Europa tem cem empresas na cadeia de financiamento da bancada ruralista

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Ao todo, 96 corporações com sede no continente pertencem a associações mantenedoras do Instituto Pensar Agro, o organizador da “boiada”; dossiê do De Olho nos Ruralistas mostra como as alemãs Bayer e Basf e a suíça Syngenta são líderes do lobby do veneno em Brasília

Por Larissa Linder e Bruno Stankevicius Bassi

Novo relatório do observatório revela atuação direta de empresas em lobby ruralista.

Empresas europeias são maioria entre as multinacionais que integram a cadeia de financiamento do Instituto Pensar Agro (IPA), organização responsável por formular as pautas legislativas e definir o posicionamento político da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a face institucional da bancada ruralista no Congresso.

Essa é a conclusão de um levantamento inédito do observatório, que mapeou a origem de 1.078 empresas afiliadas às 48 associações que sustentam as atividades do IPA. Os resultados fazem parte do dossiê “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“, publicado na segunda (18/7), com versões em português e inglês.

Ao todo, grupos europeus detêm controle sobre 96 empresas que atuam em associações ligadas ao instituto. Entre os países de origem, destacam-se Alemanha, sede de 16 corporações; Holanda, 15; e França, 14. Nessa lista entram gigantes do setor químico, como a Syngenta — comprada pela ChemChina, mas com sede na Suíça — e as alemãs Bayer e Basf.

Também entram no ranking a francesa Louis Dreyfus Company (LDC), a suíça Nestlé, a norueguesa Yara e instituições financeiras como os bancos Santander, da Espanha, Rabobank, da Holanda, e UBS, da Suíça, credores de empresas de carne, soja e agrotóxicos no Brasil.

Na prática, as empresas contribuem, em dinheiro, com as associações que, por sua vez, fazem repasses ao IPA. É, portanto, o lobby financiado por essas multinacionais que propõe e pressiona pela aprovação de algumas das principais legislações contrárias à preservação do ambiente, da saúde coletiva e da proteção de povos indígenas. Fazem parte das pautas da FPA o PL da Grilagem – que anistia invasores de terras, muitos na Amazônia – e o Pacote do Veneno.

Essas empresas não atuam somente por meio dos representantes dessas associações. Tampouco estão alheias à atuação das associações junto ao poder político. Em muitas ocasiões, funcionários das companhias estão ao lado de representantes das associações em reuniões do Executivo. 

REUNIÕES SÃO REALIZADAS A PORTAS FECHADAS, SEM TRANSPARÊNCIA

As reuniões que constam na agenda oficial de autoridades são uma forma de medir a influência de empresas e associações junto ao governo. Não é incomum ou ilegal que o setor privado se reúna com membros do governo, mas a frequência desses encontros e as esferas hierárquicas envolvidas denotam quem tem mais poder de barganha na esfera federal. Além disso, destaca-se a falta de transparência.

Tereza Cristina e a Syngenta: trânsito livre. (Foto: Reprodução)

“Eu recebia o setor privado como presidente do Ibama, mas era com as portas do gabinete nem abertas, eram escancaradas, e tudo registrado em agenda oficial”, explica Suely Araújo, especialista em Políticas Públicas do Observatório do Clima, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entre 2016 e 2019 e doutora em Ciência Política.

— Eles [a bancada ruralista] sempre foram fortes, desde a Constituinte. O que aconteceu é que na gestão Bolsonaro as demandas mais chulas, que talvez eles antes não tivessem coragem de expor, apareceram. Então [a demanda agora] não é só simplificar licenciamento [ambiental], é não ter licença alguma. A lei dos agrotóxicos eu considero atentado ao pudor.

Além disso, aponta Suely, o Congresso se tornou mais fechado em relação à participação da sociedade civil, com os textos de projetos de lei pulando comissões e indo direto a plenário.

BAYER, QUE INCORPOROU MONSANTO, É A CAMPEÃ EUROPEIA DO LOBBY NO BRASIL

A alemã Bayer, dona da Monsanto, figura em três associações que financiam o Instituto Pensar Agro: a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a CropLife Brasil e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan). Menos que a rival Basf, presente em cinco associações, mas a influência do conglomerado não acontece apenas por meio das entidades de classe.

Bolsonaro recebe CEO global da Bayer, Werner Baumann, em 2019. (Foto: Reprodução/PR)

O dossiê “Os Financiadores da Boiada” mostra que a Bayer é uma das líderes em número de reuniões oficiais com representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Entre 2019 e junho de 2022, representantes da Bayer se reuniram 60 vezes com funcionários da pasta. É muito mais do que a gigante Cargill (13 vezes) ou a alemã Basf (26). O número fica atrás apenas da JBS (75 reuniões) e da líder nesse ranking, a Syngenta (81).

Entre os assuntos discutidos nas reuniões aparecem, mais de uma vez, temas como  a “situação do glifosato na União Europeia” e a “priorização da aprovação do Dicamba”, além de um genérico “assuntos regulatórios”.

A intensificação das conversas vem após uma série de derrotas políticas e judiciais sofridas pela gigante alemã nos últimos anos. Em 2020, um tribunal de Missouri, nos Estados Unidos, condenou Bayer e Basf a pagarem US$ 265 milhões em indenizações a um produtor de pêssegos do estado, que perdeu sua safra em função da deriva do herbicida dicamba. No mesmo ano, a Comissão Europeia baniu o uso do inseticida tiacloprido, fabricado pela empresa, após estudos apontarem responsabilidade na morte em massa de abelhas.

Em junho de 2022, um tribunal federal dos Estados Unidos determinou que a Agência de Proteção Ambiental do país reabra o processo de reavaliação do Roundup, marca de herbicida à base de glifosato, que está no centro de uma disputa judicial no estado da Califórnia. Além disso, tramita desde 2021 no Parlamento alemão um projeto de lei que visa banir o uso de glifosato no país.

LOBISTA DA BAYER PARTICIPOU DE REUNIÕES “FORA DA AGENDA”

Os dados colhidos pelo observatório para elaboração do ranking levam em conta apenas as reuniões que constam em agenda oficial. Registros de entrada e saída da portaria do Ministério da Agricultura obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), no entanto, revelam que estes encontros ocorrem, por vezes, fora da esfera oficial.

Silvia Menicucci, que foi Chefe do Escritório de Assuntos Públicos e Sustentabilidade da Bayer em Brasília, atuou como lobista da empresa e esteve presente em inúmeras reuniões da agenda oficial junto ao Mapa. Aparece também, contudo, em visitas presenciais ao ministério fora dos registros.

Entre 2018 e fevereiro de 2022, quando deixou o cargo na multinacional para assumir a superintendência de relações institucionais do banco Santander, a lobista esteve presencialmente 31 vezes no Ministério da Agricultura; 25 vezes desde 2019. Os dados constam dos registros de entrada e saída da portaria do ministério obtidos via LAI. Desse total, 16 não aparecem em registros da agenda oficial. Na Câmara, a executiva esteve 14 vezes entre 2018 e 2019.

Outro fator importante do lobby de uma companhia é o chamado efeito porta-giratória: quando membros que já atuaram no governo se tornam funcionários da empresa, aproveitando o conhecimento da máquina estatal para navegar com mais facilidade. Antes de atuar junto à Bayer, Menicucci trabalhou no governo federal: foi funcionária da Apex-Brasil, agência ligada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), entre 2008 e 2014.

Em resposta ao pedido de informações para o relatório, a Bayer informou que, “sejam elas presenciais ou virtuais, [as audiências] são formalmente solicitadas aos órgãos com quem a empresa mantém interações”. “Essas solicitações são feitas por meio dos canais institucionais de comunicação da empresa e do órgão público em questão, e nelas constam os nomes dos representantes da empresa que irão participar da audiência, bem como o tema a ser tratado. Essas interações são normatizadas pela legislação federal e por políticas internas da própria companhia”. Confira aqui a resposta na íntegra. Procurado, o Ministério da Agricultura não se pronunciou. 

BASF DISCUTIU REGULAMENTAÇÃO DE AGROTÓXICOS COM MINISTÉRIO

A Basf está presente em cinco associações financiadoras do Instituto Pensar Agropecuária: Abag, CropLife,  Sindirações, União Nacional do Etanol de Milho (Unem) e Associação Brasileira da Batata (ABBA). A empresa alemã participou pelo menos 26 vezes de reuniões com representantes do Mapa entre janeiro de 2019 e junho de 2022.

Entre temas tratados nesses encontros — aqueles que se repetiram em mais de uma reunião — destaca-se a “modernização do marco regulatório brasileiro de defensivos agrícolas”. Em comunicado enviado ao De Olho nos Ruralistas, a empresa alega que “os formuladores de políticas públicas solicitam proativamente opiniões de especialistas e as entidades setoriais e empresas ativas na agricultura são algumas das muitas vozes que eles ouvem, bem como outras entidades representativas da sociedade civil”. No exemplo citado anteriormente, e em vários outros, a solicitante da reunião é a própria empresa, não o ministério.

Eduardo Leduc, vice-presidente da Basf, defendeu PL do Veneno. (Foto: Divulgação)

A companhia alemã é uma das principais defensoras do PL do Veneno. Segundo a empresa, a proposta “moderniza o processo de registro de produtos, traz maior transparência e mais eficiência ao processo com rigor científico, essenciais para a sustentabilidade da agricultura brasileira”. O projeto foi defendido publicamente pelo vice-presidente da Divisão de Soluções para a Agricultura, Eduardo Leduc, durante uma coletiva de imprensa, em 2018.

Outra preocupação que aparece nas pautas é a “barreira técnica e o impacto ao comércio internacional relacionado a resíduos de defensivos agrícolas em alimentos”. Conforme a ONG Pesticide Action Network, que analisou testes feitos em 770 frutas, legumes e grãos vendidos pelo Brasil à Europa em 2018, 97 apresentavam resíduos de agrotóxicos proibidos ou de uso restrito na União Europeia. De 31 amostras de maçãs que vieram do Brasil e foram testadas, 24 estavam contaminadas. Quantidades significativas também foram encontradas em outras frutas, como o mamão, a manga e o limão.

Além disso, foi pauta de reuniões da companhia o acrodo Mercosul e União Europeia.

LÍDER EM REUNIÕES, SYNGENTA DISCUTIU AGROTÓXICOS COM GOVERNO

Embora tenha sido comprada pela estatal chinesa ChemChina em 2017, a Syngenta ainda mantém sua sede na suíça. Uma das maiores companhias de agroquímicos do mundo — ao lado de Bayer, DuPont e Dow —, a Syngenta financia o IPA através de três associações: Abag, CropLife Brasil e ABBA. De Olho nos Ruralistas constatou que a companhia registrou o maior número de encontros com funcionários no Ministério da Agricultura durante o governo Bolsonaro: 81 ao todo.

Reportagem do observatório mostrou relação do deputado Luiz Nishimori com Syngenta. (Imagem: De Olho nos Ruralistas)

Entre os temas tratados estiveram pautas como “expectativas regulatórias e de inovação do setor para 2021”, videoconferência da qual participou o CEO da empresa no Brasil e na América Latina, Juan Pablo Llobet; ao menos quatro reuniões sobre “defensivos agrícolas”, uma delas no próprio gabinete da então ministra Tereza Cristina; dois encontros para falar sobre a Convenção de Estocolmo sobre Produtos Orgânicos Persistentes ; e uma reunião sobre “oportunidades para melhorar a inserção de novos ingredientes ativos de defensivos agrícolas no Brasil”, solicitada pela própria companhia.

Houve ainda uma reunião entre Tereza Cristina e o presidente global da Syngenta, Erik Frywald, para tratar dos planos da companhia para o Brasil e um encontro cuja pauta apontava “sobre Medida Provisória”, sem mais detalhes.

Em fevereiro, De Olho nos Ruralistas revelou a relação direta da empresa com o relator do PL do Veneno, o deputado Luiz Nishimori (PL-PR). Em dezembro de 2020, a Mariagro Agrícola Ltda, que pertence à família do parlamentar, fez um acordo de R$ 1,5 milhão para quitar uma dívida com a Syngenta, líder do mercado mundial de agrotóxicos, quando o projeto já tramitava na Câmara. Desde então, Nishimori se reuniu pelo menos duas vezes com executivos da ChemChina, controladora da Syngenta.

O deputado também é próximo de outras multinacionais do setor, como Basf e Mitsui:
Deputado pró-agrotóxicos promoveu Mitsui, empresa flagrada com venenos ilegais na BA”.

NESTLÉ E LOUIS DREYFUS SE REÚNEM COM ALTO ESCALÃO

A suíça Nestlé faz parte de três associações que financiam o IPA e registrou 23 reuniões junto ao Ministério da Agricultura. Em 2020, por exemplo, a empresa apresentou ao Secretário de Política Agrícola, Guilherme Soria Bastos Filho, um estudo da Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos) sobre os possíveis impactos de uma reforma tributária no setor.

Também aparecem entre as pautas tratadas pela multinacional os “gargalos do Mapa e oportunidades de adequações regulatórias”, em encontro solicitado pelo próprio Ministério.

A francesa LDC se destaca entre os financiadores da boiada por participar de três associações que subsidiam o Pensar Agro. Em número de reuniões, a empreesa está muito atrás dos outros membros desse grupo: registrou apenas uma. Só que ela foi com o próprio ministro da Agricultura, Marcos Montes, para falar sobre “Atualização de dados do setor, efeitos do clima sobre a produção e condições para a próxima safra de laranja”.

Foto principal (Brasil de Fato): camponesas protestam em frente da sede da Bayer

| Larissa Linder é jornalista. |

|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. ||

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