O país que homenageia as 500 mil vítimas é o país que precisa condenar torturadores

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Homenagem do De Olho nos Ruralistas às vítimas da Covid. (Imagem: De Olho nos Ruralistas/)

Matança atual pode ser explicada pela fala de Bolsonaro em 2016, quando ele homenageou Carlos Alberto Ustra; naturalização dos crimes da ditadura estimula a falta de memória política, tema de nosso vídeo em homenagem aos que tombaram durante a pandemia

Por Alceu Luís Castilho

É possível perdoar um torturador? Em “O Condenado de Altona”, filme de 1962, o italiano Vittorio de Sica traz à tona tema da peça homônima de Jean-Paul Sartre, encenada pela primeira vez em 1959. Um nazista alemão tinha ficado preso durante treze anos em sua casa, protegido pela família em um mundo fictício. Ao conhecer Johana, personagem de Sophia Loren, pergunta a ela se o aceitaria caso tivesse praticado crimes de guerra. Ela está apaixonada. E diz: não.

O Brasil de 2020 e 2021 é o filho direto dos porões da ditadura. No meio do caminho tinha Jair Bolsonaro e um dilema ético: é possível homenagear um torturador? O Brasil julgou que sim, em 2016, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara. Resultado: aquele que homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra foi eleito presidente e comanda um genocídio.

Nosso vídeo em homenagem às 500 vítimas da Covid-19 fala de Marias e Clarices em referência à música “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc. Uma das vítimas da pandemia, Aldir Blanc se referia a Clarice, viúva do jornalista Vladimir Herzog, e a Maria, filha de Manuel Fiel Filho, ambos torturados nos porões do Doi-Codi, nos anos 70.

Confira:

Sartre estava pensando na Guerra da Argélia. E nos crimes praticados pelos franceses. O filme e a peça são atuais. A Argélia é aqui. Aquela escola da tortura chegou ao Brasil, multiplicou-se pela América Latina e daqui não mais saiu. Mesmo após o fim da ditadura. Ao contrário do que fizeram Chile e Argentina, por exemplo, este país sem memória jamais saiu dos porões.

E por isso os torturadores e seus apoiadores permanecem fazendo de conta que são o que chamam de gente de bem, instalados nas delegacias e na imprensa e no Congresso. Todos os que ajudaram a naturalizar a barbárie, paradoxalmente em nome de ideais civilizatórios, a cumprir uma agenda de transição imposta a fórceps pelos militares, assinam também a matança em curso.

Até que se condene efetivamente a tortura ela continuará. Neste exato momento os brasileiros estão sendo intubados na cadeira do dragão.

CONFIRA OS DEMAIS VÍDEOS SOBRE GENOCÍDIO DE BOLSONARO E SEUS CÚMPLICES

Este observatório chama o genocídio de genocídio desde junho de 2020, quando, em vez de criar uma editoria chamada De Olho na Pandemia, preferiu o nome De Olho no Genocídio. Trata-se de uma opção política. De quem não acredita em falsas isenções em relação a temas humanitários centrais — entre eles, o fascismo e sua cultura da morte, expressa diariamente por Bolsonaro e seus cúmplices.

Um mês depois, em julho de 2021, iniciamos uma série chamada Esplanada da Morte, com o papel de cada ministro na execução do plano de se chegar a uma inexistente imunidade de rebanho. São vinte reportagens, do papel dos militares até as ações do Gabinete do Ódio. Vários entre os investigados na CPI da Covid, no Senado, fizeram parte da série, entre eles Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo.

Há dois meses iniciamos uma série de vídeos também intitulada De Olho no Genocídio. A homenagem às 500 mil vítimas é o 11º vídeo. Confira os outros dez vídeos, relacionados abaixo, e se inscreva em nosso canal no YouTube. Eles trazem um panorama dos responsáveis diretos pelo massacre.

Que não atendem apenas pelo sobrenome Bolsonaro. O que acontece no Brasil, da ditadura à pandemia, traz a assinatura de jornalistas e de donos de meios de comunicação. De militares. Do mercado. De empresários.

Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas. |

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas/ExtraClasse): arte a partir de foto de Igor Sperotto

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