Bancos e fundos investiram US$ 27 bilhões em empresas que financiam o lobby ruralista

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JP Morgan Chase, Bank of America e BlackRock lideram o levantamento, cada um com US$ 1 bi investido na rede de financiadores da boiada; lista de empresas beneficiadas com fundos globais inclui gigantes do agronegócio, como Suzano, JBS, Marfrig, Cargill e ADM

Por Caio de Freitas Paes e Bruno Stankevicius Bassi

Clique e confira o dossiê na íntegra.

Entre 2019 e 2021, bancos e fundos de investimento transnacionais aportaram mais de US$ 27 bilhões às empresas que integram a cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro (IPA), o cérebro pensante por trás da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e do combo de medidas antiambientais em votação no Congresso. O valor corresponde ao produto interno bruto do Líbano, segundo a estimativa para 2020 do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O levantamento foi realizado pelo De Olho nos Ruralistas a partir de dados compilados pela plataforma Florestas & Finanças — que disponibiliza estatísticas de transações financeiras direcionadas a atividades de alto impacto ambiental, como agropecuária e mineração — e faz parte do dossiê “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“, lançado na última segunda (18), com versões em português e inglês.

A cifra bilionária corresponde à compra de ações por fundos soberanos, concessões de empréstimo, renegociações de dívidas e emissões de títulos executadas entre janeiro de 2019 e abril de 2021 — data da última consolidação dos dados. No caso de grupos multinacionais, como as processadoras de soja Cargill, ADM e Bunge e os frigoríficos JBS, Marfrig e Minerva, foram considerados apenas os investimentos destinados às operações no Brasil.

Os resultados apontam seis grupos financeiros globais à frente dos investimentos em empresas ligadas ao IPA. Juntos, os bancos JP Morgan Chase, Bank of America e Citigroup e os fundos BlackRock, Vanguard e Dimensional repassaram US$ 4,12 bilhões para companhias envolvidas no financiamento ao lobby ruralista em Brasília.  O valor corresponde a 15% do valor total de US$ 27,06 bilhões em transações analisadas no período.

Os fluxos financeiros foram detalhados em dois mapas interativos, que mostram as rotas globais de financiamento e os segmentos específicos apoiados por cada fundo.

SUZANO CONCENTRA 51,9% DOS INVESTIMENTOS, ENTRE FINANCIADORES DO IPA

O levantamento realizado pelo observatório mostra que, nos últimos três anos, a “queridinha” do capital estrangeiro foi a Suzano Papel e Celulose. Entre 2019 e 2021, o grupo comandado pela família Feffer recebeu US$ 14,03 bilhões de bancos e fundos de investimento globais, o que equivale a 51,9% do total aplicado em empresas ligadas ao IPA no período. Os principais apoiadores da empresa foram Bank of America (US$ 791,3 milhões), JP Morgan Chase (US$ 774,8 mi) e BlackRock (US$ 525,5 mi).

O interesse dos investidores se deve principalmente à fusão com a Fibria Celulose (ex-Veracel), anunciada em 2018 e concluída no ano seguinte. O processo resultou, virtualmente, em um monopólio: a Suzano S.A., fruto da junção, é a maior produtora de celulose e eucalipto do mundo e a quinta maior empresa do Brasil, considerando todos os setores econômicos.

Mulheres do MST ocuparam unidade da Suzano em 2015. (Foto: Reprodução)

O CEO do grupo, Walter Schalka, é vice-presidente do Ibá, associação que reúne as maiores produtoras de celulose do Brasil e uma das principais apoiadoras do Instituto Pensar Agro. Além da entidade do setor madeireiro, a Suzano também participa, através de sua controlada FuturaGene, da CropLife Brasil, que reúne o setor de agrotóxicos e sementes transgênicas.

Comprada pelos Feffer em 2010, a FuturaGene é dona da primeira licença para produção e comercialização de eucalipto transgênico no país, emitida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em 2015. A liberação da variedade geneticamente modificada, conhecida como H421, foi a segunda a ocorrer no mundo e foi alvo de protestos. Na época, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam o centro de pesquisas da Suzano, em Itapetininga (SP), e o prédio da CTNBio, em Brasília (DF), contra a aprovação.

Além dos conflitos, a empresa é conhecida pela participação de seus diretores, os irmãos David e Daniel Feffer, no financiamento a movimentos da chamada “nova direita” no Brasil. Daniel é um dos fundadores do Instituto Millenium, junto ao ministro da Economia Paulo Guedes. O irmão David participou, em 2007, da criação do Instituto de Formação de Líderes, um dos organizadores do Fórum Liberdade e Democracia, ao lado de José Salim Mattar Junior, dono da locadora de automóveis Localiza Hertz e ex-secretário geral de Desestatização do governo Bolsonaro.

A família também possui ligações diretas com o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Em 2018, De Olho nos Ruralistas mostrou que era a Suzano a principal beneficiária da tentativa de Salles em alterar de maneira irregular o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê quando era secretário de Meio Ambiente em São Paulo. Denunciado pelo Ministério Público Federal, ele foi absolvido em março de 2021.

ESTADOS UNIDOS E EUROPA COMANDAM FINANCIAMENTO INTERNACIONAL

A análise das transações financeiras a partir dos dados da plataforma Florestas & Finanças mostra uma ampla concentração dos recursos destinados a empresas do agronegócio brasileiro nas mãos de investidores do Norte global. Os Estados Unidos são o principal financiador, com vínculos de US$ 7,44 bilhões oriundos, em sua maioria, dos bancos American International Group (AIG), Bank of America, Citigroup, JP Morgan Chase e Vanguard.

JBS é uma das líderes em investimentos internacionais. (Foto: Divulgação)

Grandes conglomerados financeiros europeus, como os alemães Allianz e Deutsche Bank; os britânicos Barclays e Standard Chartered; os espanhóis BBVA e Santander; o francês BNP Paribas; os holandeses ABN-Amro e Rabobank, entre outros; investem US$ 4,5 bilhões em empresas do IPA.

Único sobrevivente dentre os operadores financeiros causadores da crise global de 2008, o JP Morgan Chase lidera o levantamento, com mais de US$ 1,1 bilhão em transações no período. Além da já citada Suzano, o banco de Wall Street investiu em outras 15 empresas, com destaque para o frigorífico Marfrig, que recebeu US$ 103,29 milhões em 2019 e outros US$ 4,7 mi entre janeiro e abril de 2021.

Ele é seguido pelo Bank of America e pelo fundo BlackRock, com US$ 1 bilhão cada. Este último é famoso por ser o principal investidor da brasileira JBS, totalizando US$ 139,34 milhões em repasses desde 2019. Maior produtora de proteína animal do mundo, a empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista também recebeu dinheiro de corretoras registradas em paraísos fiscais.

Segundo o levantamento, o frigorífico recebeu US$ 60 milhões referentes à compra de ações e títulos por duas corretoras privadas de Bermudas, a Fidelity International e a Lazard, ambas citadas no Offshore Leaks, uma investigação sobre evasão fiscal e fuga de capitais liderada pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ, na sigla em inglês). Em menor quantia, ambos também negociaram ações da Bunge em 2021.

Confira abaixo o mapa com o fluxo de investimentos, por país de origem:

SETOR FINANCEIRO BRASILEIRO TAMBÉM PARTICIPA DA FESTA

Apesar de liderar os investimentos, os grupos internacionais não são os únicos a apoiarem as atividades das empresas que compõem o IPA. Bancos e “players” do mercado financeiro brasileiro como BTG Pactual, Safra, Verde Asset Management, Vinci Partners e XP Investimentos — seja por crédito, detenção de ações e títulos ou empréstimos, diretos e também via Plano Safra — mantém vínculos estimados em US$ 9,3 bilhões.

Além do setor privado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com sua política de investimento focada, em parte, no agronegócio, emprestou, entre janeiro de 2019 e abril de 2021, mais de US$ 3 bilhões a empresas ligadas ao IPA, com destaque para a participação societária do banco na Ourofino Saúde Animal, parte do grupo Ourofino, segundo colocado no ranking das empresas que mais atuam dentro da estrutura de associações do agronegócio, com participação em seis entidades.

Além do banco de desenvolvimento, fundos de investimento institucionais brasileiros, como o Petros, da Petrobras, e o Valia, de funcionários da mineradora Vale, também participam na fatia.

|| Mapa e infografias elaboradas por Hugo Nicolau Barbosa de Gusmão, geógrafo e coordenador do projeto Desigualdades Espaciais. ||

Caio de Freitas Paes é repórter. Escreve para De Olho nos Ruralistas e The Intercept Brasil, entre outros veículos. |

|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do observatório. ||

Foto principal (Reprodução): papel dos fundos no aquecimento global ganha questionamentos pelo mundo

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