Estado com menor território do país é tema da retrospectiva de cinco anos do De Olho nos Ruralistas; condenado por corrupção, ex-deputado usou impeachment de Dilma Rousseff para conseguir poder na Funai; texana Exxonmobil avança em área quilombola
Por Nanci Pittelkow
O menor estado da Federação sintetiza alguns problemas históricos do país. O último movimento mais significativo no campo envolve a ExxonMobil, a segunda maior empresa do mundo, que anunciou a perfuração de petróleo na foz do Rio São Francisco sem levar em conta as comunidades quilombolas que se mobilizaram. Essa historia esteve pressente no sexto vídeo do programa De Olho na Resistência e foi a mais significativa, na região, dos cinco anos deste observatório: “Pescadores X ExxonMobil“.
Um político do estado foi decisivo no golpe que tirou Dilma Rousseff do poder, em 2016. O ex-deputado federal André Moura (PSC-SE) passou de um tímido integrante do baixo clero para líder da Câmara e das indicações na Fundação Nacional do Índio (Funai) durante o governo de Michel Temer. Tentou o Senado, mas perdeu. Em setembro, foi condenado por desvio de dinheiro público a oito anos de prisão e perda do mandato por cinco anos.
Sergipe é o segundo estado do Nordeste na retrospectiva dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas. O balanço começou pela região Sul: na ordem, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A série continuou na região Sudeste, com São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Bahia foi o primeiro dos nove estados do Nordeste.
Além de atuar pelo impeachment, o ex-deputado se destacou na “tropa de choque” de blindagem a Eduardo Cunha (MDB-RJ) contra as acusações de corrupção que levaram o então presidente da Câmara à prisão, em outubro de 2016. O apoio a Temer e Cunha compensou. “Líder do governo Temer, deputado sergipano André Moura (PSC) lidera indicações na Funai“.
Em 28 de abril de 2017 o presidente da Funai, Antonio Costa, foi exonerado por Temer, sem maiores explicações. Ao ser questionado, o então ministro da Justiça, Osmar Serraglio (MDB-PR), respondeu: “Não estou sabendo de demissão. Vi pela imprensa que ele seria demitido. Na verdade, a Funai é do PSC, do André Moura”. O indicado para a vaga foi o general Franklimberg Ribeiro de Freitas. Durante os dois anos em que comandou o órgão ele se dedicou a substituir servidores de carreira e indigenistas – antecipando movimentos que ficariam mais explícitos durante o governo Bolsonaro.
Mesmo assim, aos olhos da bancada ruralista, Franklimberg não colaborava o suficiente. Pressionado, Temer o exonerou em junho de 2019. Em seu lugar, Moura emplacou o nome de Wallace Moreira Bastos, o preferido da FPA, alguém sem experiência nenhum na gestão de um órgão indigenista: antes de se tornar servidor público, o novo presidente da Funai havia sido sócio em redes de fast food.
André Moura também liderou a indicação de cargos políticos na Dataprev, empresa estatal de tecnologia e dados da Previdência Social, vinculada ao Ministério da Fazenda. Após reportagem no jornal O Globo, a Controladoria Geral da União abriu investigação sobre os indicados, como advogados, parentes e correligionários de Moura. Uma entre eles, Silvia Renata Pinto de Campos pertence a um tradicional clã de políticos ruralistas do Mato Grosso, filha de Júlio Campos (DEM-MT), que foi governador e senador.
O prestígio adquirido durante o governo Temer rendeu a Moura a nomeação do partido para concorrer pela primeira vez ao Senado por Sergipe, mas ele não conseguiu se eleger. Filho de dois ex-deputados estaduais, André Moura começou na política aos 25 anos, como prefeito de Pirambu (SE), onde começou a acumular as primeiras denúncias por improbidade administrativa. O ex-deputado é réu em sete investigações, uma delas por tentativa de homicídio contra o ex-aliado Juarez Batista dos Santos, a quem elegeu como sucessor na prefeitura de Pirambu, em 2005.
As outras denúncias aceitas pelo STF incluem formação de quadrilha, improbidade administrativa e crimes de responsabilidade. Ele é investigado por crimes contra a Lei de Licitações, peculato, crimes de responsabilidade, formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em 29 de setembro de 2021, André Moura foi condenado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em duas ações por supostos desvios na prefeitura, ambas com o placar de 6 votos a 4. A pena foi fixada em 8 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado, além da proibição de exercer cargo ou função pública por cinco anos. Moura ainda pode recorrer.
Nas eleições de 2018, André Moura esteve entre os principais articuladores do apoio de seu partido, o PSC, à candidatura de Jair Bolsonaro. Seu nome chegou a ser indicado para assumir a diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Uma das principais atribuições da agência é a avaliação toxicológica e ambiental dos agrotóxicos comercializados no país. O Projeto de Lei 6299/02 – mais conhecido como PL do Veneno – é uma das principais bandeiras da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mas já foi fortemente combatido pela agência.
Sua indicação teve resistência de servidores e organizações do setor, que temiam um alinhamento automático da Anvisa ao Ministério da Agricultura, comandado pela deputada Tereza Cristina (DEM-MS), ex-presidente da FPA. Mas quem acabou sendo nomeado foi o militar e médico Antonio Barra Torres. Posteriormente Moura assumiu por duas vezes a Secretaria de Estado e Casa Civil e Governança do Rio de Janeiro durante o governo de Wilson Witzel, do PSC, afastado por impeachment em abril de 2021.
Enquanto políticos ruralistas barganham por cargos, comunidades tradicionais do estado se organizam para combater uma gigante do petróleo. É o caso do Fórum de Povos Tradicionais de Sergipe, que se consolidou neste ano diante da possível concessão de licença ambiental para que a ExxonMobil inicie a perfuração de um poço de petróleo na bacia Sergipe-Alagoas, próxima da foz do Rio São Francisco. O observatório conta essa história na série De Olho na Resistência.
Para acelerar o processo, a empresa utiliza um estudo realizado pela Petrobrás em 2017, desatualizado, inexato e sem levar em conta a tragédia do derramamento de óleo de 2019, que afetou todo o litoral da região. Paralelamente, ExxonMobil e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizaram uma Audiência Pública Virtual sem consultar apropriadamente as comunidades tradicionais e quilombolas afetadas pelo empreendimento.
A primeira grande mobilização do Fórum de Povos Tradicionais foi pelo adiamento da audiência, para que ela fosse presencial, após consulta a todas as comunidades. A justiça, no entanto, autorizou a audiência virtual. As comunidades continuam se mobilizando e realizaram em 16 de outubro, no Povoado Resina, no município de Brejo Grande, uma plenária popular em defesa da vida, do ambiente e das comunidades tradicionais.
Ricardo Salles, o ministro que disse que aproveitaria a pandemia para “passar a boiada” nas leis ambientais em reunião ministerial em 22 de abril de 2020, foi apeado do cargo em 22 de junho de 2021. Não sem antes receber “total apoio” dos financiadores da bancada ruralista, por meio de manifesto em anúncio de página inteira publicado nos principais jornais do país.
O setor canavieiro, interessado no avanço da produção na Amazônia, está representado no manifesto pelas Associações dos Fornecedores de Cana do Extremo Sul da Bahia, de Alagoas (Asplan), do Rio Grande do Norte (Asplana-RN), de Sergipe (Asplana-SE) e de Pernambuco (AFCP), entre outras organizações em São Paulo e no Nordeste. Além de quatro sindicatos ligados aos usineiros paranaenses e da poderosa União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica).
Atualmente investigado por suposto envolvimento em esquema de exportação ilegal de madeira, Ricardo Salles carrega em sua trajetória outras investigações por fraudes para beneficiar empresas. E se tornou comentarista da Rádio Jovem Pan, em São Paulo.
A cada eleição este observatório acompanha a face ruralista dos candidatos às eleições. Em 2020, a série O Voto que Devasta trouxe a reportagem “Sessenta e cinco candidatos a vereador e vice-prefeito são donos de rádios e TVs”, alguns com relações muito próximas ao agronegócio. Entre eles está Ana Maria do Nascimento Alves, a Ana Alves, que concorreu a uma vaga de vereadora de Aracaju pelo DEM. Ela é filha do ex-governador e ex-prefeito João Alves, acusado de corrupção passiva, peculato e formação de quadrilha em 2013 pela Operação Navalha da Polícia Federal.
Ana possui nove cotas em empresas de comunicação, como a Rádio e Televisão Aracaju, a Rádio Imperatriz dos Campos, a Rádio Jornal de Estância, a Agência Jornal de Notícia; e participações na Jundiahy Agropecuária, com licença para atuar na produção de suínos, bovinos, aves, peixes, produção florestal e cultivo de mangas. Seu patrimônio total declarado ao TSE ultrapassa os R$ 5 milhões.
Em dezembro de 2017, quando era presidente do Democratas em Sergipe, Ana Alves foi presa de forma preventiva, acusada de formação de quadrilha, peculato e obstrução de investigações na Operação Caça-Fantasmas, deflagrada pela Polícia Federal em 2016 para investigar atos de improbidade administrativa. Em 2020, não foi eleita.
A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas tem ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Assista ao vídeo do aniversário:
No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. O programa já teve sete edições. Você pode apoiar o observatório aqui.
| Nanci Pittelkow é jornalista.|
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