FHC, o Fazendeiro – Vinte anos atrás, Fernando Henrique vendia touros em Rancharia (SP), na fazenda de Jovelino Mineiro

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Comprador foi uma agropecuária do MS pertencente à família de um ex-presidente do TCE em São Paulo, Eduardo Bittencourt de Carvalho; empresa já foi acusada de lavar dinheiro

Por Alceu Luís Castilho

– E agora, minha gente, um dos melhores bois do dia. É o boi do presidente Fernaaando Henriiiiqueee Cardoooosoooo!!!

Assim foi narrado um leilão de touro realizado em 1999 em Rancharia (SP), na Fazenda Sant’Anna, pertencente ao pecuarista Jovelino Carvalho Mineiro Filho. Fernando Henrique era o presidente da República, em seu segundo mandato sucessivo. A reportagem da Veja descrevia Jovelino, membro não-vitalício da Fundação Henrique Cardoso, como “compadre de FHC”. O touro da raça Brangus foi arrematado por R$ 4 mil.

Quem dissesse, no fim dos anos 60, que uma das referências mais famosas da teoria da dependência na América Latina estaria, três décadas depois, vendendo touros Brangus no oeste paulista dificilmente seria levado a sério. Em agosto de 1998, porém, FHC – professor da USP já em 1952, aos 21 anos – enviou 50 animais para o tradicional leilão no Pontal do Paranapanema.

Maio de 1968, Paris. (Foto: Reprodução)

Os touros tinham sido criados na Fazenda Córrego da Ponte, em Buritis (MG), na época uma sociedade entre ele e Wilma Motta, viúva do ex-ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Um dos anfitriões na Fazenda Sant’Anna, fundada em 1974, era o pecuarista Jovelino Carvalho Mineiro Filho, futuro sócio da Córrego da Ponte. O outro era o sogro de Jovelino, o fundador da UDN Roberto de Abreu Sodré.

Abreu Sodré foi governador biônico de São Paulo entre 1967 e 1971, durante os anos de chumbo. Em 1968, há 50 anos, Fernando Henrique Cardoso lançava seu livro “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”. Foi o ano da Batalha da Rua Maria Antônia, marcada por briga entre estudantes da USP (maioria de esquerda) e do Mackenzie (maioria de direita), em São Paulo. Ano do Maio de 1968, em Paris. E ano do AI-5, que radicalizou o golpe de 1964.

COMPRADOR ERA PAI DE EX-CONSELHEIRO DO TCE

Segundo presidente eleito após o fim da ditadura, FHC propôs-se a vender em Rancharia os primeiros touros Brangus de sua criação, em associação com Jovelino Mineiro e com um pecuarista argentino, Horácio Gutierrez, sócios na Angus Bela Vista Agropecuária. Contou a Folha, em 1999, que ele conseguiu vender 31 touros para o sul-mato-grossense Waldemar Bittencourt de Carvalho, um veterano da Revolução de 1932 que se apresentou como “muito amigo” de FHC. O pecuarista de 88 anos pagou R$ 69 mil pelo gado.

Falecido dois anos depois, Carvalho era pai de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), Eduardo Bittencourt de Carvalho, deputado estadual entre 1983 e 1991 pelo PL. Bittencourt, o filho, esteve sob suspeita de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro pelo Ministério Público Estadual. Em 2009, ele recebia R$ 21 mil por mês e tinha um patrimônio de US$ 50 milhões, no Brasil e nos Estados Unidos, entre eles a Agropecuária Pedra do Sol, dona de uma fazenda em Corumbá (MS).

Foi exatamente a Pedra do Sol, conforme outra reportagem da Folha, que efetuou a compra de 33 touros (e não 31), por R$ 73 mil. O gerente da agropecuária, Dário de Freitas, enumerou dois fatores para a aquisição: 1) a qualidade dos animais; 2) a amizade de Waldemar Bittencourt – o pai – com Fernando Henrique Cardoso. Eduardo Bittencourt, o filho, foi exonerado do TCE em 2012, por causa da suspeita de enriquecimento ilícito.

Ainda em 1999, o ex-conselheiro apareceu no noticiário em outro escândalo, o relatório da Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal. Ele era mencionado como um dos supostos beneficiários de repasses ilegais, para políticos, pela construtora Camargo Corrêa. A operação foi anulada pela justiça dois anos depois, sob a alegação de que as denúncias eram anônimas. O ex-ministro Antonio Palocci, da Fazenda, acusou um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de receber R$ 5 milhões para barrar a operação.

QUEM ACOMPANHOU A VENDA FOI A FILHA

Luciana Cardoso no leilão da Fazenda Sant’Anna, em 1999. (Foto: Reprodução)

O primeiro leilão com a família Cardoso ocorreu em 1998, muito antes de Bitencourt ser alvo de investigação. No ano seguinte, em maio, lá estavam novamente no Pontal do Paranapanema os touros produzidos pela família de FHC no cerrado mineiro. Dessa vez foram enviados 35 touros. E com a presença especial de uma das filhas de Fernando Henrique, a bióloga Luciana Cardoso. “Meu pai vai para a fazenda para descansar”, contou ela à Veja. “Eu vou para trabalhar. Passei um ano preparando o gado para esse leilão”.

Era Luciana quem administrava a fazenda em Minas, após a morte de Sérgio Motta, no ano anterior. Seu marido Getúlio Vaz, por sua vez, era pecuarista e sojicultor em Catalão (GO), na metade do caminho entre Brasília e São Paulo. “Fazenda não dá lucro, mas também não dá prejuízo”, afirmou ela à Folha. A propriedade em Buritis era a única da família – muito antes das terras em Botucatu, que ela tem em sociedade com os irmãos: “FHC, o Fazendeiro – Em Buritis (MG), Fernando Henrique criou gado e despejou MST com Exército”.

Dez anos depois, em março de 2009, Luciana Cardoso ganhou visibilidade após notícias de que ela seria funcionária fantasma do gabinete do senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Em entrevista a Mônica Bergamo, da Folha, ela disse que preferia exercer o cargo de secretaria parlamentar em casa, pois o Senado era “uma bagunça”. “Eu cuido de umas coisas pessoais do senador”, explicou ela. “Coisas de campanha, organizar tudo para ele”.

FAZENDA TINHA A MARCA CENTRAL BELA VISTA

A empresa Fazenda Sant’Anna foi fundada em 1974, quando Jovelino Mineiro Filho era um jovem de 23 anos e não tinha ainda mergulhado no agronegócio, para cuidar das fazendas que a mulher Maria do Carmo herdou do pai, Abreu Sodré. Foi nesse mesmo ano que ele se mudou para Paris, para cursar mestrado e doutorado na Universidade de Paris Panthéon-Sorbonne. Foi lá que conheceu Paulo Henrique Cardoso. Depois, FHC, de quem se tornou amigo íntimo – chamado pelo ex-presidente de Nê, ele é padrinho de dois netos do ex-presidente.

Jovelino Mineiro em entrevista ao canal Terra Viva. (Reprodução/YouTube)

O site da fazenda no Pontal a apresenta como “uma das maiores propriedades do Brasil”, entre as unidades de Rancharia e Uberaba (MG). Ao nome Sant’Anna se agrega o complemento “a genética da carne”. Lá são criados gado Nelore, Brangus, Gir e Brahman. Seus leilões costumam ser transmitidos pela imprensa defensora do agronegócio, como o canal Terra Viva, da Band – fundado pelo próprio pecuarista. O último leilão em Rancharia – município que tem o maior rebanho bovino de São Paulo – ocorreu em setembro de 2017.

Na época a Sant’Anna estava conectada à Central Bela Vista Pecuária, um grande centro de genética bovina em Botucatu (SP). Vendida por Jovelino Mineiro para um grupo holandês, as terras da Bela Vista fazem divisa com a fazenda Três Sinos, dos Cardoso. Essa fazenda está em nome da Goytacazes Participações. FHC já foi sócio da Goytacazes, que funciona no mesmo endereço contábil das empresas de Jovelino. Os sócios atuais da empresa são Beatriz, Luciana e Paulo Henrique Cardoso.

INQUÉRITO POR CRIME AMBIENTAL

O Ministério Público do Estado de São Paulo moveu em 2008 um inquérito civil por crimes ambientais na região do Ribeirão da Confusão, em Rancharia. A Promotoria de Justiça Regional do Meio Ambiente do Pontal do Paranapanema constatou que os rios da região vinham sendo assoreados por causa da ausência de mata ciliar. E mais: erosão, ocupações irregulares. Segundo o promotor Nelson Bugalho, faltavam práticas conservacionistas de solo por parte dos proprietários rurais; da existência de erosão e de ocupações irregulares.

Hábil, Jovelino Mineiro costurou com Bugalho e equipe do Ministério Público – com reunião na própria Fazenda Sant’Anna – um projeto chamado Reviva Confusão. Ele compôs até o Conselho Deliberativo do projeto, apoiado pela prefeitura de Rancharia, pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e pelo Sindicato Rural do município. Entre os 46,2 mil hectares da Bacia do Rio Confusão, calculava o Ministério Público em 2010, apenas 2.440 eram de vegetação nativa.

A Fazenda Sant’Anna também tem unidade em Cornélio Procópio, no Paraná, portanto do outro lado do Rio Paranapanema. Parte da propriedade – 1.100 hectares – foi arrendada para a Agrícola Nova América plantar cana. Jovelino Mineiro tentou o despejo da empresa, alegando abandono das terras, mas o pedido foi indeferido.

LEIA A SÉRIE COMPLETA:
“FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht”.

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