A cana, o boi e as comunicações comandam a política em Alagoas

In Bancada Ruralista, De Olho na Política, De Olho no Agronegócio, Em destaque, Empresas brasileiras, Especiais, Governo Bolsonaro, Governo Temer, Latifundiários, Principal, Últimas

Balanço de cinco anos do De Olho nos Ruralistas mostra como Arthur Lira e Renan Calheiros disputam poder dentro e fora do estado; pai de Lira foi voz dos sucroalcooleiros no Congresso; filho de Calheiros é aliado de famílias de cartorários acusados de grilagem 

Por Nanci Pittelkow

No mesmo dia que o alagoano Renan Calheiros (MDB-AL) entregava o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid ao procurador-geral da República, Augusto Aras, Arthur Lira (Progressistas-AL) fazia um discurso considerando “inaceitável” o indiciamento de deputados. Alagoas, a terra dos coronéis, leva para Brasília as disputas de poder das famílias tradicionais.

Entre as diversas reportagens sobre o estado nos cinco anos de De Olho nos Ruralistas está uma sobre os coronéis locais, publicada durante as eleições de 2018: “Usineiros e seus defensores dão as cartas na política alagoana“.

Apoiador do impeachment de Dilma Rousseff e aliado do governo de Jair Bolsonaro, Athur Lira tem destaque pela facilidade com que tem “estendido seus braços agrários no Executivo, em Alagoas”. A versão audiovisual do “Os Laços do Coronel” foi o tema do terceiro da vídeo da série De Olho no Congresso, maior projeto audiovisual já realizado sobre a bancada ruralista, seus apoiadores, seus financiadores, seus principais expoentes e o rolo compressor da destruição.

Você já se inscreveu no canal do De Olho no YouTube? Confira o vídeo publicado no início de setembro:

 

Desde que substituiu Rodrigo Maia (DEM-RJ), Arthur Lira (PP-AL) tem aberto as porteiras para a destruição de direitos sociais e ambientais no Brasil. Enquanto isso, ele amplia o poder de sua família no governo federal e em Alagoas.

Ex-prefeito de Teotônio Vilela e primo de Arthur Lira, Joãozinho Pereira (PMDB), assumiu o Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em 1º de abril de 2021. Cerca de um mês depois, em 09 de maio, o Estadão denunciava o tratoraço, um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões que Bolsonaro distribuiu para seus aliados a partir do Ministério do Desenvolvimento Regional, por meio de órgãos regionais como a Codevasf.

Tratores do orçamento secreto chegam a municípios de AL nas vésperas das eleições (Foto: Codevasf)

Em Alagoas, o grande beneficiado do tratoraço foi Arthur Lira, com R$ 114,6 milhões recebidos do ministério. Isso inclui a suspeita de superfaturamento na compra dos tratores. Parte desse montante chegou a Alagoas e aos aliados de Lira pela Codevasf.

Outro primo de Lira, Wilson Cesar de Lira Santos, ou apenas César de Lira, assumiu a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), durante o governo de Michel Temer. Era o início do desmonte do órgão, consolidado pelo governo Bolsonaro. Nessa época Alagoas recebeu apenas R$ 3.948,00 para encaminhar dezessete processos de titulação de quilombolas.

Enquanto recebe tratores com suspeitas de superfaturamento via orçamento secreto e consolida seu poder local, o presidente da Câmara represa os mais de 130 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.

RENAN E COLLOR SÃO SUSPEITOS DE RECEBER PROPINA

Outro alagoano em evidência é o senador Renan Calheiros (MDB), ex-presidente do Senado e relator da CPI da Covid. A família Calheiros é dona da Agropecuária Alagoas, com 2.874 hectares em Murici (AL), empresa que em 2007 tornou-se pivô de um escândalo envolvendo o senador e sua amante, Mônica Veloso. Investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob suspeita de usar dinheiro de propina para pagar pensão à jornalista, com quem teve uma filha, o senador alegou que obteve seus rendimentos da venda de bois. O valor declarado pelo senador colocaria suas fazendas entre as mais rentáveis do país, com o valor da arroba comercializada pela Agropecuária Alagoas na época superior à média de São Paulo, um dos mercados mais valorizados em genética bovina.

João Lyra (esq.) na inauguração do comitê de campanha de Collor, em 2010. (Foto: Reprodução)

Neto de senhor de engenho, o senador Fernando Collor (Pros) não costuma declarar a posse de terras. Em 2018, sua relação de bens incluiu fazendas e outros itens de forma idêntica à declaração do deputado federal Arthur Lira, o que foi atribuído a um erro de digitação do desembargador do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas. Collor é aliado político do empresário e ex-deputado João Lyra, por décadas um dos maiores usineiros de Alagoas, detentor de um império que ruiu em 2006 com dívida bilionária e fazenda com denúncia de trabalho escravo.

Delatado na Operação Lava Jato, Lyra teria feito um pagamento de R$ 300 mil à Gazeta de Alagoas, de propriedade de Collor, o que foi considerado suspeito pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e referido como pagamento de propina. Collor é réu na Operação Lava Jato desde agosto de 2017.

Ele e Collor tentam perpetuar o poder patriarcal em Alagoas.  Como apontou o De Olho nos Ruralistas na cobertura das eleições de 2018: “Fernando Collor e Renan Calheiros perpetuam-se no poder a partir dos filhos“.

Fernando James (PTC), filho mais novo de Collor, reconhecido apenas em 1998, concorreu a deputado federal, mas não foi eleito. Renan Filho foi reeleito governador de Alagoas e tem tentado reverter a crise que assola o setor sucroalcooleiro, que representa 8% do Produto Interno Bruto de Alagoas. Em 2019 o governador voltou atrás em sua convicção de não reduzir os impostos das usinas e anunciou redução do ICMS para as atividades de produção e beneficiamento de cana de açúcar.

USINEIROS PROPÕEM LEIS QUE BENEFICIAM O SETOR

O pai de Arthur Lira, senador Benedito de Lira, conhecido como Biu, foi uma das principais vozes no Senado em defesa do setor sucroalcooleiro. Entre projeto que autorizava a venda de álcool das usinas diretamente aos postos de combustíveis, eliminando a distribuição da Petrobras, e pressão para que o imposto para importação do etanol fosse similar ao cobrado dos produtores locais, o senador também se envolveu em pautas polêmicas.

Em 2004, quando era deputado federal, Biu se posicionou contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57-A/1999, que propunha desapropriar e disponibilizando para reforma agrária, as terras de proprietários flagrados com trabalhadores em condição análoga à escravidão. Benedito de Lira não concorreu novamente. Em 2018, quatro dos nove deputados alagoanos pertenciam à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), como mostrou o observatório. Além de Arthur Lira, foram reeleitos os deputados Marx Beltrão (PSD) e Nivaldo Albuquerque (PTB).

Apesar de contar com defensores parlamentares e executivos, o setor sucroenergético vive crises cíclicas. Em 2019, junto aos frigoríficos, estava no topo da lista de devedores do agronegócio, conforme levantamento do observatório. Ao todo, 1.376 empresas – entre usinas, canavieiros e comercializadores de açúcar e etanol – deviam R$ 69,2 bilhões à União, valor equivale a 49,8% do déficit primário estimado para 2019 pela Lei Orçamentária Anual, de R$ 139 bilhões. O crescimento do déficit público foi uma das principais justificativas para a reforma da previdência, aprovada em 2019.

PREFEITO DE MACEIÓ RETRANSMITE PROGRAMAÇÃO DO PASTOR RR SOARES

Emissoras da família de JHC barram campanha de adversário

A riqueza da família de Fernando Collor de Mello vem da Organização Arnon de Mello, um dos maiores conglomerados de mídia do Nordeste, retransmissora da TV Globo e proprietária da Gazeta de Alagoas. Apesar da Constituição Federal proibir políticos titulares de mandato eletivo de possuírem ou controlarem empresas de radiodifusão, o observatório averiguou que “51 candidatos a prefeito em 21 estados declaram possuir rádios e TVs nas eleições de 2020“.

O prefeito eleito em Maceió, João Henrique Holanda Caldas, o JHC (PSB), está entre eles. JHC retransmite em suas rádios a programação da Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor RR Soares e informou possuir 30% das cotas da Alagoas Comunicações, que tem concessão de cinco rádios e uma TV. Seu concorrente Alfredo Gaspar (MDB) move processo contra JHC por abuso de poder econômico, informou a Gazeta de Alagoas. Segundo o candidato do MDB, as emissoras da família Caldas fizeram propaganda exclusiva para JHC, sem abrir espaço para os concorrentes.

OPERAÇÃO FAROESTE TEM BRAÇO ALAGOANO

Em 2019 o fazendeiro João Toledo de Albuquerque comandava uma milícia para invadir terras em Tocantins e, em 2020, invadiu com policiais militares e outros capangas a Fazenda Prazeres, na zona rural de Formosa do Rio Preto, na Bahia, região que é palco da Operação Faroeste, que busca desmantelar um esquema milionário de grilagem de terras no oeste do estado.

O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), e o deputado Sérgio Toledo (PL). (Foto: Facebook)

A família Toledo de Albuquerque, cujo principal representante político é o deputado federal Sérgio Toledo (PL-AL), tem um longo histórico de acusações de grilagem, desmatamento ilegal e violência miliciana. A família Toledo de Albuquerque controla dois cartórios em Alagoas: 1º Cartório do Registro de Imóveis e Hipotecas de Maceió e 3º Cartório de Registro de Imóveis e Distribuição de Protesto de Maceió. O primeiro é de propriedade de Stelio Darci Cerqueira de Albuquerque, pai do deputado Sérgio Toledo. O segundo está no nome do deputado, mas quem o comanda atualmente, como oficial substituta, é a filha do deputado, Lara Cansaço de Albuquerque. Os dois cartórios faturaram R$ 12,7 milhões em 2018 e respondem juntos ao Tribunal de Justiça por causa de uma investigação sobre enriquecimento ilícito. A história completa é contada em reportagem desse observatório.

As ligações da família Toledo de Albuquerque com o governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho (MDB), são históricas e se espraiam em vários campos. Lara, a filha de Sérgio, por exemplo, é casada com Claudio Roberto Ayres da Costa (PSD), o Cacau, prefeito eleito de Marechal Deodoro, cidade vizinha a Maceió. Ele é irmão do atual secretário de Saúde do governo de Renan Filho (MDB), Alexandre Ayres.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas tem ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Assista ao vídeo do aniversário:

No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Você pode apoiar o observatório aqui.

| Nanci Pittelkow é jornalista |

Imagem principal (Montagem com foto de Agência Câmara): Arthur Lira expande seu poder em Alagoas por meio do governo

You may also read!

Filho de Noman, prefeito de BH, trabalha para a Chevrolet, fundadora da Stock Car

Prefeito da capital mineira, Fuad Noman (PSD) tem sido alvo de críticas pela derrubada de 63 árvores na região

Read More...

Conheça o Instituto Harpia Brasil e suas ligações com o movimento Invasão Zero

Organização ultraconservadora se lança nacionalmente com Bolsonaro e na Bahia com Dida Souza,  fundadora do Invasão Zero, presente em

Read More...

Saiba quem são os líderes ruralistas que participaram de ato pró-Bolsonaro na Paulista

Membros-chave da Frente Parlamentar da Agropecuária estiveram presentes na manifestação do domingo; entre eles estão políticos financiados por invasores

Read More...

Leave a reply:

Your email address will not be published.

Mobile Sliding Menu