Imobiliária de Ricardo Nunes mostra conexão empresarial com parceiros da zona sul

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Dono da Topsul Empreendimentos, prefeito e amigos maçons montaram empresa em nome de parentes; todos tinham conexão com Associação Empresarial da Região Sul (Aesul), fundamental para entender teia fluida entre público e privado na administração paulistana

Por Bruno Stankevicius Bassi, Eduardo Carlini e Alceu Luís Castilho

A regularização de imóveis e loteamentos irregulares tem sido um dos pilares da gestão de Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo. Segundo dados da prefeitura, desde 2022 foram cerca de 92 mil famílias beneficiadas em processos fundiários. Destas, 20.471 receberam concessão de certificados ou matrículas imobiliárias. O tema é um dos eixos centrais da estratégia eleitoral de Nunes, cujo principal adversário na disputa pela reeleição, o deputado Guilherme Boulos (PSOL), possui um longo histórico na militância por moradia junto ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

Mas essa não é a única conexão do prefeito de São Paulo com o tema. No quinto episódio da série Endereços, sobre a expressão espacial do poder no maior município do país, mostramos a face imobiliária de Nunes — até agora apenas um item misterioso em suas declarações de bens.

Ele é dono da incorporadora Topsul Empreendimentos e Participações, fundada em 2007 por seu irmão, Robson Gouveia, junto a três outros sócios ligados à Associação Empresarial da Região Sul (Aesul), organização presidida por Nunes entre 2003 e 2005. Esse mesmo grupo de amigos e irmãos de maçonaria — quase todos da loja Fé, Equilíbrio e Luz — compõe o que este observatório tem chamado de República de Interlagos, o núcleo empresarial da “máfia das creches”, tema de outro vídeo da série Endereços.

De Olho nos Ruralistas identificou pelo menos dois projetos ligados à empresa imobiliária de Ricardo Nunes. O primeiro é um condomínio empresarial, próximo do centro de Parelheiros, em um terreno hoje avaliado em R$ 4,8 milhões. O imóvel fica no número 6.288 da Estrada Ecoturística de Parelheiros — antes chamada Avenida Sadamu Inoue — e pertenceu à Topsul entre julho de 2007 e agosto de 2010. Um processo de obtenção de alvará para construção de condomínio corporativo, registrado junto à Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, mostra que a empresa ainda figurava como titular do pedido em agosto de 2019, quando a obra foi parcialmente autorizada.

O outro projeto imobiliário envolvendo a Topsul teve início em maio de 2011, um ano depois da venda do terreno de Parelheiros. A empresa de Nunes adquiriu 50% de um imóvel na Rua Antônio Mariano, em Interlagos, por R$ 250 mil. Catorze meses depois, o lote foi vendido para a Hagir Empreendimentos Imobiliários, do empresário Juarez Amaro da Silva, outro maçom e ex-presidente da Aesul. Os dois projetos serão detalhados em reportagens específicas.

Confira abaixo o vídeo sobre a face imobiliária de Ricardo Nunes:

EMPRESA ESTAVA INICIALMENTE EM NOME DO IRMÃO MAIS NOVO

Os anos 2000 foram uma década de ouro para o empresário Ricardo Nunes. Sua empresa de controle de pragas, a Nikkey, deixava de ser uma microempresa e prosperava com os primeiros contratos de dedetização de pallets no Porto de Santos. Pouco depois, viriam os contratos públicos, como mostramos em reportagem da série: “Empresa de Ricardo Nunes e família, a Nikkey, tem contrato com o TRE-SP“.

Família Goulart foi sócia de Nunes em empresa imobiliária. (Foto: Reprodução/Facebook)

Filiado ao MDB desde que fez 18 anos, Nunes dava seus primeiros passos no associativismo, ajudando a fundar a Associação das Empresas Controladoras de Pragas do Estado de São Paulo (Adesp), o que o levaria a assumir, em 2003, a presidência da Aesul. Foi da articulação com outros empresários da zona sul de São Paulo que surgiu a Topsul.

Robson Antônio Nunes de Gouveia, irmão de Ricardo, ficou na empresa da fundação, em janeiro de 2007, até março de 2008, quando os dois trocaram de lugar, após o atual prefeito de São Paulo assumir a participação de R$ 36 mil no capital social.

Também foram fundadores da Topsul: Fábio Hayashi Goulart, filho do ex-deputado federal e ex-vereador Antônio Goulart e irmão do vereador Rodrigo Goulart; Tânia Santos Machado, esposa do empreiteiro Valderci Malagosini Machado, ex-subprefeito da Capela do Socorro e Santo Amaro; e Dino Brugnera, pai de Márcio Brugnera, chefe de gabinete de Nunes durante seu primeiro mandato como vereador.

Fábio Goulart é sócio do pai em uma cachaçaria filiada à Aesul. Sua mãe, Kazuko Hayashi Goulart, foi sócia de outra empresa associada, a Companygraf, ligada a Vitor Cavalcanti de Arruda, outro membro da República de Interlagos e dono de imóveis alugados para instalação de creches. Em 2010, Antonio Goulart foi condenado na Justiça por usar verba de gabinete para contratar serviços da gráfica enquanto Kazuko ainda era sócia. A Companygraf recebeu R$ 119,3 mil na campanha de Nunes em 2016 e R$ 47,7 mil em 2018.

Enquanto Antonio era investigado, seu filho Rodrigo passou a contratar outra empresa de Vitor, a VCA Serviços Digitais, com quem gastou R$ 1,8 mil na campanha de reeleição à Câmara Municipal. O mandato de Rodrigo Goulart é patrocinador frequente de eventos da Aesul e o próprio vereador já afirmou trabalhar em parceria com a associação. “Me sinto um verdadeiro representante da entidade”, afirmou no depoimento, publicado pela Aesul em março de 2020.

Topsul manteve terreno em Paralheiros até 2010. (Imagem: 11º RI/SP)

SÓCIO EM IMOBILIÁRIA FOI HOMENAGEADO COM NOME DE PRAÇA

Fábio Hayashi Goulart ficou na sociedade da Topsul até agosto de 2008. Dois anos depois, em fevereiro de 2011, foi a vez de Dino Brugnera e Tânia Machado saírem, dando lugar à Maria do Céu Reis de Gouveia, a mãe do prefeito, ex-presidente da Câmara Municipal de Embu-Guaçu. Ela ficou na sociedade até maio de 2017, deixando Ricardo Nunes como único sócio.

Empresário do setor de combustíveis e irmão de maçonaria de Nunes, Dino Brugnera foi presidente do conselho deliberativo da Aesul entre 1994 e 1996. Seu filho, Márcio Brugnera, presidiu a organização entre 2007 e 2009. Logo depois, se tornou secretário de Obras da capital, na gestão de Gilberto Kassab, entre 2006 e 2012.

Ricardo Nunes participa de inauguração da praça Dino Brugnera, em homenagem ao antigo sócio na Topsul. (Foto: Reprodução/Facebook)

Naquele mesmo ano, Márcio assumiu como tesoureiro de campanha e, em seguida, chefe de gabinete de Nunes na Câmara Municipal. Hoje diretor de uma empresa de energia solar, ele foi um dos responsáveis por idealizar o projeto do aeroporto de Parelheiros e a Lei do Transporte Hidroviário, duas das principais bandeiras de Nunes enquanto era vereador. Márcio também presidiu o Instituto de Lideranças Empresariais de São Paulo (Ilesp), ligado à maçonaria.

O pai dele, Dino, faleceu em 2016. Dois anos depois, Ricardo Nunes aprovou na Câmara o batismo de uma praça em homenagem ao amigo, no bairro de Cidade Dutra, próxima do Autódromo de Interlagos — e da sede da Asesul. A placa com o nome do empresário foi pregada na base de um pilar maçônico.

Entre os nomes por trás da Topsul, Valderci e sua esposa Tânia Machado eram aqueles com experiência no mercado de construção. Os dois fundaram a Malagosini Empreendimentos, que hoje tem Tânia e seu filho como sócios. Valderci era irmão de maçonaria de Nunes e foi subprefeito de Santo Amaro e da Capela do Socorro por indicação dele. Ele também foi presidente da Aesul nos anos 2000, antecedendo Márcio Brugnera.

Um documento de 2007 indica que os Malagosini eram os principais responsáveis pela liberação da construção do condomínio da Estrada Ecoturística de Parelheiros. Naquele ano, tramitava na Secretaria de Planejamento um pedido relativo ao zoneamento do terreno. O autor era o arquiteto Jefferson Ferreira Santos, na época sócio de Valderci Malagosini na BLM Empreendimentos. Jefferson foi assessor técnico da SP Obras.  Em 2014, assumiu o comando da Secretaria de Obras de Embu-Guaçu.

O município é tema de outro vídeo da série Endereços: “Da irmã de Nunes ao prefeito de Embu-Guaçu: “Cobra a gente mata. Aguarde meu irmão”“.

PREFEITURA NÃO RESPONDE QUESTÕES E “REPUDIA” REPORTAGEM

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Especial de Comunicação, emitiu uma nota sobre as perguntas enviadas pela reportagem sobre a Topsul, o empreendimento em Parelheiros e as relações de Ricardo Nunes com a Aesul. Nela, o prefeito repudia o que chama de “ilações irresponsáveis” e diz que o observatório “se utiliza de informações falsas”.

O texto afirma que as questões enviadas pela reportagem sobre as negociações imobiliárias da empresa — algumas delas bastante detalhadas, como o leitor pode conferir aqui — não tem “o menor sentido” e considera “uma tentativa irracional de vincular essas relações comerciais às políticas fundiárias do município”.

No dia 26 de junho, em resposta ao terceiro vídeo da série Endereços, a assessoria da prefeitura chegou a associar o trabalho jornalístico do observatório a crime de “perseguição”. A resposta foi considerada intimidatória pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji): “Abraji define nota da prefeitura de São Paulo como “intimidação” ao De Olho nos Ruralistas“.

Confira abaixo a íntegra da nota enviada pela prefeitura:

A Prefeitura de São Paulo repudia veementemente as ilações irresponsáveis feitas pelo site, que se utiliza de informações falsas para atingir a reputação do prefeito Ricardo Nunes e sua família.

Sem qualquer evidência, a reportagem sugere participação do prefeito em ações executadas em 2021 e 2023 em terreno particular e que foi comercializado em 2010. Além disso, questiona a respeito da continuidade de uma parceria que jamais existiu. As criações fantasiosas e confusas continuam expostas em questões sem o menor sentido sobre negociações imobiliárias privadas, numa tentativa irracional de vincular essas relações comerciais às políticas fundiárias do município.

É lamentável que um site que se propõe a produzir informação confiável assuma conduta totalmente parcial em uma campanha desinformativa contra o prefeito, cujos interesses se confundem claramente com os de grupos políticos em período eleitoral.

De Olho nos Ruralistas continuará fazendo jornalismo, pesquisa e perguntas. E mantém as informações publicadas.

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas.|

|| Eduardo Carlini é geógrafo e pesquisador. ||

||| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do observatório. |||

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas): Ricardo Nunes é dono de empresa imobiliária

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