Balanço de cinco anos do De Olho nos Ruralistas mostra como Arthur Lira e Renan Calheiros disputam poder dentro e fora do estado; pai de Lira foi voz dos sucroalcooleiros no Congresso; filho de Calheiros é aliado de famílias de cartorários acusados de grilagem
Por Nanci Pittelkow
No mesmo dia que o alagoano Renan Calheiros (MDB-AL) entregava o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid ao procurador-geral da República, Augusto Aras, Arthur Lira (Progressistas-AL) fazia um discurso considerando “inaceitável” o indiciamento de deputados. Alagoas, a terra dos coronéis, leva para Brasília as disputas de poder das famílias tradicionais.
Entre as diversas reportagens sobre o estado nos cinco anos de De Olho nos Ruralistas está uma sobre os coronéis locais, publicada durante as eleições de 2018: “Usineiros e seus defensores dão as cartas na política alagoana“.
Apoiador do impeachment de Dilma Rousseff e aliado do governo de Jair Bolsonaro, Athur Lira tem destaque pela facilidade com que tem “estendido seus braços agrários no Executivo, em Alagoas”. A versão audiovisual do “Os Laços do Coronel” foi o tema do terceiro da vídeo da série De Olho no Congresso, maior projeto audiovisual já realizado sobre a bancada ruralista, seus apoiadores, seus financiadores, seus principais expoentes e o rolo compressor da destruição.
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Desde que substituiu Rodrigo Maia (DEM-RJ), Arthur Lira (PP-AL) tem aberto as porteiras para a destruição de direitos sociais e ambientais no Brasil. Enquanto isso, ele amplia o poder de sua família no governo federal e em Alagoas.
Ex-prefeito de Teotônio Vilela e primo de Arthur Lira, Joãozinho Pereira (PMDB), assumiu o Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em 1º de abril de 2021. Cerca de um mês depois, em 09 de maio, o Estadão denunciava o tratoraço, um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões que Bolsonaro distribuiu para seus aliados a partir do Ministério do Desenvolvimento Regional, por meio de órgãos regionais como a Codevasf.
Em Alagoas, o grande beneficiado do tratoraço foi Arthur Lira, com R$ 114,6 milhões recebidos do ministério. Isso inclui a suspeita de superfaturamento na compra dos tratores. Parte desse montante chegou a Alagoas e aos aliados de Lira pela Codevasf.
Outro primo de Lira, Wilson Cesar de Lira Santos, ou apenas César de Lira, assumiu a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), durante o governo de Michel Temer. Era o início do desmonte do órgão, consolidado pelo governo Bolsonaro. Nessa época Alagoas recebeu apenas R$ 3.948,00 para encaminhar dezessete processos de titulação de quilombolas.
Enquanto recebe tratores com suspeitas de superfaturamento via orçamento secreto e consolida seu poder local, o presidente da Câmara represa os mais de 130 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.
RENAN E COLLOR SÃO SUSPEITOS DE RECEBER PROPINA
Outro alagoano em evidência é o senador Renan Calheiros (MDB), ex-presidente do Senado e relator da CPI da Covid. A família Calheiros é dona da Agropecuária Alagoas, com 2.874 hectares em Murici (AL), empresa que em 2007 tornou-se pivô de um escândalo envolvendo o senador e sua amante, Mônica Veloso. Investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob suspeita de usar dinheiro de propina para pagar pensão à jornalista, com quem teve uma filha, o senador alegou que obteve seus rendimentos da venda de bois. O valor declarado pelo senador colocaria suas fazendas entre as mais rentáveis do país, com o valor da arroba comercializada pela Agropecuária Alagoas na época superior à média de São Paulo, um dos mercados mais valorizados em genética bovina.
Neto de senhor de engenho, o senador Fernando Collor (Pros) não costuma declarar a posse de terras. Em 2018, sua relação de bens incluiu fazendas e outros itens de forma idêntica à declaração do deputado federal Arthur Lira, o que foi atribuído a um erro de digitação do desembargador do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas. Collor é aliado político do empresário e ex-deputado João Lyra, por décadas um dos maiores usineiros de Alagoas, detentor de um império que ruiu em 2006 com dívida bilionária e fazenda com denúncia de trabalho escravo.
Delatado na Operação Lava Jato, Lyra teria feito um pagamento de R$ 300 mil à Gazeta de Alagoas, de propriedade de Collor, o que foi considerado suspeito pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e referido como pagamento de propina. Collor é réu na Operação Lava Jato desde agosto de 2017.
Ele e Collor tentam perpetuar o poder patriarcal em Alagoas. Como apontou o De Olho nos Ruralistas na cobertura das eleições de 2018: “Fernando Collor e Renan Calheiros perpetuam-se no poder a partir dos filhos“.
Fernando James (PTC), filho mais novo de Collor, reconhecido apenas em 1998, concorreu a deputado federal, mas não foi eleito. Renan Filho foi reeleito governador de Alagoas e tem tentado reverter a crise que assola o setor sucroalcooleiro, que representa 8% do Produto Interno Bruto de Alagoas. Em 2019 o governador voltou atrás em sua convicção de não reduzir os impostos das usinas e anunciou redução do ICMS para as atividades de produção e beneficiamento de cana de açúcar.
USINEIROS PROPÕEM LEIS QUE BENEFICIAM O SETOR
O pai de Arthur Lira, senador Benedito de Lira, conhecido como Biu, foi uma das principais vozes no Senado em defesa do setor sucroalcooleiro. Entre projeto que autorizava a venda de álcool das usinas diretamente aos postos de combustíveis, eliminando a distribuição da Petrobras, e pressão para que o imposto para importação do etanol fosse similar ao cobrado dos produtores locais, o senador também se envolveu em pautas polêmicas.
Em 2004, quando era deputado federal, Biu se posicionou contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57-A/1999, que propunha desapropriar e disponibilizando para reforma agrária, as terras de proprietários flagrados com trabalhadores em condição análoga à escravidão. Benedito de Lira não concorreu novamente. Em 2018, quatro dos nove deputados alagoanos pertenciam à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), como mostrou o observatório. Além de Arthur Lira, foram reeleitos os deputados Marx Beltrão (PSD) e Nivaldo Albuquerque (PTB).
Apesar de contar com defensores parlamentares e executivos, o setor sucroenergético vive crises cíclicas. Em 2019, junto aos frigoríficos, estava no topo da lista de devedores do agronegócio, conforme levantamento do observatório. Ao todo, 1.376 empresas – entre usinas, canavieiros e comercializadores de açúcar e etanol – deviam R$ 69,2 bilhões à União, valor equivale a 49,8% do déficit primário estimado para 2019 pela Lei Orçamentária Anual, de R$ 139 bilhões. O crescimento do déficit público foi uma das principais justificativas para a reforma da previdência, aprovada em 2019.
PREFEITO DE MACEIÓ RETRANSMITE PROGRAMAÇÃO DO PASTOR RR SOARES
A riqueza da família de Fernando Collor de Mello vem da Organização Arnon de Mello, um dos maiores conglomerados de mídia do Nordeste, retransmissora da TV Globo e proprietária da Gazeta de Alagoas. Apesar da Constituição Federal proibir políticos titulares de mandato eletivo de possuírem ou controlarem empresas de radiodifusão, o observatório averiguou que “51 candidatos a prefeito em 21 estados declaram possuir rádios e TVs nas eleições de 2020“.
O prefeito eleito em Maceió, João Henrique Holanda Caldas, o JHC (PSB), está entre eles. JHC retransmite em suas rádios a programação da Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor RR Soares e informou possuir 30% das cotas da Alagoas Comunicações, que tem concessão de cinco rádios e uma TV. Seu concorrente Alfredo Gaspar (MDB) move processo contra JHC por abuso de poder econômico, informou a Gazeta de Alagoas. Segundo o candidato do MDB, as emissoras da família Caldas fizeram propaganda exclusiva para JHC, sem abrir espaço para os concorrentes.
OPERAÇÃO FAROESTE TEM BRAÇO ALAGOANO
Em 2019 o fazendeiro João Toledo de Albuquerque comandava uma milícia para invadir terras em Tocantins e, em 2020, invadiu com policiais militares e outros capangas a Fazenda Prazeres, na zona rural de Formosa do Rio Preto, na Bahia, região que é palco da Operação Faroeste, que busca desmantelar um esquema milionário de grilagem de terras no oeste do estado.
A família Toledo de Albuquerque, cujo principal representante político é o deputado federal Sérgio Toledo (PL-AL), tem um longo histórico de acusações de grilagem, desmatamento ilegal e violência miliciana. A família Toledo de Albuquerque controla dois cartórios em Alagoas: 1º Cartório do Registro de Imóveis e Hipotecas de Maceió e 3º Cartório de Registro de Imóveis e Distribuição de Protesto de Maceió. O primeiro é de propriedade de Stelio Darci Cerqueira de Albuquerque, pai do deputado Sérgio Toledo. O segundo está no nome do deputado, mas quem o comanda atualmente, como oficial substituta, é a filha do deputado, Lara Cansaço de Albuquerque. Os dois cartórios faturaram R$ 12,7 milhões em 2018 e respondem juntos ao Tribunal de Justiça por causa de uma investigação sobre enriquecimento ilícito. A história completa é contada em reportagem desse observatório.
As ligações da família Toledo de Albuquerque com o governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho (MDB), são históricas e se espraiam em vários campos. Lara, a filha de Sérgio, por exemplo, é casada com Claudio Roberto Ayres da Costa (PSD), o Cacau, prefeito eleito de Marechal Deodoro, cidade vizinha a Maceió. Ele é irmão do atual secretário de Saúde do governo de Renan Filho (MDB), Alexandre Ayres.
EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL
A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas tem ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Assista ao vídeo do aniversário:
No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Você pode apoiar o observatório aqui.
Imagem principal (Montagem com foto de Agência Câmara): Arthur Lira expande seu poder em Alagoas por meio do governo
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