil“.

Falecido em 1984, o ex-prefeito ainda aparece como titular da Fazenda Gameleira, de 110 hectares, na região conhecida como Data Azuis (ou Terra Nova). O registro foi cancelado pela Receita Federal por “inscrição indevida”.

Seu filho, Dr. Erik, declarou em 2016 um imóvel rural de 225,60 hectares, denominado Gleba Santa Maria. O registro não aparece na declaração de bens de 2020.

PREFEITOS FAZENDEIROS NA BAHIA APRESENTAM DECLARAÇÕES INCONSISTENTES

Palco da Operação Faroeste e dos conflitos envolvendo o Condomínio Agrícola Cachoeira Estrondo, Formosa do Rio Preto possui a maior área de soja entre os Gigantes. São 4.801,18 km² dedicados à monocultura do grão, quase um terço da área total do município, um dos principais beneficiários da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol).

Neo Araújo, prefeito de Formosa do Rio Preto, em reunião na Associação de Agricultores. (Foto: Divulgação)

O prefeito Manoel Afonso de Araújo (PSD), conhecido como Neo, é um dos interessados diretos no projeto. Segundo sua declaração de bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele detém a posse de três fazendas, adquiridas por herança e avaliadas em R$ 800 mil. Na última prestação de contas, de 2020, eram quatro imóveis, ao valor de R$ 1,1 milhão.

O tamanho das áreas nunca foi declarado por Neo, nem durante sua primeira passagem pela prefeitura, entre 2005 e 2012. A titularidade dos imóveis não é rastreável no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Nem nas bases de dados da Receita Federal.

Neo é próximo à Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), principal porta-voz do agronegócio no oeste baiano. Em 2021 ele participou de uma reunião da entidade na gleba Coaceral. No mesmo ano, foi assassinado ali o fazendeiro Paulo Antônio Ribas Grendene, um dos envolvidos na disputa de terras com o grileiro José Valter Dias, principal investigado na Operação Faroeste.

Em São Desidério, outro município baiano beneficiado pela Fiol, o prefeito também é fazendeiro. Em 2020, José Carlos de Carvalho (PP) se reelegeu declarando ao TSE a Fazenda Ponte de Terra por R$ 25 mil. Assim como no caso de Formosa do Rio Preto, o prefeito de São Desidério não declarou o tamanho da propriedade. O imóvel tampouco está listado no Incra.

Para a sucessão, Zé Carlos apoia outro fazendeiro, Tony Linhares (PP), dono de uma “área rural de 54 hectares”, declarada por R$ 150 mil.

CONFIRA VÍDEO SOBRE “OS GIGANTES” EM NOSSO CANAL NO YOUTUBE

O território brasileiro comporta quase todo o continente europeu. Um quinto das Américas. É a maior área continental do hemisfério sul. O Oiapoque, no Amapá, está mais próximo do Canadá do que de Chuí, no extremo sul do país. Entre o litoral paraibano, onde se inicia a Rodovia Transamazônica, e Mâncio Lima, na divisa com o Peru, são 4.326 quilômetros — quase a mesma distância entre Lisboa e Moscou.

Entre esses extremos existem 5.568 municípios. Entre eles, desponta um time seleto cujas proporções são comparáveis a países inteiros: os cem maiores municípios do país. O maior deles, Altamira (PA), é maior que a Grécia. Bem maior que Portugal.

“É uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário”.

Além do dossiê “Os Gigantes”, o observatório publica uma série de vídeos e reportagens detalhando os principais achados do estudo, que mapeia as políticas ambientais dos cem municípios e conta casos emblemáticos de conflitos de interesses envolvendo prefeitos-fazendeiros e a influência de empresas e sindicatos rurais.

O primeiro episódio está disponível em nosso canal no YouTube. Confira abaixo:

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de pesquisa do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Reprodução/Miller Magazine): municípios do Matopiba estão na rota das “ferrovias da soja”

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