Dossiê “Arthur, o Fazendeiro” é finalista do prêmio Megafone

In De Olho na Imprensa, Em destaque, Principal, Últimas

Pesquisa sobre a face agrária do presidente da Câmara analisou o domínio territorial e político dos clãs Pereira e Lira em Alagoas e concorre na categoria Reportagem de Mídia Independente; dados sobre conflito de tio de Arthur Lira com povo Kariri-Xocó basearam campanha da Apib contra o Marco Temporal

Por Bruno Stankevicius Bassi

Dossiê revelou a dimensão do império agropecuário dos clãs Lira e Pereira.

Produzido pelo observatório De Olho nos Ruralistas, o dossiê “Arthur, o Fazendeiro”, que mostra a face agrária de Arthur Lira e seu clã em Alagoas, é um dos finalistas do Prêmio Megafone de Ativismo 2024. O trabalho concorre na categoria Reportagem de Mídia Independente.

Durante seis meses, o núcleo de pesquisas do De Olho nos Ruralistas investigou as conexões agrárias e políticas das famílias Lira e Pereira, sobrenomes paterno e materno do presidente da Câmara. Lançado em novembro de 2023, o documento —com mais de 70 páginas— detalha a dimensão do império agropecuário construído pela família.

A equipe identificou 115 fazendas, que somam 20.039,51 hectares. Com elas, um histórico de violações de direitos humanos contado de forma inédita. Da criação de gado na Terra Indígena Kariri-Xocó ao despejo de uma família de camponeses.

A pesquisa revelou ainda a criação de uma rede de prefeituras e consórcios intermunicipais que atuam em benefício do clã, em diálogo direto com as verbas federais: dos tratores às cavalgadas, das escavadeiras às vaquejadas protagonizadas por Arthur e seu filho Alvinho.

Em sua terceira edição, o Prêmio Megafone tem como objetivo contribuir para aumentar a visibilidade das ações ativistas no debate e na ação do combate à crise climática e causas relacionadas. Na edição de 2022, o observatório foi finalista na mesma categoria com a editoria em vídeo De Olho na Resistência.

Ao todo, foram indicadas 60 iniciativas em 14 categorias. Além do dossiê “Arthur, o Fazendeiro”, concorrem em Reportagem de Mídia Independente os veículos Amazônia Real, Ponte Jornalismo e Conquista Repórter e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Os vencedores vem sendo anunciados diariamente desde o dia 1º de abril. O primeiro premiado, no eixo Ação Direta, foi a manifestação realizada pela juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na sede da multinacional alemã Basf, em junho de 2023. A empresa era acusada de contratar 85 trabalhadores em Uruguaiana (RS) em condições análogas à escravidão.

CONFLITOS COM INDÍGENAS E CAMPONESES: O LADO OCULTO DO CLÃ

Parte do patrimônio dos clãs Lira e Pereira tem origem na compra de terras reivindicadas por povos indígenas e camponeses. É o caso de seis fazendas administradas pelos herdeiros de Adelmo Pereira — primo da mãe de Arthur — em São Brás (AL), às margens do Rio São Francisco. Os imóveis estão sobrepostos a 2 mil hectares da TI Kariri-Xocó, homologada por Lula em abril de 2023.

Apib usou materiais do dossiê em campanha contra o Marco Temporal. (Imagem: Instagram/Apib)

Liderada pelo filho mais velho de Adelmo — o prefeito de Craíbas (AL), Teófilo Pereira — a família vende os bois criados dentro da terra indígena para o frigorífico Dom Grill, fundado por um dos netos do patriarca. Esse gado é abatido em um matadouro público construído por outra parente, a ex-prefeita de Campo Alegre Pauline Pereira.

“Quando eles compraram, o Adelmo sabia, porque muita gente disse para que ele não comprasse essa terra”, diz o cacique Nadinho, um dos líderes do território. “O Adelmo disse: “Eu vou pegar essa briga com os índios”. Foi isso que nós soubemos”.

Em março de 2016, o Ibama embargou uma dessas fazendas pelo desmatamento de 259,60 hectares dentro da TI, em área próxima do Ouricuri, zona sagrada para a etnia. Em 2011, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra Adelmo e outros três fazendeiros por destruírem, com “correntão”, 158,5 hectares de área indígena.

As fazendas dos Pereira são hoje o principal obstáculo à expansão dos Kariri-Xocó, que vivem confinados em uma área de 600 hectares no município de Porto Real do Colégio. “Nós queremos nossa área coberta é de mato”, conta o pajé Julio Queiróz Suíra. “O mato é o que garante a terra e a sobrevivência de quem vive dentro dela”.

Os dados coletados sobre os conflitos entre a família de Arthur Lira e povos indígenas em Alagoas foram utilizados pela Apib durante a campanha internacional Emergência Indígena, destinada a combater o projeto do Marco Temporal: “Apib explicita interesses de Arthur Lira no Marco Temporal e nas terras dos Kariri-Xocó“.

Dossiê identificou seis imóveis sobrepostos à Terra Indígena Kariri-Xocó. (Cartografia: Eduardo Carlini/De Olho nos Ruralistas)

DOSSIÊ REVELOU COMPRAS PÚBLICAS DE EMPRESAS DA FAMÍLIA DE ARTHUR LIRA

Dossiê mapeou contratos entre empresas da família Pereira e Lira e prefeituras comandadas por primos e aliados.

De Olho nos Ruralistas identificou pelo menos treze licitações para fornecimento de carne e outros materiais em benefício do clã. Os contratos foram firmados entre empresas do clã Pereira e seis prefeituras comandadas por familiares. As atas de registro de preços já totalizam pelo menos R$ 8,31 milhões.

A primeira licitação encontrada foi entre o frigorífico Dom Grill e a prefeitura de Campo Alegre. No dia 17 de junho de 2020, foi publicada no Diário Oficial dos Municípios de Alagoas uma ata de registro de preços para a aquisição de 8,55 toneladas de carne de boi moída e resfriada da Dom Grill, pelo valor de R$ 102.514,50.

A Dom Grill, uma marca gourmet com lojas em Arapiraca e Maceió, é a mesma que compra bois de terras indígenas e patrocina os leilões de gado e as vaquejadas da família. Seu dono é Nicolas Agostinho Pereira, filho de Noêmia Pereira, prima de Pauline Pereira, que era prefeita de Campo Alegre na ocasião. Antes de vencer a licitação, Nicolas contou com o apoio da reforma do abatedouro municipal do mesmo município.

A prima Pauline, apontada no relatório como principal elo entre os negócios e a política, é irmã de Joãozinho Pereira, superintendente regional da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em Alagoas.

Ex-prefeito de Teotônio Vilela, outro município com licitações entre parentes, Joãozinho Pereira tornou-se peça fundamental para a política de Arthur Lira, garantindo a concentração de poder no Estado a partir do orçamento federal.

|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. ||

Imagem principal (Megafone): dossiê sobre Arthur Lira é finalista em prêmio de ativismo.

LEIA MAIS:
De Olho nos Ruralistas detalha em novo dossiê a face agrária de Arthur Lira e seu clã em Alagoas
Arthur Lira expulsou camponeses de terras que não declarou
Família de Arthur Lira destruiu mata sagrada dos Kariri-Xocó em Alagoas
Prefeituras comandadas por primos de Arthur Lira contrataram R$ 8 mi de empresas da própria família
Consórcios e tratores: as armas de Lira para desbancar Renan Calheiros em Alagoas
Jullyene Lins: “Arthur Lira me ofereceu R$ 5 milhões para desistir de ação e falar bem dele”
Bens agropecuários de Arthur Lira já somavam R$ 13 milhões em 2006, diz sua ex-mulher
Presidente da Câmara estende seus braços agrários no Executivo, em Alagoas
A cana, o boi e as comunicações comandam a política em Alagoas
Usineiros e seus defensores dão as cartas na política alagoana

 

You may also read!

Prefeito de Eldorado do Sul terraplanou terreno em APA às margens do Rio Jacuí

Empresa em nome de sua família foi investigada pelo Ministério Público após aterrar área de "banhado" da Área de

Read More...

Expulsão de camponeses por Arthur Lira engorda lista da violência no campo em 2023

Fazendeiros e Estado foram os maiores responsáveis por conflitos do campo no ano passado; despejo em Quipapá (PE) compõe

Read More...

Estudo identifica pelo menos três mortes ao ano provocadas por agrotóxicos em Goiás

Pesquisadores da Universidade de Rio Verde identificaram 2.938 casos de intoxicação entre 2012 e 2022, que causaram câncer e

Read More...

Leave a reply:

Your email address will not be published.

Mobile Sliding Menu