De Eike aos banqueiros, Rio de Janeiro concentra os “ruralistas celebridades”

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Retrospectiva de cinco anos do De Olho nos Ruralistas mostra como estado abriga a face financeira e luxuosa da devastação; reduto eleitoral de Bolsonaro e filhos estende seus tentáculos agrários para regiões como Matopiba, Pantanal e Amazônia

Por Luís Indriunas

Nascido em Governador Valadares (MG), mas radicado no Rio, o ex-bilionário Eike Batista não hesitava em mostrar o luxo e riqueza nas colunas sociais e nas revistas que misturam economia e entretenimento. Após diversas investigações, ele continuou famoso, mas por suas condenações: 28 anos por crimes contra o mercado financeiro e 30 anos por corrupção. Sua face ruralista até hoje é pouco conhecida — mas o De Olho nos Ruralistas, logo em seu início, procurou suprir essa lacuna.

Em 2017, o observatório mostrou que o empresário foi acusado de trabalho escravo, admitiu produzir carvão com madeira de desmatamento, construiu em terras indígenas e adquiriu centenas de imóveis rurais.

Em uma fazenda da MMX Metálicos em Corumbá (MS), uma das tantas empresas de Eike com a letra X, os trabalhadores dormiam dentro do forno que produz carvão. Essa mesma empresa recebeu uma multa de R$ 15.225.390 por desmatamento, na fronteira com Paraguai e Bolívia, conforme descrito em reportagem sobre as maiores autuações dos últimos 25 anos no Pantanal.

Foi sobre esse empresário peculiar — “De trabalho escravo a marketing ambiental: a face agrária de Eike Batista” — uma das várias reportagens envolvendo o Rio de Janeiro que o De Olho publicou nos últimos cinco anos. É na cidade maravilhosa que muitos ruralistas gastam suas fortunas com luxo e glamour.

Para comemorar os cinco anos, cada Unidade da Federação ganha um balanço específico do que publicamos desde setembro de 2016. Os 3 primeiros dos 27 textos foram sobre a região Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A série continua na região Sudeste — confira o que já publicamos sobre São Paulo e Minas Gerais — e continuará por Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Confira o vídeo sobre Eike Batista divulgado em fevereiro de 2017. Qual era o X da questão?

HOTEL GLÓRIA PASSOU DAS MÃOS DE UM DESMATADOR PARA AS DE OUTRO DESMATADOR

A derrocada de Eike Batista fez ele se desfazer de vários negócios. Entre eles, o famoso Hotel Glória, edificação que completa cem anos em 2022. O imóvel ficou provisoriamente na mão do fundo Abu Dhabi e, em 2020, foi comprado pelo banco Opportunity, de Daniel Dantas, um campeão em desmatamento.

Em 2020, esse observatório fez um levantamento histórico sobre as multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama): “Multas do Ibama por desmatamento somam R$ 35 bilhões desde 1995“. O segundo lugar entre os devastadores foi a Agropecuária Santa Bárbara, atual AgroSB, de Dantas, que somou R$ 323 milhões em multas.

O Hotel Glória, antes de Eike Batista, agora de Daniel Dantas. (Foto: Divulgação)

Em 2021, o banqueiro voltou a ser notícia: “Fazendas da AgroSB, de Daniel Dantas, desmataram mil hectares em área de conservação no Pará“.

Perto de outros expoentes da sociedade ruralista fluminense, Dantas é mais discreto. As irmãs socialites Claudia e Priscilla Levinsohn, são figuras carimbadas no jet set do Rio. Enquanto enchiam os baldes de champanhe, seguranças da Fazenda Estrondo, propriedade da família em Formosa do Rio Preto (BA), balearam Jossinei Lopes Leite, diretor da Associação Comunitária da Cachoeira, em 31 de janeiro de 2019. Confira aqui essa história: “Da vida em êxtase das socialites Levinsohn à violência no campo no oeste da Bahia“.

A fazenda faz parte do Agronegócio Condomínio Cachoeira Estrondo, composto por 22 empreendimentos que atuam no setor agropecuário. O grupo é administrado por três empresas: Delfin Rio S/A Crédito Imobiliário, Colina Paulista S/A e a Companhia de Melhoramentos do Oeste da Bahia. O principal sócio das empresas é Ronald Levinsohn, pai de Priscilla e Cláudia. O patriarca chegou a ser preso, em 2016, acusado de crimes contra o sistema financeiro.

Segundo o Livro Branco da Grilagem de Terras, publicado em 1999 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Estrondo é fruto da grilagem de 444 mil hectares de terras. Em nota enviada após a publicação da reportagem, a Delfin informou que as terras da empresa aparecem no livro do Incra “apenas por terem mais de 50 mil hectares, parâmetro genérico adotado pelos editores da publicação”. “A Delfin Rio S/A destaca que todas as propriedades da empresa são integralmente documentadas perante os órgãos competentes, desta forma os cadastros junto ao Incra estão devidamente regulares”, prossegue a nota.

A empresa afirma ainda que o sócio Ronald Levinsohn nunca teve passagem pela polícia. Confira a nota na íntegra aqui.

DEPUTADOS SEM PROPRIEDADES COMPÕEM A BANCADA RURALISTA DO RIO 

Políticos do Rio de Janeiro participam da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) mesmo sem possuírem propriedades rurais. Nas eleições de 2018, apenas um entre os nove integrantes da FPA do estado que tentavam a reeleição tinha declarado fazendas. Hoje, dos 12 deputados na FPA, apenas dois declararam terras: Hugo Leal (PSB) e Lourival Gomes (PSL). O primeiro tem 27,43 alqueires em Minas. Gomes não detalhou o tamanho de suas fazendas no Rio, apenas o valor: R$ 1.447.405, praticamente metade da sua fortuna declarada.

Não declarar imóvel não significa ausência de interesses financeiros no campo, para além das fronteiras fluminenses: “Picciani e sua família de pecuaristas reinam no estado dos ruralistas sem terra“. Outros simplesmente fazem coro para as pautas ruralistas por compatibilidade com os discursos virulentos e ações violentas: “Sem propriedades rurais, Daniel Silveira integra a ´bancada ruralista da bala´“.

O deputado (sem partido), que está com o mandato suspenso por suas ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF), ganhou seus primeiros minutos de fama quando quebrou placa em homenagem a Marielle Franco, assassinada em 2018. A vereadora do Rio foi tema de reportagem que mostrou como ela esteve presente em manifestações camponesas, em março de 2019.

Tia Uia, líder quilombola, foi vítima de Covid. (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma das vítimas da Covid-19 no Rio foi outra líder negra, a tia Uia. Matriarca do Quilombo Rasa, em Búzios, Carivaldina Oliveira da Costa, ela foi tema de uma das reportagens da série Memórias da Pandemia. Junto com o Maranhão, o Rio de Janeiro concentrou no ano passado o número de mortes pelo coronavírus em quilombos.

Comunidades rurais do estado foram citadas em reportagens sobre violência. Em julho de 2020, três pistoleiros invadiram a área onde camponeses mantêm o Acampamento Emiliano Zapata, em São Pedro da Aldeia (RJ), e atearam fogo às casas para expulsar os agricultores.

Mesmo com as reintegrações de posse proibidas devido à pandemia, o juiz Marvim Ramos Rodrigues Moreira, da 1ª Vara Cível de Resende, acatou, em abril daquele ano, uma ação movida contra a Comunidade Terra Livre, em Resende (RJ), autorizando a expulsão de cerca de cem famílias do MST, na área desde 1999.

Esse quadro de violência tem sido aplaudido pela família fluminense que comanda os genocídios em curso no Brasil: os Bolsonaro.

SENADOR FLÁVIO BOLSONARO PROPÔS FIM DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Assim que chegou ao Senado, o 01 da família Bolsonaro mostrou claramente suas intenções contra o meio ambiente e o agronegócio: “No 1º ano de governo, projetos de Flávio Bolsonaro destacam-se entre “atentados” legislativos contra povos do campo“.

Os filhos de Bolsonaro se elegem pelo Rio. (Foto: Reprodução)

As articulações do senador foram em cima de algumas leis específicas. Primeiro, a Medida Provisória 910/2019, mais conhecida como “MP da Grilagem”. Apresentada pelo pai Jair, ela se transformou no Projeto de Lei 2.633/20, aprovado em agosto deste ano na Câmara.

Outra investida foi Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 80/2019, de autoria do próprio Flávio, que pretende dificultar a desapropriação de terras: “Flávio Bolsonaro propõe emenda contra a função social da terra“.

O senador tentou ainda emplacar o Projeto de Lei 2362/2019, que simplesmente acabava com a reserva legal em propriedades rurais. Depois de muita grita, o projeto foi retirado.

Os outros filhos políticos de Bolsonaro, Carlos e Eduardo, este deputado federal por São Paulo, foram destaques na série de reportagens Esplanada da Morte: “Gabinete do Ódio politiza pandemia e põe vidas em risco“.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas terá ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Assista ao vídeo do aniversário:

No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Você pode apoiar o observatório aqui.

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