Com Kátia Abreu na relatoria, “PL da Boiada” avança no Senado

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Após audiência pública, proposta que flexibiliza licenciamento ambiental pode ser votada na Comissão de Meio Ambiente e em plenário; líderes indígenas e ambientalistas pedem que senadora barre retrocessos, mas consideram missão quase impossível

Por Mariana Franco Ramos

Sem consenso e com Kátia Abreu (PP-TO) como relatora, o Projeto de Lei  2.159/2021, apelidado de PL da Boiada ou PL da Destruição, por flexibilizar o licenciamento ambiental no Brasil, deve ser votado nos próximos dias no Senado. Na sexta-feira (19), uma audiência pública conjunta das Comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) expôs ainda mais as posições divergentes entre ambientalistas e ruralistas. Foi o terceiro encontro promovido na Casa sobre o tema.

Neri Geller e Kátia Abreu, ruralistas e relatores do PL da Destruição. (Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil)

O substitutivo aprovado na Câmara é muito criticado por especialistas, uma vez que restringe, enfraquece ou, em alguns casos, até extingue parte importante dos instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de obras e atividades econômicas no país. Quem o defende argumenta que há “excesso de burocracia e de regras” nos processos. O projeto foi um dos temas do vídeo “Passando a boiada“, da série De Olho no Congresso.

O autor do substitutivo é o deputado federal Neri Geller (PP-MT), que possui fazendas em Diamantino e Sorriso, regiões de conflito no Mato Grosso. Kátia Abreu e seus familiares, entre eles o senador Irajá Abreu (PSD-TO), têm interesses diretos no estado do Tocantins: “Texto de Irajá na MP da Grilagem beneficia negócios do padrasto“.

OBSERVATÓRIO DO CLIMA FALA EM ‘IMPLOSÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL’

Durante a 26ª Conferência das Partes (COP-26) sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), em Glasgow, na Escócia, um grupo do Engajamundo, organização de jovens ambientalistas, entregou à senadora, simpática ao projeto, uma caixa preta inspirada nos filmes de espiões. O objetivo foi dar uma última cartada antes da votação, chamando a atenção dela sobre as implicações negativas da medida.

Chega de blablablá: frase de Greta Thunberg tornou-se símbolo da COP26. (Foto: Reprodução)

Paralelamente, membros do Observatório do Clima (OC) pediram ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que o texto passe primeiro pelas comissões da Casa. “O Senado não pode repetir o erro da Câmara dos Deputados ao concretizar uma decisão na prática sem publicização do conteúdo a ser votado e sem oitiva pública dos atores especializados no tema e das organizações da sociedade civil”, escreveram, em carta. Segundo o OC, o PL significaria a “implosão do licenciamento ambiental, um retrocesso de quatro décadas”.

Pacheco já sinalizou, porém, que depois das audiências públicas pretende levar a matéria ao plenário. Os ambientalistas também consideram a missão de sensibilizar a ex-ministra da Agricultura, cujo relatório será a base das votações, quase impossível. Uma das políticas mais influentes do Tocantins e hoje uma das líderes do Centrão, ela presidiu por dois mandatos seguidos a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Depois, foi ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, durante o governo Dilma Rousseff. Seu filho Irajá foi responsável por diversas alterações na Medida Provisória 910, a MP da Grilagem.

EX-PRESIDENTE DO IBAMA APONTA INCONSTITUCIONALIDADES DO TEXTO

Na audiência do dia 19, Suely Araújo, representante do OC, reforçou o apelido de “a mãe de todas as boiadas” para o projeto. “Como está, eu considero que o atual texto implode com o licenciamento ambiental”, disse. “Destrói, na verdade, os processos de licenciamento, e retrocede 40 anos na história para uma época em que bebês nasciam com a anencefalia em Cubatão por contaminação por poluição, gerada por indústrias que não tinham licença”.

Senadores Jaques Wagner, Amin, Luiz do Carmo e Izalci (acima) com debatedores na audiência remota. (Foto: Agência Senado)

Ex-presidente do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e também presente na COP-26, no início do mês, ela apontou uma série de problemas do PL, “abarcado por pontos inconstitucionais”, e afirmou que eles devem gerar judicialização.

O primeiro seria o “cheque em branco” para os órgãos licenciadores fazerem o que quiserem em diferentes pontos, sem apresentar critérios e sem dar orientações. O segundo seria a descrição de uma extensa lista de empreendimentos isentos de licenciamento.

Para Suely, a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), uma espécie de licenciamento autodeclaratório via internet, deveria ser utilizada somente em empreendimentos de baixo impacto e risco, repetitivos, em territórios conhecidos. “Um levantamento feito com as secretariais estaduais de meio ambiente apontou que cerca de 90% dos processos não terão análise pelo órgão licenciador”, destacou.

Os integrantes do governo Bolsonaro cumpriram a função de defender a proposta. Subsecretária de Sustentabilidade do Ministério de Infraestrutura, Larissa Carolina Amorim dos Santos argumentou que é preciso haver uma lei “uniforme, única” para as três esferas, como forma de evitar desgastes e gargalos. A chefe da assessoria especial de Assuntos Socioambientais do Ministério da Agricultura, Vanessa Prezotto Silveira, disse que “a ideia é não precarizar”, e sim “não excluir, ser acessível”.

NA CÂMARA, APOIO DO CENTRÃO GARANTIU APROVAÇÃO

Elaborado a portas fechadas por ruralistas, a Casa Civil e o lobby de grandes indústrias e empresas de infraestrutura, o texto base da Lei Geral de Licenciamento Ambiental foi aprovado pela Câmara no dia 13 de maio, por 300 votos a 122, sem debates públicos dentro ou fora do Congresso. O documento foi repassado a alguns deputados pouco tempo antes da sessão começar.

Texto que passou pela Câmara é um substitutivo de Neri Geller. Foto: (Pablo Valadares/Câmara)

Com o apoio do “Centrão” e de bolsonaristas, a bancada ruralista derrotou, um a um, os requerimentos apresentados pela oposição e os ambientalistas para obstruir a votação.

O relatório de Geller foi levado diretamente ao plenário porque teve regime de urgência aprovado em 2017, depois de passar pelas comissões de Agricultura, Meio Ambiente, Finanças e Tributação. O parlamentar acolheu parte das emendas, mas que não faziam mudanças substanciais na proposta.

Na época, ele comemorou a aprovação, afirmando que “o Brasil não pode parar“. Ex-ministros do Meio Ambiente foram contrários ao texto, por considerarem uma ameaça para os biomas. Em resposta a eles, Geller disse ainda que o relatório não traz “uma vírgula” sobre desmatamento: “Eles que me apontem onde tem alguma vírgula que abre exceção para fazer desmatamento ou degradação”.

A matéria dispensa agricultura, pecuária e silvicultura de licenciamento, além de mais treze tipos de atividades que geram impacto ambiental, como obras de redes de distribuição de energia e de manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes, como dragagens. Na avaliação da Frente Parlamentar Ambientalista, de pesquisadores e organizações da sociedade civil, trata-se da pior e mais radical proposta já elaborada no Congresso sobre o assunto.

ISA PREVÊ QUE 297 TERRAS INDÍGENAS SEJAM DESCONSIDERADAS

Conforme levantamento do Instituto Socioambiental (ISA), 297 Terras Indígenas ou 41% do total de áreas com processos de demarcação já abertos na Fundação Nacional do Índio (Funai) podem ser desconsideradas para efeitos de avaliação, prevenção e compensação de impactos socioambientais de empreendimentos econômicos. Isso porque a proposta de Geller estabelece o licenciamento apenas para territórios já homologados, isto é, com demarcação já concluída, ou com restrição de uso para grupos indígenas isolados.

Garimpo ilegal em terra indígena no Pará. (Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real)

Algo semelhante aconteceria com os territórios quilombolas. Somente áreas com processo de titulação concluído fariam jus ao licenciamento. Cerca de 84% dos mais de 1.770 processos de oficialização de quilombos já iniciados em âmbito federal, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), devem ser excluídos da análise dos órgãos ambientais.

“Ocorre que as Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, áreas de uso coletivo, não se sujeitam à finalização dos processos de demarcação para que os direitos dos povos indígenas e quilombolas sejam considerados”, diz um manifesto assinado por quase trinta organizações. “O Supremo Tribunal Federal, por inúmeras oportunidades, inclusive recentes, tem reiterado que esses direitos territoriais independem de ato estatal de demarcação ou titulação que os reconheça”.

O ISA acrescenta que, com a nova lei, impactos diretos e indiretos sobre Unidades de Conservação seriam ignorados. Do jeito que foi aprovado, o PL limita a manifestação do órgão gestor dessas áreas às situações em que elas estejam na Área Diretamente Afetada por empreendimentos econômicos.

| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

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