Conheça o terreno em Parelheiros onde Nunes tentou construir condomínio empresarial

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Imobiliária do prefeito, a Topsul Empreendimentos, iniciou processo em imóvel na Estrada Ecoturística de Parelheiros; mata e casa cotada para ser patrimônio histórico foram destruídas durante a gestão atual  

Por Bruno Stankevicius Bassi, Eduardo Carlini e Alceu Luís Castilho

A face imobiliária do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), era até agora apenas um item misterioso em suas declarações de bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desde 2012, quando se elegeu vereador, o político declara uma participação de 74% na empresa Topsul Empreendimentos e Participações. Sempre pelo mesmo valor: R$ 133,2 mil.

De Olho nos Ruralistas identificou pelo menos dois projetos ligados à incorporadora imobiliária do prefeito. O primeiro é um condomínio empresarial localizado no número 6.288 da Estrada Ecoturística de Parelheiros, antes chamada Avenida Sadamu Inoue. Segundo dados da matrícula obtida pela reportagem, o terreno — hoje avaliado em R$ 4,8 milhões — pertenceu à Topsul entre 2007 e 2010.

Na época, a empresa tentava obter o alvará necessário para a construção do condomínio. O pedido teve início em 2007, logo após a fundação da Topsul. Na época, a imobiliária tinha como sócios Robson Gouveia, irmão de Nunes, e outros três empresários ligados à Associação Empresarial da Região Sul (Aesul), conforme mostramos na última reportagem da série Endereços, sobre a expressão espacial do poder no maior município do país: “Imobiliária de Ricardo Nunes mostra conexão empresarial com parceiros da zona sul“.

O terreno em Parelheiros também é o tema central do quinto episódio da série, lançado no canal do observatório no YouTube. Confira abaixo:

O vídeo detalha outro empreendimento ligado à Topsul: a compra de 50% de um imóvel na Rua Antônio Mariano, em maio de 2011. Catorze meses depois, o lote foi vendido para a Hagir Empreendimentos Imobiliários, ligada a Juarez Amaro da Silva, ex-presidente da Aesul e um dos amigos de Nunes que aluga imóveis para a Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria), investigada no inquérito da “máfia das creches“. O negócio foi intermediado pela corretora InvestHouse, de Ronaldo do Prado Farias, outro dirigente da Aesul que alugava imóveis para a Acria.

O imóvel fica a três quilômetros do condomínio Green Village, centro de irradiação do que este observatório tem chamado de República de Interlagos, o núcleo empresarial do que a imprensa paulistana cunhou como “máfia das creches”, tema de outro vídeo da série Endereços.

PROJETO CONTINUOU NOVE ANOS APÓS TOPSUL VENDER O TERRENO

O pedido de alvará para a construção do condomínio empresarial da Topsul tramitou no Sistema de Controle de Obras e Edificações (Sisacoe) em duas etapas. A primeira, entre 2007 e 2010, resultou no indeferimento do pedido pela Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, devido ao não cumprimento de uma observação no projeto.

Topsul manteve terreno em Paralheiros até 2010. (Imagem: 11º RI/SP)

De Olho nos Ruralistas tentou acessar a íntegra do alvará no Arquivo Público da Prefeitura de São Paulo para identificar o motivo do indeferimento, mas diante da mudança de endereço do órgão não foi possível obter os documentos. Segundo um funcionário ouvido pela reportagem, os pedidos de vistas têm levado mais de seis meses.

A Topsul interpôs dois recursos solicitando a reavaliação da obra, em 2011 e depois, novamente, em 2012. Ambos foram indeferidos. A análise foi retomada apenas em 2014. Segundo o extrato do processo no Sisacoe, foi solicitada a revisão do levantamento planialtimétrico, a demarcação das faixas não edificáveis e a apresentação do laudo de avaliação ambiental. No ano seguinte, a secretaria pediu a inclusão de um projeto de compensação ambiental para a área desmatada, incluído em 2017.

Quando a licença finalmente saiu, de forma parcial, em agosto de 2019, a Topsul já não era dona do imóvel. Nove anos antes, em agosto de 2010, a imobiliária de Nunes vendeu a área para os empresários Odélio Antonio de Lima e Joel Rodrigues de Macedo. O valor? R$ 200 mil. Apenas R$ 70 mil a mais que o dinheiro desembolsado na compra.

Os dois se mantiveram como proprietários durante toda a tramitação do alvará. Em julho de 2016, enquanto a Topsul recebia as observações relativas ao empreendimento no Sisacoe, Odélio e Joel regularizavam, junto à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), um projeto de construção de uma “loja de departamentos ou magazine e dependências, com área total construída de 6.783,44 m²”.

O documento de vinculação cita ainda a destinação de 1 mil m² — ou 0,1 hectare — para compensação ambiental. Segundo imagens de satélites analisadas por este observatório, a área que seria depois terraplanada possui oito vezes essa dimensão: 8.127,19 m², ou 14% da área total do imóvel.

Antes da terraplanagem, terreno possuía importantes remanescentes de Mata Atlântica. (Fotos: Google Street View)

DONO DE CARTÓRIO, COMPRADOR DO IMÓVEL É PRÓXIMO DE SECRETÁRIO DE NUNES

As imagens de satélite e da série histórica do Google Street View mostram que a área antes pertencente à Topsul foi desmatada e terraplanada em algum ponto entre dezembro de 2021 e setembro de 2023, quando Ricardo Nunes já era prefeito.

Foi durante esse intervalo, em maio de 2023, que Odélio de Lima vendeu o imóvel para as empresas MMD Shimoshio e a LTS Participações Societárias, ambas ligadas à família Shimoshio, dona da rede de supermercados Ayumi, que possui uma unidade na Estrada Ecoturística de Parelheiros, a 350 metros do terreno. Na época, o imóvel já era avaliado em R$ 4,8 milhões, vinte e quatro vezes mais que o valor pago à Topsul pela compra.

Odélio (esq.) é amigo pessoal de José Nalini (centro), atual secretário do Clima de Nunes. (Foto: Prefeitura de Guaraci)

Odélio é um pecuarista, dono de quatro fazendas em Guaraci, no interior paulista. Na capital, ele é dono do Cartório de Parelheiros, por sua vez, filiado à Aesul. Hoje em nova sede, o cartório ficava em um condomínio empresarial na Avenida Senador Teotônio Vilela, nº 10.960, Sala 1. Exatamente ali, na mesma sala, foi o endereço fiscal da Topsul até 2011.

O cartório distribui aos seus frequentadores o jornal Notícias da Região, que divulga notícias simpáticas a Nunes. Esse jornal pertence ao compadre do prefeito, Pedro José da Silva, cuja família tem vários contratos com a prefeitura. A série Endereços falará especificamente desse tema.

A conexão entre Odélio e o prefeito de São Paulo vem de José Renato Nalini, ex-secretário estadual de Educação durante o governo Alckmin, hoje secretário do Clima de Nunes. Reportagens da imprensa local apontam que o empresário era amigo pessoal de Nalini e usava sua influência para intermediar o contato entre a prefeitura de Guaraci — onde criava gado — e o Executivo estadual.

“Agradeço também ao munícipe Odélio Antonio de Lima que é amigo do secretário e que intermediou nossa audiência”, afirmou o prefeito Elson Machado em entrevista realizada em 2007.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) foi registrado durante o período de Odélio à frente do empreendimento em Parelheiros. O documento, elaborado em 2019 e anexado à matrícula, tinha como titular Mauro Vieira Christe, sócio da corretora Irmãos Christe, bastante conhecida no mercado imobiliário da região e dona de outros terrenos em Parelheiros, no entorno da área que pertenceu à Topsul.

Um dos membros da família, Bruno César Christe de Andrade, alugou carros para a campanha de Ricardo Nunes à Câmara Municipal, em 2016, e ocupa o cargo de supervisor de cultura da subprefeitura de Parelheiros. A unidade tem como chefe de gabinete Walter Ruiz Delgado, ex-assessor de Nunes, indicado por ele para a posição. E responsável, na subprefeitura, por atender os vizinhos de Nunes no Sítio Vista Verde, em Marsilac.

NUNES CHEGOU A DEFENDER TOMBAMENTO DA “CASINHA CAIPIRA”

A mesma subprefeitura de Parelheiros, hoje comandada por indicados de Nunes e do presidente da Câmara, Milton Leite, emitiu em 2006 um parecer solicitando ao Tribunal de Contas da União (TCU) a preempção — isto é, a incorporação ao patrimônio público — de uma casa histórica localizada dentro do terreno que pertenceu à Topsul.

Situada em um morro logo na entrada do centro urbano de Parelheiros, a edificação era conhecida como “Casinha Caipira” e considerada um dos marcos arquitetônicos do bairro. Um remanescente do período em que o extremo sul da capital era ocupado majoritariamente por sítios e fazendas, em grande parte ligados à colônia alemã.

A recomendação de compra e tombamento da Casinha Caipira consta em um relatório elaborado em 2008 pelo então subprefeito Walter Tesch, que defendia a criação de um polo turístico regional. A proposta chegou a ser defendida pelo próprio Nunes, durante seu período na Câmara. Mas não vingou.

Foto de julho de 2011 mostra Casinha Caipira, marco histórico de Parelheiros. (Imagem: Google Street View)

A casinha caipira foi demolida durante a terraplanagem do terreno, em algum momento entre dezembro de 2021 — quando ela ainda aparece, em meio à mata, pintada de rosa — e setembro de 2023.

Do outro lado da Estrada Ecoturística de Parelheiros, fica o início do Parque Linear Ribeirão Caulim, uma área de 321,3 hectares que percorre o córrego de mesmo nome, com importantes remanescentes de Mata Atlântica. Quando a reportagem esteve no local, em maio, ocorriam no terreno em frente ao que pertenceu à Topsul as obras de canalização do Ribeirão Caulim, visando o controle de enchentes e a criação de aparelhos públicos para o parque linear.

A obra é de responsabilidade da prefeitura. Uma faixa ao lado das obras e em frente do terreno da Topsul, assinada pelo vereador Milton Leite, pede desculpas pelo transtorno: “Estamos trabalhando juntos com o prefeito Ricardo Nunes para melhorar o seu bairro!”

PREFEITURA NÃO RESPONDE QUESTÕES E “REPUDIA” REPORTAGEM

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Especial de Comunicação, emitiu uma nota sobre as perguntas enviadas pela reportagem sobre a Topsul e as relações de Ricardo Nunes com a Aesul. Nela, o prefeito repudia o que chama de “ilações irresponsáveis” e diz que o observatório “se utiliza de informações falsas”.

O texto afirma que as questões enviadas pela reportagem sobre as negociações imobiliárias da empresa — algumas delas bastante detalhadas, como o leitor pode conferir aqui — não tem “o menor sentido” e considera “uma tentativa irracional de vincular essas relações comerciais às políticas fundiárias do município”.

No dia 26 de junho, em resposta ao terceiro vídeo da série Endereços, a assessoria da prefeitura chegou a associar o trabalho jornalístico do observatório a crime de “perseguição”. A resposta foi considerada intimidatória pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji): “Abraji define nota da prefeitura de São Paulo como “intimidação” ao De Olho nos Ruralistas“.

Confira abaixo a íntegra da nota enviada pela prefeitura:

A Prefeitura de São Paulo repudia veementemente as ilações irresponsáveis feitas pelo site, que se utiliza de informações falsas para atingir a reputação do prefeito Ricardo Nunes e sua família.

Sem qualquer evidência, a reportagem sugere participação do prefeito em ações executadas em 2021 e 2023 em terreno particular e que foi comercializado em 2010. Além disso, questiona a respeito da continuidade de uma parceria que jamais existiu. As criações fantasiosas e confusas continuam expostas em questões sem o menor sentido sobre negociações imobiliárias privadas, numa tentativa irracional de vincular essas relações comerciais às políticas fundiárias do município.

É lamentável que um site que se propõe a produzir informação confiável assuma conduta totalmente parcial em uma campanha desinformativa contra o prefeito, cujos interesses se confundem claramente com os de grupos políticos em período eleitoral.

De Olho nos Ruralistas continuará fazendo jornalismo, pesquisa e perguntas. E mantém as informações publicadas.

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A cobertura eleitoral do De Olho nos Ruralistas começa com a série de vídeos sobre o poder em São Paulo em nosso canal no YouTube. Você pode se inscrever aqui. Com isso acompanhará semanalmente cada um dos doze episódios da série Endereços, que vão ao ar nas noites de quarta-feira. Nos dias seguintes o observatório faz neste site o detalhamento dos assuntos do vídeo, como feito no primeiro episódio, sobre o Sítio Vista Verde, imóvel do prefeito em Marsilac, extremo sul do município.

O canal tem mais de 350 vídeos e de 1 milhão de views. Ele é uma das principais plataformas do De Olho, que surgiu como veículo jornalístico em 2016 e se afirma como observatório e produtor de conteúdo audiovisual — dos vídeos no canal a documentários, como o premiado “Elizabeth“, sobre a líder camponesa Elizabeth Teixeira, protagonista do clássico “Cabra Marcado Para Morrer”, de Eduardo Coutinho.

De Olho nos Ruralistas é um observatório sobre agronegócio e seus impactos sociais e ambientais. Sua interface no Congresso, a Frente Parlamentar da Agropecuária, é conhecida como bancada ruralista e inspira a série De Olho no Congresso. Um de nossos trabalhos mais importantes, o relatório “Os Invasores”, fala da sobreposição de fazendas em terras indígenas por empresas e por políticos. Outro dossiê importante divulgado pelo observatório, sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira, ganha também resumo em vídeos no canal.

A série Endereços marca o início de uma cobertura espacial sobre o poder municipal no Brasil. E não somente sobre eleições. O poder na maior metrópole do país está sendo esmiuçado também em suas relações com o ambiente. O sítio de Ricardo Nunes, por exemplo, fica em uma região de Mata Atlântica, perto da Serra do Mar, em área de mananciais e de proteção ambiental. Até outubro falaremos de prefeitos e agronegócio, secretários de Meio Ambiente e mineração, em uma lógica de expansão econômica, legal ou ilegal, e territorial.

Você pode apoiar o projeto aqui, com pix ou contribuições a partir de R$ 25 mensais. Elas são decisivas para a manutenção da equipe.

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas.|

|| Eduardo Carlini é geógrafo e pesquisador. ||

|||  Alceu Luís Castilho é diretor de redação do observatório. |||

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas): terreno que pertenceu à Topsul foi terraplanado durante a pandemia

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