Líder camponês é acusado de homicídio em Minas com base em fontes anônimas e “ouvir dizer”

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Mesmo com motivações contraditórias e sem testemunhas oculares do crime, coordenador de acampamento da Liga dos Camponeses Pobres está preso faz mais de dois anos e meio no sul do estado e deve ser levado a júri popular

Por Leonardo Fuhrmann

O camponês Luzivaldo de Souza Araújo, 41 anos, aguarda no Presídio de Itapagipe (MG) pelo júri popular por um crime que garante não ter cometido. A situação seria comum no caótico e superlotado sistema penitenciário brasileiro não fosse a fragilidade das provas que levaram o réu a ser pronunciado: testemunhas que não presenciaram nada, apenas “ouviram dizer”, e motivações desmentidas por testemunhas. Luzivaldo e um irmão, o também camponês Robélio, 29 anos, são acusados de ter matado o trabalhador rural Danilo Silva em 25 de novembro de 2018, no município de Campina Verde (MG). Danilo foi encontrado na porta de sua casa, já sem vida, por um amigo. O corpo tinha ferimentos de um instrumento contundente-perfurante e de dois tiros.

Liga dos Camponeses Pobres reivindica liberdade para o camponês. (Foto: Divulgação)

Testemunhas ouvidas pela polícia, inclusive familiares da vítima, citaram desavenças entre ele e outros moradores da região. Mas a atenção dos policiais ficou concentrada na hipótese de que o crime teria sido cometido por Luzivaldo e seu irmão, atualmente foragido. A linha de investigação se baseou em denúncias anônimas que, perante a Justiça, os policiais nem se lembravam se tinham sido feitas pessoalmente ou por telefone. As informações constam no processo, ao qual o De Olho teve acesso. O fato de não serem identificadas não era a única falha dos depoimentos. Mesmo apontando os dois como autores do crime, as testemunhas não afirmaram ter presenciado o crime, nem apresentaram elementos que ajudassem a avançar nas investigações contra os réus.

Para o advogado Felipe Nicolau, que atua na defesa de Luzivaldo, o caminho da investigação é motivado pela atuação do camponês. Ele é um dos coordenadores do acampamento da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) na região desde o início da década passada. A disputa pelas terras está na Justiça. Os acampados já foram obrigados a sair de lá e depois tiveram o direito de voltar. Segundo a defesa, é dessa atuação que vem um retrato do réu feito por uma das testemunhas: que ele era violento, andava armado, expulsava acampados da área e negociava lotes. Essa testemunha, segundo Luzivaldo afirmou em depoimento, quer prejudicá-lo por ter sido expulsa do acampamento por uma decisão da assembleia geral dos acampados. Ele negou que negocia lotes e que ande armado.

POLICIAIS DIZEM TER RECONHECIDO A VOZ DE LUZIVALDO POR TELEFONE

Os policiais usam o depoimento desse desafeto para embasar a tese de que não há testemunhas do crime, pois as pessoas teriam medo de Luzivaldo e ele seria perigoso. Afirmam que o camponês chegou a telefonar para a delegacia para fazer ameaças ao investigador que atuava no caso. Outro policial teria atendido a ligação e ele pediu para chamar o suposto ameaçado. “A batata vai assar na raiz”, teria dito o réu antes de desligar o telefone. O policial diz ter reconhecido sua voz. Por isso, além de homicídio, Luzivaldo responde por ameaça.

Luzivaldo em primeiro plano, de boné, em reunião com ouvidoria agrária. (Foto: Reprodução)

A motivação do crime também permanece em aberto, tanto que o Ministério Público leva em conta na denúncia as duas probabilidades aventadas. A primeira, de que o motivo do crime seria a recusa de Danilo em vender seu terreno no acampamento para o réu. A versão é vista com ressalvas por uma das irmãs da vítima: ela afirma que Danilo não tinha mais terra dentro do acampamento e trabalhava em uma fazenda próxima, onde foi morto. A segunda versão é que o acusado teria assassinado a vítima porque ela teria “paquerado” uma de suas filhas no dia anterior, quando as teria levado para passear a cavalo.

O réu e as meninas, que tinham 11 e 13 anos na época, negam qualquer abuso sexual por parte da vítima e dizem que a visita foi na semana anterior. Segundo eles, a menina mais velha estaria dentro da casa e a mais nova cuidava dos irmãos pequenos, um menino de 3 anos e uma menina de 5 anos, enquanto o pai trabalhava na terra com um trator. Danilo teria chegado a cavalo e as crianças pequenas pediram para montar. A vítima teria apenas levado os dois para andar na sela, puxando o animal pela rédea com a mão por alguns minutos. Tudo sob os olhares do pai das crianças.

A afirmação que mais liga Luzivaldo à cena do crime é que ele teria passado pela estrada que dá acesso à fazenda em que Danilo trabalhava naquele dia 25 de novembro, um domingo, dia do crime. O réu não nega ter passado por lá naquela manhã. Destaca, no entanto, que a estrada é caminho para o município de Ituiutaba, onde tem casa e teria se encontrado com dois conhecidos ainda naquele dia.

Luzivaldo quer ser ouvido: diz que está sendo perseguido por ser sem-terra. (Imagem: Reprodução)

PARA DESEMBARGADOR, ASSENTAMENTO É ÁREA DE “DISPUTAS SANGRENTAS”

Os desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negaram em fevereiro provimento ao recurso da defesa de Luzivaldo, que tentava a revogação da prisão preventiva e a anulação da pronúncia. “Tratando-se de delito praticado em área de assentamento, marcada por disputas sangrentas e onde impera a conhecida ‘Lei do Silêncio’, mostra-se necessário destacar o que se pôde apurar durante a investigação do crime”, afirmou o desembargador Corrêa Camargo em seu voto. Argumentou também que havia contradições entre os depoimentos das meninas de 11 e 13 anos.

Além das preocupações com a estratégia de defesa, os advogados de Luzivaldo estão preocupados com seu estado de saúde. Ele chegou a ser internado em dezembro, em um hospital do município onde está preso, por causa de um problema hepático, com quadro infeccioso. Desde então, eles questionam as condições para o tratamento do acusado dentro do sistema penal.

A Liga dos Camponeses Pobres tem forte atuação em Rondônia e tem sido objeto de várias reportagens deste observatório. A organização também tem presença regular em Minas, especialmente no norte do estado — na outra ponta em relação ao município de Campina Verde.

| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Divulgação): Liga dos Camponeses Pobres, conhecida em Rondônia, atua também em Minas

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